sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

PT e PSDB ou as alas vermelha e azul da direita

            
Israel Souza[1]

Tratar o PSDB como direita e colocar-se como esquerda tem sido um recurso bastante utilizado pelo PT. Tal estratégia tem-lhe servido como uma espécie de trunfo moral.
Quando as coisas apertam (como nas últimas eleições), os petistas colocam como obrigação moral das forças políticas comprometidas com “os de baixo” não permitir que a direita (PSDB) volte ao poder. Isso tem dado certo resultado positivo para eles.
Emblemático a esse respeito foi a atitude de Luciana Genro (Psol) que, no segundo turno disputado entre Dilma e Aécio, disse a seus eleitores que estavam livres para votar, que ela não apoiaria ninguém. Todavia, para evitar confusão, foi enfática: “Aécio, não”. Faria alguma diferença se ela tivesse dito “Dilma, sim”?
A atitude de Luciana Genro foi a mesma de muitos outros, e contribuiu para a vitória de Dilma.
Não hei de engrossar o coro daqueles que dizem que não faz mais sentido falar em direita e esquerda. Digo apenas que, se os partidos tomados como parâmetro de uma e outra coisa foram PT e PSDB, não faz mais sentido falar em direita e esquerda.
Hoje muitos criticam Dilma, inclusive gente do governo e do PT. Criticam-na, como se ela tivesse dado um imperdoável giro à direita em seu governo. Entretanto, observando atentamente a “verdade efetiva das coisas” (como diria Maquiavel), Dilma tem sido coerente, isto é, segue aprofundando e ampliando reformas iniciadas sob os governos Lula, do mesmo modo como este aprofundou e ampliou reformas começadas sob os governos FHC.
Um exemplo para ilustrar. Fernando Henrique Cardoso tinha intenção de taxar os inativos. Na oposição, o PT não deixou. Quando no governo, uma das primeiras ações de Lula foi esta: taxar os inativos. Vê-se, por este ângulo, que as reformas na previdência recentemente efetivadas por Dilma apenas aprofundam e ampliam algo já começado por seus antecessores.   
Tomando estas e outras tantas coisas em conta, não há motivos para gritar contra Dilma e silenciar sobre FHC e Lula. Tomando estas e outras tantas coisas em conta, nada há de substancial que nos autorize tratar PSDB como direita e PT como esquerda, como se um fosse o contrário do outro.
A propósito, vale lembrar duas frases do ex-presidente Lula. Numa delas, respondendo a críticas vindas de setores comprometidos com as classes subalternas e procurando justificar a orientação (destrista) de seu governo, disse que “o PT nunca foi esquerda”, que ele sempre foi um “partido de centro”. Noutra, afirmou que “nunca os banqueiros haviam ganhado tanto como em seu governo”. Com razão, Paulo Maluf, “companheiro” seu, pôde dizer em tom de galhofa que, perto de Lula, ele era “um comunista”, posto que não apoiaria as multinacionais como o ex-presidente o fez, e sua sucessora continua fazendo.  
A fim de tratar as coisas pelo seu devido nome, importa dizer que o “centro” é a fronteira avançada da direita e a zona onde os desertores da esquerda usam folhas de parreira para esconder sua rendição à direita. A terceira via nunca foi mais que o fruto da confraternização que direitistas e ex-esquerdistas fazem a expensas “dos de baixo”. Não sem razão, na Europa como nos EUA, há quem veja em Lula uma espécie de Tony Blair tropical.
Os motivos de tal comparação são assaz patentes. Este, como aquele, tem vínculos com as forças trabalhistas. Mas orientou seu governo no sentido de enquadrá-las nos projetos do capital. Retomando uma expressão muito utilizada em décadas passadas, poderíamos definir os governos petistas (sob Lula e sob Dilma!) como governos violino, porquanto serem “levantados pela esquerda, mas tocados pela direita”.  
Como dissemos acima, tratar PT como esquerda e PSDB como direita tem servido como trunfo moral para o PT. Um trunfo de que há muito ele vem se mostrando indigno. Por isso, para construção de um projeto societário verdadeiramente popular, cumpre deixar claro que PT e PSDB não são partidos com projetos societários opostos e mutuamente excludentes. Eles são, na verdade, variação de uma única e mesma coisa. PT e PSDB são as alas vermelha e azul da direita brasileira. 



[1] Cientista Social e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental - NUPESDAO. E-mail: israelpolitica@gmail.com

Publicado originalmente em: Insurgente Coletivo

domingo, 25 de janeiro de 2015

O GOVERNO DILMA NO CABRESTO DO AGRONEGÓCIO?

Por Egydio Schwade

Não é só porque o mapa do agronegócio todo azulou ou tucanou nas últimas eleições, mas, principalmente, porque a saúde da terra e do povo brasileiro estão em jogo. Caros companheiros e companheiras, assessores(as) do Governo Dilma, o diálogo com a sociedade brasileira exige que vocês ajudem a Dilma a questionar o apoio que vem sendo dado ao agronegócio.

O grupo ruralista que tem sido privilegiado em todos os governos anteriores, mas em especial na primeira gestão de Dilma, são os principais poluidores da terra e da nossa comida brasileira. E eles estão aí de volta, no Congresso, querendo de novo comandar e desmandar.

