sexta-feira, 29 de julho de 2016

Em apenas sete meses já são dez casos de suicídio entre o povo Madiha (Kulina) da T.I Alto Purus no Acre

O CIMI - Conselho Indigenista Missionário, Regional Amazônia Ocidental acaba de soltar uma nota pública denunciando que em apenas sete meses, de dezembro a julho deste ano, já são dez os casos de suicídios entre o povo Madiha (Kulina) da Terra Indígena do Auto Purus no Estado do Acre.

A nota também denuncia outras formas de violência contra o povo e pede que as autoridades tomem providência o que, segundo a mesma nota, ainda não foi feito. Segundo o Cimi já foi protocolado no Ministério Público Federal um documento com as mesmas denúncias e pedindo que as autoridades, especialmente a Funai e Sesai se manifestassem e propusessem políticas públicas que pudessem ajudar o povo na solução do problema.

A mesma nota faz ainda referência ao fato de a Funai, coordenadoria Regional Purus, com sede na cidade de Rio Branco, ter impedido a equipe do Cimi de entrar nas aldeias para averiguar in loco os casos e prestar solidariedade e apoio ao povo, inclusive fornecendo profissionais como antropólogos e psicólogos, fato repudiado na nota.

Confira a nota na íntegra:


NOTA PÚBLICA


O Conselho Indigenista Missionário – Cimi, Regional Amazônia Ocidental, vem a público manifestar sua preocupação frente aos casos de violência e suicídios que estão ocorrendo nas aldeias Madiha (Kulina) do alto Purus.

Desde o dia 1º de dezembro de 2015 até o dia 14 de julho já foram registrados dez casos de suicídio por enforcamento ao longo das diversas aldeias desse povo nos rios Purus e Chandless, ceifando as vidas de Huaica Kulina, Desica Kulina, Cohue Kulina, Macohi Kulina, Walter Kulina, Radsi Kulina, Huinija Kulina, Jahono Kulina, Ita Kulina e Biraci Kulina.

Afora os casos de suicídio, o povo Madiha (Kulina) enfrenta atualmente outras situações de violência como afogamento de um indígena (Bernoni Kulina) no porto da cidade de Manoel Urbano assim como o assassinato de Francisco Kulina, também nessa cidade, cujo crime ainda segue impune e o assassino à solta. Paralelo aos casos de violência observa-se uma crescente onda de consumo de gasolina, seja inalada ou ingerida entre jovens e mesmo alguns adultos, além das bebidas alcoólicas facilmente encontradas nos bares das cidades ou nos vizinhos da Terra Indígena.

Em 19 de abril de 2016 o Cimi formalizou uma denúncia junto ao Ministério Público Federal com a intenção de que a Funai, Sesai e outros órgãos competentes se inteirassem da questão e  propusessem políticas públicas voltadas à valorização da vida do povo Madiha (Kulina) de acordo com sua cultura e espiritualidade, mas até o momento não tomamos conhecimento de nenhuma iniciativa neste sentido.

Manifestamos ainda nossa preocupação com o crescente aumento do número de casos e com o impedimento de nossa equipe adentrar nas aldeias para contribuir e apoiar o povo na busca de solução. Desde o início nos colocamos à disposição inclusive fornecendo auxilio de profissionais e, por isso mesmo, repudiamos toda e qualquer tentativa de impedir nossa atuação e ocultar a verdade sobre o que vem ocorrendo.


Rio Branco, 29 de julho de 2016.



Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Regional AO

terça-feira, 26 de julho de 2016

Entre Suruí e "Acapú": REDD e dilemas éticos de cientistas


Por Michael F. Schmidlehner*
Michael no lançamento do relatório sobre violações de direitos no estado do Acre
em decorrência da economia verde - Foto: Lindomar Padilha
Um estudo recente realizado por pesquisadores da  Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) examina os efeitos de um projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) sobre a auto-representação de uma comunidade indígena na Amazônia brasileira. Os pesquisadores, Raoni Rajão e Camilla Marcolino, resumem resultados do estudo em um artigo em intitulado "Between Indians and ‘cowboys’ – the role of ICT In the management of contradictory self-images and the production of carbon credits in the Brazilian Amazon" (Entre índios e 'cowboys' - o papel das TIC na gestão das auto-imagens contraditórias e a produção de créditos de carbono na Amazônia brasileira).

O artigo apresenta o caso de um grupo indígena denominado "Acapú" e seu cacique "Cairú". Na terceira página do artigo porém, os autores revelam que os dados da pesquisa foram anonimizados e os verdadeiros nomes do povo indígena e do seu líder ocultados. Mas, para um leitor que é mais ou menos bem informado sobre o avanço de projetos de REDD no Brasil, rapidamente torna-se claro que a pesquisa é muito provavelmente sobre o Projeto de Carbono Florestal Suruí e cacique Almir Surui.

Gerenciamento de impressão

A abordagem metodológica do estudo é baseada na teoria de interação simbólica e gerenciamento de impressão, desenvolvida pelo sociólogo canadense Erving Goffman na década de 1950. Segundo esta teoria, atores sociais adotam estratégias específicas a fim de controlar a percepção de outras pessoas.  Enfatizando certas características e escondendo  outras - utilizando "frontstage" (palco) e "backstage" (bastidores)  para sua atuação social - eles procuram transmitir determinadas imagens de si próprios para determinados públicos.

Os autores expõem como a comunidade "Acapú" desenvolve suas estratégias através da utilização de tecnologia moderna de informação e comunicação (TIC). No frontstage - o site oficial, canal do Youtube, artigos e entrevistas com o líder "Cairú" - a comunidade produz a imagem do "Índio autêntico" e do "guardião da floresta", que visa a harmonia com a natureza e está comprometido com preservação.

A representação dos "Acapú" nas descrições técnicas do projeto esta em oposição diametral a esta imagem romantizada. Nessas descrições, modelos de computador são usados ​​para atestar a "adicionalidade" do projeto. Isso significa que o cenário do projeto é comparado - em termos de emissões por desmatamento - com um cenário negativo hipotético (chamado cenário de referência ou linha de base), que, presumivelmente, teria ocorrido em ausência o projeto. A lógica é: o pior cenário negativo - e, conseqüentemente, maior a diferença entre os dois cenários - os mais "emissões evitadas" podem ser vendidos. Baseado neste raciocínio, proponentes de projetos REDD geralmente são levados a descrever moradores de áreas de projeto como notórios destruidores da floresta. Por isso, no backstage, os "Acapú" estão representados como criadores de gado, como "cowboys" que destroem as florestas.

Os pesquisadores apontam que os lideres "Acapú" que estavam envolvidos na criação do projeto entenderam esta lógica muito bem e, quando o cenário de referência foi elaborado pelos desenvolvedores do projeto, tenderam a  superestimar grandemente a quantidade de floresta que eles já estavam desmatando. O chefe "Cairú" é citado como tendo não gostado de um certo modelo de cálculo da linha de base, porque "ele mostra muito pouco desmatamento na nossa reserva indígena".

Os autores mostram que, na verdade, ambas as contraditórias auto-imagens são necessárias, a fim de vender com sucesso créditos de carbono do projeto. Enquanto a narrativa do “destruidor da floresta” é necessária para a "prova técnica" da adicionalidade, a narrativa do “guardião da floresta” é necessária para a comercialização dos créditos