O grupo está alinhado a um modelo essencialmente desenvolvimentista predador e como alerta a Comissão Pastoral da Terra, é o principal responsável “pela devastação ambiental dos nossos biomas, com o desmatamento e a utilização intensiva de agrotóxicos que suprimem a proteção vegetal e contaminam solos, águas, ar e trabalhadores e trabalhadoras. Provocam ainda o secamento e morte de nascentes e rios e o rebaixamento de lençóis freáticos e aquíferos. A destruição dos cerrados compromete a segurança hídrica atual e futura, o que já se evidencia na crise de abastecimento de várias regiões do país, que não se pode atribuir simplesmente à falta de chuvas. Ao se expandir para a Amazônia, este modelo chega à última fronteira, onde agrava a crise ecológica e nos põe a temer ainda mais pelo futuro...“

 Não pode um governo que pretende ser “popular” se submeter às exigências econômicas e politicas do agronegócio. Nas condições atuais já seria escandaloso o Governo fornecer igual incentivo ao Agronegócio do que à Agricultura Familiar.

Não tem diálogo possível com quem prejudica o povo brasileiro, colocando em risco a sua saúde e até a sua sobrevivência como alertam à exaustão centenas de cientistas do mundo inteiro.

Sob o título: “Amazônia perde mais de 2000 árvores por minuto nos últimos 40 anos”, - alertam -  “cerca de duzentos dos principais estudos e artigos científicos sobre o papel da floresta amazônica no sistema climático, na regulação das chuvas e na exportação de serviços ambientais para áreas produtivas, vizinhas e distantes da Amazônia. A avaliação conclui que reduzir a zero o desmatamento já não basta para garantir as funções climáticas do bioma.”
E o cientista do INPE, Antônio Donato Nobre, afirma: “Estamos indo direto para o matadouro. Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.”
Mesmo que o agronegócio contribua com 100 bilhões de reais no PIB, não é razão para que se continue apoiando essa forma de agredir a terra e a saúde do povo brasileiro. É preciso que o Governo amplie o seu diálogo com o movimento popular e com os cientistas do Brasil e do mundo. Nomear Cátia Abreu para Ministra da Agricultura e Aldo Rebelo Ministro de Ciência e Tecnologia, símbolos da depredação da terra e da natureza, é agredir a razão e o bom senso. Não pode, é inaceitável!

Casa da Cultura do Urubuí, Amazonas, 21 de janeiro de 2015,

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Indígena acreano condena projeto de REDD e acusa Governo e ONGs de "comprarem" parentes

Ninawa Huni Kui

...Os povos indígenas tem construído de maneira direta com este Estado Brasileiro, não somente com o desenvolvimento humano, mas economicamente, culturalmente, ambientalmente e lutando para ver um dia o "Bem Viver" acontecer. Ao contrario de tudo os Brasileiros políticos juntamente com seus comparsas, lutam para tudo destruir e destruir a milenar historia dos povos "indígenas", nas tentativas de tirarem o que ainda nos resta, como nossos territórios tradicionais e sagrados, lutam na tentativa de acabar com nossos costumes e tradições, em nome de um sistema integracionista herança da colonização. É lamentável que se juntam com essas pessoas alguns de nossos irmãos, muitas das vezes sendo usados, por ONG's, por governos, por políticos para atacarem seus próprios irmãos, na ilusão de acreditarem que são pessoas importantes como os "Brancos". Ao final de tudo isso, mulheres e crianças e idosos de nosso povos sofrem os impactos, das discórdias de nossos lideres, uns lutando para defender nossos territórios tradicionais para nossas futuras gerações, outros e a minorias defendendo os interesses de ONG'S e de governos, por traca de micharias de alguns dinheiros, onde vamos para com isso?

... Eu Ninawa Huni kui e minha comunidade, apoiamos a iniciativa do parente e liderança Henrique Suruí, porque sabemos no corpo e no espirito o que essas pessoas má querem fazer com nossas famílias, apos destruí-nos." digo a todos os lideres e guerreiros, afiem as pontas de suas lanças, troquem as cordas de seus arcos, chamem as forças de seus ancestrais e vamos caminhar juntos, porque 2015 já chegou, não podemos deixar os inimigos nos atacar por primeiro.




"Unir para Lutar e Unificar Para Vencer"
                                                                                                              Ninawa Huni kui

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Na surdina, governo Dilma dá seguimento à privatização da saúde indígena

Patrícia Bonilha, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Evidenciando mais uma vez que o modus operandi do atual governo vai na mesma direção do profundo desrespeito com que os povos indígenas foram tratados nos últimos quatro anos, ministros antigos e recém empossados pela presidente Dilma Rousseff iniciam seus mandatos atropelando acordos e a posição radicalmente contrária das organizações indígenas à criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (Insi) que, de fato,  significa a privatização dessa política pública. De acordo com informações obtidas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), durante o recesso, ou seja, longe dos holofotes ou de qualquer debate com os povos interessados e usuários deste sistema de saúde, o governo preparou todo um planejamento, incluindo cronograma e estratégias, para a concretização da criação do Insi, uma entidade civil de direito privado.

Segundo uma mensagem eletrônica intitulada “Mensagem do Secretário da SESAI Dr. Antônio/Situação Atual do INSI”, a que o Cimi teve acesso nesta quinta-feira, 15, o próprio Antônio Alves, secretário Especial de Saúde Indígenas (Sesai) informa que “a proposta foi encaminhada à Casa Civil, assinada pelos Ministros Arthur [Chioro ministro da Saúde] e Miriam Belchior [ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão até dezembro de 2014]. A assessoria jurídica da Casa Civil, que assessora juridicamente a presidenta, fez alguns ajustes de forma e não de conteúdo, e aguardou a posse da Presidenta para dar o encaminhamento final.”

As estratégias de aprovar o quanto antes a criação do Insi contemplam duas possibilidades de encaminhamento, conforme evidencia a mensagem a qual o Cimi teve acesso. “Elaboramos um plano de trabalho que contempla um cronograma para o cenário de Medida Provisória, mas a PR [Presidência da República] não decidiu ainda se enviara (sic) MP ou projeto de lei em regime de urgência. O ministro Arthur ficou de conversar com a presidenta nesta semana. Como a Miriam saiu, enviaremos à (sic) minuta de novo ao Ministro Nelson Barbosa [recém empossado ministro do Planejamento]”.

Caso seja feita a opção pela Medida Provisória, o desdobramento das ações já está claramente definido: “convocaremos imediatamente a comissão que ficou constituída na nossa oficina de planejamento para dar andamento na elaboração dos editais e demais providencias (sic) necessárias para efetivação do INSI”, consta na mensagem, endereçada às “Guerreiras e guerreiros presidentes do CONDISI” [Conselhos Distritais de Saúde Indígena]. Este trecho deixa uma dúvida sobre quais são os reais motivos e interesses que justificam tamanha pressa para a efetivação da criação deste instituto, amplamente repudiado pelos povos indígenas, mas que contaria com um orçamento superior a um bilhão, valor que triplicou nos últimos anos.

Em seguida, o autor da mensagem sugere que os implementadores do Insi pretendem descumprir o compromisso assumido com o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) de substituição dos profissionais da saúde indígena que, atualmente, atuam através de convênios e contratos temporários da União (CTU) por servidores públicos efetivos.

“A comissão é para tratar da organização do processo seletivo. E isso somente deve ocorrer com a criação do INSI, pois, quem vai dar os encaminhamentos sobre estatuto, editais, organização dos conselhos de administração e consultivo, nomeação da diretoria executiva, conselho fiscal, etc, é o INSI mas com o apoio da SESAI”, afirma o autor.

A decisão de realização do concurso público faz parte do Termo de Conciliação Judicial (TCJ), assinado em 2008, com os ministérios da Saúde e do Planejamento, o MPF e o MPT. Após a proposta de criação do Insi, ainda secreta na época, ter sido denunciada pelo Cimi em agosto de 2014 e de todos os desdobramentos ocorridos desde então, o MPF e o MPT concordaram, em reunião realizada em outubro de 2014, com a realização de um processo seletivo mais simplificado, se comparado a um concurso público, mas a ser feito dentro da estrutura da Sesai e não no novo instituto, o Insi.

Uma mudança que beneficia quem?

Em seguida, ele afirma: “A justiça está de recesso até o dia 14/01. E parece que vai haver mudança no acompanhamento do TCJ. Mas o governo deverá encaminhar um plano que contenha o cronograma dos passos que serão dados”. Fica o questionamento sobre qual a importância desta possível mudança no acompanhamento do TCJ. Será que, a partir desta mudança, o judiciário não mais exigirá o cumprimento da realização do concurso/processo seletivo ainda dentro da estrutura da Sesai? Em que termos se dará esta mudança? Quais os motivos e interesses que levam a ela? São muitas as perguntas sem respostas que um processo atropelado como esses suscita.

Já próximo do final da mensagem, o autor apresenta um “exemplo” de cronograma, que seria enviado ao poder judiciário, tal como segue:

“* Encaminhamento de MP- mês 01/15.
* Aprovação da MP: mês 05/15;
* Publicação decreto criando o INSI: mês 06/15;
* Organização da diretoria-executiva, dos Conselhos de Administração e fiscal: mês de 07/15;
* Elaboração/publicação por DSEI dos editais do processo Seletivo: mês 07/15; etc, etc.”

Se o secretário de uma pasta do ministério apresenta um cronograma é porque ele deve ter alguma fundamentação concreta, não é? Ou seja, o processo parece bastante encaminhado.

E para finalizar a mensagem, explicita-se o total descaso com os processos democráticos e, mais uma vez, a completa desconsideração pelas posições dos povos indígenas, afirma-se: “Se for MP, publicaremos em seguida o decreto criando o INSI, pois a Medida Provisória tem força de lei. Aí, não vamos esperar a votação dela, vamos iniciar tudo já como se ela estivesse aprovada. Aí teremos novos prazos e a Comissão será convocada”.

Breve histórico – Desde a denúncia feita em agosto pelo Cimi de que o governo articulava secretamente a privatização da saúde indígena através da criação do Insi, muitas organizações e lideranças indígenas manifestaram total repúdio a esta iniciativa do governo. Dentre elas estão: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme); Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR). Denúncias, oriundas especialmente de representantes de Distritos Sanitários Especiais (DSEI) contrários ao Insi, afirmam que as “consultas” aos povos foram conduzidas de forma autoritária e antidemocrática, e recheadas de ameaças de demissão. Muitos processos de cooptação, manipulação e outros tipos de ameaças contra os  indígenas críticos ao Insi também foram reportados por indígenas de todo o Brasil.

Uma das causas de indignação do movimento indígena é que a proposta de criar o Insi e “reformar a política de atenção à saúde indígena” foi feita apenas quatro anos depois da criação da Sesai, fruto de uma grande mobilização do movimento indígena em todo o país, visando o reconhecimento da saúde indígena como uma política pública ligada diretamente ao gabinete do ministro da Saúde, em substituição à Fundação Nacional de Saúde (Funasa) que promovia a terceirização e a privatização da saúde indígena.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Leia no Blog do Lindomar Padilha: Lideranças do povo Paiter Suruí pedem extinção de projeto de carbono em RO

POR MICHAEL F. SCHMIDLEHNER

Respostas e notas de repúdio em reação à entrevista de Henrique Suruí exibiram a capa do jornal Porantim riscada

 Uma declaração de lideranças das comunidades Paiter Suruí, na qual pedem a extinção do projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal “plus” (REDD+) em suas terras pode ser um marco decisivo nas discussões acerca de projetos de sequestro de carbono e serviços ambientais em terras indígenas. O Projeto Suruí Carbono até então foi apresentado internacionalmente pelas organizações e empresas envolvidas como exemplo pioneiro, que poderia servir para a implementação de projetos similares em outras comunidades indígenas. Uma entrevista publicada pela Revista Porantim com o cacique Henrique  Iabaday Suruí em dezembro do ano passado, assim como a declaração supracitada começam revelar o outro lado da história, mostrando  graves impactos e efeitos desestruturantes do projeto sobre as comunidades. Levanta-se mais uma vez a questão, até que grau os programas de REDD e serviços ambientais não são soluções inadequadas para os problemas de comunidades indígenas em geral.

O projeto


Iniciado em 2007 e tendo a Associação Metareila do povo Suruí como proponente, os principais intermediários e facilitadores do Projeto Carbono Suruí na terra indígena Sete de Setembro (Rondonia) são  as ONGs norte-americanas Forest Trends e Equipe de Conservação da Amazônia ACT, o Instituto de Conservação e Desenvolvimento do Amazonas – IDESAM, Associação e Defesa Etnoambiental Kanindé e Fundação Brasileira para a Biodiversidade – FUNBIO.  A implementação do projeto contou ainda om o acompanhamento da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Sendo politicamente bem articulado e recebendo prêmios no exterior, o presidente da Associação Metareilá Almir Narayamoga Suruí propaga a ideia de implementar projetos REDD também em outras terras indígenas no Brasil. Uma das suas visitas no Acre, facilitadas por Forest Trends e Comissão Pró Índio do Acre (CPI-AC) foi noticiado com as palavras: “A palestra de Almir Narayamoga Suruí, chefe dos Paiter (RO), no último dia da Oficina de Informação sobre o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), acabou com as dúvidas das lideranças indígenas do Acre e encheu todos - índios e não-índios -, de esperança: a proteção da floresta e da biodiversidade tem valor, é em dólar e aos milhões”.


Em 2013 a empresa de cosméticos Natura, adquiriu as primeiras 120 toneladas de carbono do Projeto Carbono Suruí , tornando-se com isto primeira do mundo a adquirir créditos de carbono indígena, emitidos por duas certificadoras internacionais. O valor do negócio teria girado em torno de R$ 1,2 milhão.


As denúncias


Na sua entrevista, Henrique Suruí relata sobre fortes represálias em consequência do projeto: “Acabaram com as plantações culturais e com o artesanato tradicional, com a pesca, a caça, a liberdade na sua terra. Além disso, nós ficamos na mão da Polícia Federal, que nos ameaçava por qualquer coisa, por fazer derrubada ou caça na nossa terra... quem fizesse, seria condenado por isso. Acabou a liberdade do Suruí na nossa terra. A Polícia Federal agia por pressão dos responsáveis do projeto. Eles que pediam pra PF atuar, pra mostrar pro mundo que os Suruí poderiam cumprir um acordo.” Alem disso, Henrique denuncia que o dinheiro da Natura não chegou até as comunidades: “ninguém sabe onde tá este dinheiro”.

A entrevista provocou veementes reações por parte dos proponentes do projeto. A Associação Metareilá e  emitiu uma nota de repúdio avisando que processaria a  jornalista responsável pela entrevista na Comissão de Ética e Sindicância do Sindicato dos Jornalistas do DF . Apos publicação da entrevista no REDD Monitor (site de discussão sobre REDD, em inglês ), representantes da Forest Trends publicaram respostas onde procuram desmentir as afirmações de Henrique Suruí, questionando sua credibilidade ao chamar ele o “líder da facção madeireira”. 

A declaração que o CIMI recebeu na semana passada e publicou nesta segunda-feira (12), foi assinada (leia) por cerca de 50 indígenas Suruí, 22 delas identificados como caciques ou dirigentes das associações comunitárias. Nela, os indígenas agradecem “a oportunidade levantada pelo Henrique e pelo jornal Porantim de provocar a discussão a respeito do Projeto de Carbono, que o Henrique falou em cima da realidade do nosso povo”. Fornecendo detalhes sobre repasses de recursos do Fundo do projeto para as associações comunitárias, eles confirmam a constatação de Henrique que apenas uma ínfima parte do pagamento da Natura chegou nas comunidades. A declaração está escrita de maneira bastante sensata procurando evitar desnecessárias polemicas. Os autores defendem tanto Henrique Suruí, afirmando que ele não promove a venda de madeira, quanto os parceiros do projeto que na sua avaliação tiveram boa intenção. Entretanto, eles denunciam claramente a ma gestão, intransparência  e autoritarismo por parte da Associação Metraleirá e seu presidente Almir Suruí. “... algumas lideranças já estão sendo chamadas a assinarem recibos de valores que as associações não receberam.” 


Eles não mencionam um outro fato bastante preocupante (do qual possivelmente nem tem conhecimento): Almir Suruí, na sua função de coordenador da Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas – Cunpir/RO, enfrenta problemas na a justiça em decorrência de um convênio de R$ 9,5 milhões que esta organização assinou em 2002 com a Fundação Nacional de Saúde. (mais informação aqui).


Perguntas

Muitas perguntas ainda terão que ser respondidas. Como se chegou a esta situação paradoxa, onde há de um lado grande visibilidade externa deste projeto e do outro lado total abandono das comunidades numa situação de miséria e divisão interna? Em que consistiu de fato o acompanhamento da FUNAI? Ela deve ter tido conhecimento dos problemas judiciais do presidente da Matareilá. Porque o Ministério Público e a Polícia Federal, que tanto se preocupam em fiscalizar e punir as “infrações ambientais” dentro da Terra Indígena até agora não investigaram as irregularidades do Projeto Carbono? 


Também tem que questionar sobre os parceiros não governamentais. Mesmo que as lideranças Suruí afirmam que se trata de organizações sérias, tem que ser perguntado: Quais informações os Suruí possuíram sobre os possíveis impactos de projetos REDD? Como e por quem o projeto foi explicado para eles?

A consulta com as comunidades sobre o projeto foi conduzida pela ACT, que publicou em 2010 um documento intitulado Consentimento Livre, Prévio e Informado Projeto Suruí Carbono. O documento  afirma que o processo de consulta garantiu que as “informações necessárias” foram fornecidas. Mas, quais informações foram estas? Quais informações devem ser consideradas necessárias para decidir sobre um projeto desta natureza? O documento fala de uma “metodologia participativa”, dos marcos legais e de teorias antropológicas que teriam orientado os “eventos comunicativos” e “articulações interétnicas” que compuseram o processo de consulta. Entretanto, o documento trás praticamente nenhuma informação sobre os conteúdos que realmente foram discutidos com os quatro clãs dos Paiter-Suruí nestes encontros. 


A declaração dos Suruí na semana passada revela alguns detalhes sobre as promessas que foram feitas nesta fase inicial, tais como renda mensal e melhoria de vida  para as famílias e de que “o paiter iria virar empresário”. Obviamente, as comunidades não foram informadas sobre as crescentes críticas que no mundo afora vem sendo articulados acerca de projetos do tipo REDD. Estas críticas se referem desde a questionável logica do “pagar para poluir” e da “lavagem verde” (lembramos neste contexto da multa de R$ 21 milhões que a Natura levou em 2010 por ter acessado recursos genéticos de forma irregular que prejudicou a imagem pública da empresa) até os concretos e bem documentados impactos que estes projetos já vem causando há anos para comunidades indígenas em outros países da America Latina,  Africa e Asia, tais como perda de soberania alimentar e criminalização. Estas informações não teriam sido essenciais para subsidiar o processo de decisão dos Paiter Suruí e para evitar futuros danos materiais e morais?


Quem é a ACT?


Vale levantar neste contexto alguns fatos sobre a Amazon Conservation Team ACT(Equipe de Conservação da Amazonia). Esta ONG, com sede principal nos Estados Unidos atua em diversos países da Panamazônia, trabalhando principalmente com “mapeamentos culturais” e aquilo que chamam “conservação biocultural”. Este trabalho inclui entre outros capacitações de guardas parque indígena, programas para aprendizes de xamanismo e clínicas de medicina tradicional. O componente brasileiro da organização foi fundado em 2002 por iniciativa do  primatólogo Holandês Marco van Roosmalen e seu filho Vasco van Roosmalen, que preside a organização até hoje. Marco van Roosmalen foi acusado de biopirataria e causou fortes polemicas no Brasil, entre outros após ter “descoberto” duas espécies de macacos. Esses animais, endêmicos da Amazônia e conhecidos pelas comunidades tradicionais por nomes como Zog-Zog, ganharam nomes “científicos” de Roosmalen como, por exemplo, Callicebus Bernhardi, em homenagem ao príncipe Bernardo, da Holanda (fundador da organização conservacionista WWF). 

Segundo o Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra a Biopirataria, de 2006, a ACT possui ligações com empresas estadunidenses da indústria de farmacêuticos e cosméticos e teria acessado, de forma irregular, patrimônio genético nacional e conhecimento tradicional associado através da elaboração de um “mapa cultural” dos povos indígenas do Tumucumaque e do Xingu. Após investigação, esta CPI concluiu: “Embora a ACT Brasil negue, ficou evidenciado que a elaboração do Mapa Cultural não foi uma demanda das comunidades indígenas do Xingu. Esta CPI não consegue conceber que elas possam ter solicitado um produto para o qual a grande maioria não entendia (e ainda não entende) a utilidade. No máximo, esse desejo pode ter sido manifestado por alguns chefes indígenas e a ACT, por conta própria, resolveu estender a ideia às demais comunidades do Xingu, praticamente impondo-lhes a execução do mapa. [...] No entendimento desta CPI, esse comportamento por parte da ACT Brasil constitui evidente aliciamento das comunidades indígenas”.


Como uma organização com este histórico pude ser considerada competente para conduzir a consulta com os Paiter Suruí? Esta e muitas outras perguntas ainda terão que ser respondidas, se realmente queremos aprender as lições que a experiencia do Projeto Carbono Suruí oferece.


Solidariedade da sociedade civil

Enfim, a partir da declaração das lideranças, e da entrevista de Henrique Suruí começa revelar-se uma situação muito triste deste povo, marcada pela corrosão das relações entre si e com seu ambiente.  Os povos indígenas encontram-se cada vez mais expostos aos interesses de empresas e de ONGs do “ambientalismo de mercado”, ao mesmo tempo sofrendo as represálias de um governo que cada vez mais se alia a estes interesses. 


A sociedade civil precisa se solidarizar com a luta destes povos e acompanhar ativamente as políticas indigenistas do país. Assim podemos contribuir para que povos como os Paiter Suruí, ao invés de se tornarem reféns da logica do mercado de carbono, possam realizar projetos construídas a partir das demandas reais e das ideias próprias das comunidades, ou seja, nas palavras das lideranças Suruí “projetos que garantam uma autonomia de verdade para as comunidades, com desenvolvimento sustentável e geração de renda sem depredação dos recursos naturais”.


Clique aqui para ler o documento das lideranças do povo Paiter Surui

Michael F. Schmidlehner, nativo da Áustria e naturalizado brasileiro, é fundador da organização não-governamental acreana Amazonlink.org e trabalha como pesquisador, jornalista e professor de filosofia. Suas pesquisas e publicações são principalmente relacionadas a questões de acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e de justiça climática na Amazônia.

Lideranças Paiter Suruí pedem extinção de projeto de carbono com a Natura

Patrícia Bonilha,
da Assessoria de Comunicação do Cimi
Em uma Nota de Esclarecimento encaminhada ao Ministério Público Federal (MPF) de Rondônia na última semana, lideranças do povo Paiter Suruí posicionam-se sobre o Projeto de Carbono Paiter Suruí e o Plano de Gestão de Cinquenta Anos do Povo Paiter Suruí, implementados na Terra Indígena Sete de Setembro. Após apresentarem várias críticas e denúncias em relação à gestão do projeto, principalmente, à perda de autonomia e à divisão do povo, dentre outras, no final do documento as lideranças demandam que “o Projeto de Carbono Paiter Suruí seja extinto e que as associações possam elaborar e executar projetos que garantam uma autonomia de verdade para as comunidades, com desenvolvimento sustentável e geração de renda sem depredação dos recursos naturais”.

Este projeto de sequestro de carbono, assinado pelos Suruí com a empresa de cosméticos Natura em setembro de 2013, ganhou, recentemente, repercussão nas redes sociais e em listas de e-mails da sociedade civil devido a agressivas reações às declarações feitas pelo cacique da aldeia Sete de Setembro, Henrique Suruí, em uma entrevista publicada no Porantim (jornal do Conselho Indigenista Missionário – Cimi). Dentre outras críticas, Henrique afirma que o projeto causou a divisão do seu povo, modificou o modo de vida tradicional e que o povo foi iludido com falsas promessas de melhoria de vida e de recursos financeiros, como uma compensação pela preservação da floresta.

 Leia a entrevista aqui.

Em dezembro, a Associação Metareilá do povo Suruí, Almir Suruí, cacique-geral do povo e um dos responsáveis pelo projeto, e Júlio Suruí, membro do Parlamento Suruí, desqualificaram as declarações do cacique Henrique Suruí, o Cimi, o Porantim e a jornalista, responsável pela edição, Patrícia Bonilha. A Coordenação da Padereehj, que representa os povos Arara-Karo, Gavião-Ikólóéhj e nove povos da Terra Indígena Rio Branco, em Rondônia, soltou uma carta de repúdio, reagindo à declaração de Henrique segundo a qual recursos do projeto Suruí estariam sendo gastos para cooptar lideranças destes povos, dentre outros, e convencê-las a também fazer projetos de carbono.

Diante das acusações feitas a Henrique Suruí e ao Cimi, quatro associações (das sete existentes), dez caciques e importantes lideranças do povo Suruí esclarecem no documento algumas das principais questões abordadas na entrevista ao Porantim, reforçam afirmações de Henrique e apresentam novos elementos críticos ao projeto:

* as promessas de melhoria de vida do povo Suruí revelaram-se falsas e ilusórias, o que levou alguns indígenas a uma situação de extrema dificuldade e, até mesmo, à fome;

* a criação de associações para participarem do projeto gerou maior divisão do povo;

* a divisão de responsabilidades por áreas (agricultura, educação, saúde, meio ambiente, cultura e turismo) entre as associações não foi cumprida – ao invés disso, departamentos foram criados dentro da Associação Metareilá, o que, diminuiu a atuação e autonomia das outras associações clãnicas dentro do Fundo Suruí;

* os pagamentos acordados não foram realizados;

* a discrepância enorme entre o valor que o Fundo Suruí recebeu e o valor repassado para as associações; além do fato da Associação Gãgbir (que desde 2010 é crítica ao projeto) não ter recebido nenhum recurso;

* a falta de transparência na prestação de contas e os pedidos a lideranças para assinarem recibos de valores que as associações não receberam;

* a ausência de respostas aos questionamentos em relação à gestão do projeto;

* as retaliações e ofensas sofridas pelas associações por estes questionamentos;

* a falta de diálogo com Almir Suruí.

No documento, as lideranças também denunciam o fato de que uma auditoria independente foi feita, mas visitou apenas quatro comunidades escolhidas pelos gestores do projeto, de um total de 25. “Entrevistando os indígenas previamente escolhidos para falarem sobre os benefícios do projeto”, pontuam as lideranças que assinam a nota.

Elas afirmam também que “Quando começaram as discussões a respeito desses temas, havia a participação de quase cem por cento do povo”, no entanto, questionam agora o que o projeto trouxe de melhoria na qualidade de vida dos Paiter. Por telefone, Celso Natin Suruí garante que a maior parte do seu povo é hoje contra o projeto de carbono e ele reforça a sugestão feita pelas lideranças na Carta: “Seria bom os jornalistas visitarem as aldeias verificando a realidade em que as mesmas se encontram”.

Em relação às acusações de comercialização ilegal de madeira, as lideranças afirmam que “Henrique Iabaday Suruí não promove a venda ilegal de madeira na Terra Indígena Sete de Setembro, a decisão de vender madeira é da cada um que realiza essa atividade. Não apoiamos esta atividade ilegal...”.

Leia a Carta de Esclarecimento encaminhada por lideranças do povo Paiter Suruí ao MPF-RO para que investigue a execução do projeto e ao Cimi, com pedido de ajuda na divulgação dos esclarecimentos e da decisão das lideranças de extinção do Projeto de Carbono Paiter Suruí.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A POLÍTICA INDIGENISTA SOB O COMANDO DO AGRONEGÓCIO: Por Clovis Antônio Brighenti


No último dia 5, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a latifundiária e pecuarista ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu, deixou claro qual será a política indigenista do próximo mandato da presidente Dilma Rousseff: nada de demarcações de terras indígenas e mudança na legislação, ou seja, uma continuidade mais radical dos últimos quatros anos do governo. Segundo a latifundiária, os indígenas atuais não têm direito porque eles “saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção”.
A política indigenista brasileira, legalmente, não é atribuição do ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No entanto, na prática, este é o ministério que mais exerce influência no governo sobre a temática, e é a bancada do agronegócio na Câmara que tem externado os mais veementes discursos racistas, preconceituosos e tem incitado a violência contra os povos indígenas. Além da incidência política na relação com o governo há uma relação pessoal entre Dilma Rousseff e Kátia Abreu, definida pela ministra como sendo de “fã”, e a confiança recíproca também é verdadeira.
A declaração de que os indígenas são e deveriam permanecer na floresta revela a mais profunda ignorância externada por uma pessoa, inadmissível a um Ministro de Estado. A frase só pode ser entendida a partir da dimensão política, do uso do cargo público para impedir que os povos indígenas acessem seus direitos. Também tem a função de criar na opinião pública conceitos distorcidos e levianos no sentido da não humanização dos povos indígenas.
Primeiramente, é importante compreender que os povos indígenas não são e nunca foram da floresta. As informações arqueológicas, históricas e contemporâneas demonstram que os povos indígenas vivem em aldeias, algumas chegando a constituir-se como cidades e outras apenas povoados, mas não há dados históricos que demonstram que os indígenas viviam como quer fazer crer a ministra. Havia e há uma relação próxima com a floresta, devido aos conceitos de natureza humana, comum entre povos indígenas, pelos quais pessoas e meio ambiente são integrantes de um mesmo cosmos e necessitam-se reciprocamente para sobreviver, muito diferente do conceitos do agronegócio em que o meio ambiente é um estorvo, um impedimento ao lucro, basta lembrar que foi a mesma bancada de latifundiários que provocou a mudança no Código Florestal brasileiro, a fim de ampliar o cultivo de cana e soja.
Os dados históricos demonstram que as regiões onde se concentram os maiores conflitos por terra nesse país – Mato Grosso do Sul, região Sul e Nordeste – são locais onde os povos indígenas foram violentamente arrancados de suas terras. O relatório produzido pela Comissão Nacional da Verdade, e entregue no último dia 10 de dezembro à presidente Dilma Rousseff, revela que a expulsão desses povos ocorreu a partir de 1950, com a Marcha para o Oeste do governo de Getúlio Vargas, tanto no oeste dos estados do Sul como no Mato Grosso do Sul.
Até esse período essas regiões eram ricas e florestadas. Foi o agronegócio, predador, que avançou sobre as terras indígenas, destruiu a floresta, mecanizou o campo e expulsou os indígenas. Mesmo nos locais em que as terras indígenas já estavam consolidadas, a partir da criação de reservas no início do século XX, houve reduções, foram feitos acordos entre o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e governos de estados para reduzir as terras. Outros indígenas foram expulsos e povos praticamente exterminados, como no caso dos Xetá no noroeste do Paraná, sem nunca terem tido acesso a uma terra regularizada e os Kaiowá, no MS, confinados em pequenas reservas. Portanto, nada mais mentirosa e preconceituosa que a declaração da ministra.
A pecuarista também fez questão de posicionar-se sobre o reconhecimento da tradicionalidade, demonstrando mais uma vez sua total ignorância e malícia com relação ao tema: “Se a presidenta entender que os pataxós estão com a terra pequena, arruma dinheiro da União, compra um pedaço de terra para eles e dá. Ótimo. Eu só não posso é tomar terra das pessoas para dar para outras.” Ou seja, se seus colegas latifundiários tomaram as terras dos Pataxó é a União que deve “comprar” um pedaço de terra. Ora, senhora pecuarista, não é assim que define a legislação brasileira que a senhora, como ministra, deveria muito bem conhecer.
Por fim, a Miss Desmatamento 2009 (prêmio concedido pelo Greenpeace), usa de artimanhas esdrúxulas, demonstrando o quanto irresponsável é, não apenas em relação aos povos indígenas, mas com todo o Brasil: “Então, vamos tomar o Rio de Janeiro, a Bahia. Por que [o raciocínio] só vale em Mato Grosso do Sul? O Brasil inteiro era deles. Quer dizer que nós não iríamos existir.” Discurso fajuta e que não contribuiu com a solução dos conflitos. Todos nós sabemos que os povos indígenas reivindicam terras específicas e pontuais definidas como terras tradicionalmente ocupadas. É importante ressaltar que se todas as terras reivindicadas pelos povos indígenas no estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, que tem a segunda maior população indígena do país, fossem demarcadas, esse total corresponderia a apenas 2% do estado todo. Mais de 85% do Brasil já está consolidado como não terra indígena, portanto quanto mais querem os latifundiários?
Diante do absurdo do discurso da Ministra não resta outra alternativa que pedir solenemente à presidente Dilma Rousseff que demita a ministra, que nunca deveria ter assumido um cargo como o que ocupa... pelo bem do Brasil.

Clovis Antonio Brighenti
Historiador, membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e professor de História na Universidade Federal de Integração Latino-Americana (Unila)

O título foi cunhado do seminário realizado pelo curso de Licenciatura Intercultura Indígena do Sul da Mata Atlântica, em maio de 2013, por ocasião de um debate sobre a PEC 2015

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Declarações de Kátia Abreu devem potencializar protestos indígenas


Fonte da notícia: Rede Brasil Atual

Logo após assumir o cargo de ministra da Agricultura, a ex-senadora Kátia Abreu, deu declarações que ofenderam os indígenas, segundo o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Cleber Buzatto. Ele afirma que as declarações da ministra devem potencializar os protestos de comunidades indígenas. 


Ouça aqui a reportagem de Marilu Cabañas, para a Rede Brasil Atual.

Meu comentário: 

As declarações de Kátia Abreu não devem potencializar apenas protestos de indígenas, senão de toda a sociedade brasileira que tem sido duramente "bestificada" e alvo constante de deboche e traição. O mais grave é que essa senhora, amiga íntima da presidente, só fala o que fala porque conta com apoio integral da presidente e com ampla aceitação no partido dos trabalhadores e, claro, representa não só o agronegócio mas todo o sistema corrupto e espoliador que se instalou em todos os poderes da república.

Aqueles e aquelas que foram às ruas em apoio à candidatura de Dilma, sob pretexto de que ela faria uma reforma agrária "popular" e uma reaproximação com os movimentos sociais devem estar se sentindo ainda mais traídos e com o estômago embrulhando em náuseas pelo grave equivoco que cometeram.

O momento no entanto não é de lamúrias apenas. O momento é de somarmos forças e, nas ruas, indígenas e não indígenas, todos os povos e comunidades, mulheres e homens, camponeses e operários... enfim, todos e todas, numa oposição pela esquerda, fazermos acontecer as mudanças necessárias.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Cimi repudia declarações da ministra Kátia Abreu

O Conselho Indigenista Missionário manifesta um veemente repúdio às declarações que a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu (PMDB-TO) deu em entrevista publicada neste dia 05 de janeiro de 2015 no Jornal Folha de S. Paulo.

A ministra mais uma vez defende a Proposta de Emenda Constitucional 215/00 e tenta deslegitimar o direito dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais arguindo a tese absurda de que “os índios saíram da floresta e passaram a descer nas áreas de produção”. Uma afirmação tão descabida e desconectada da realidade do nosso país só pode ser fruto de uma total ignorância e de uma profunda má fé.  Quem realmente conhece a história de nosso país sabe que não são os povos indígenas que saíram ou saem das florestas. São os agentes do latifúndio, do ruralismo, do agronegócio que invadem e derrubam as florestas, expulsam e assassinam as populações que nela vivem.

A “rainha da motosserra”, como a ministra da Agricultura também é conhecida, passa inclusive por ridícula ao negar o direito dos povos lembrando que “o Brasil inteiro era deles”. Não é digno de quem foi chamada a ser ministra de Estado do Brasil propagar a ideia caricata de que os povos indígenas estariam reivindicando “o Brasil inteiro”. A Constituição Federal de 1988 garante o direito dos povos indígenas sobreviventes dos seculares massacres às terras tradicionalmente habitadas por eles, como garantia para a sua sobrevivência física e cultural. É no mínimo uma atitude esdrúxula de quem mal assumiu o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento vir a público com insinuações desrespeitosas à Lei Suprema do País. Não satisfeita em atacar, bem no início do “novo” governo Dilma, os povos indígenas, a representante do latifúndio tenta ainda pôr uma “pá de cal” sobre o inexistente processo de reforma agrária no Brasil e esgrime descaradamente a tese de que no Brasil não existiria mais latifúndio.

Com essa entrevista a ministra Kátia Abreu, além de revelar prepotência e cinismo, demonstra claramente que está no governo Dilma para pisotear os direitos daqueles que lutam pela distribuição equânime da terra, pelos direitos dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, camponeses e pelo meio ambiente. A ministra confessa sem meias palavras que assumiu sua pasta para defender o latifúndio e os privilégios que o governo tem concedido ao agronegócio.

A presidente Dilma Rousseff não se deixou impressionar pelas manifestações contrárias de amplos setores da sociedade brasileira à nomeação de Kátia Abreu, inimiga declarada dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, camponeses e do meio ambiente. Com a entrevista ficou evidente que as preocupações e os temores destes setores com o novo governo Dilma são legítimos e justificáveis.

O latifúndio, o ruralismo e o agronegócio não têm limites. Diante de tamanha insensatez e insensibilidade, não resta outra alternativa aos povos senão dar continuidade ao processo de articulação, mobilização e luta em defesa de suas terras e de suas vidas.

Brasília, DF, 05 de janeiro de 2015.

Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu e Presidente do Cimi

Emília Altini
Vice-Presidente do Cimi

Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi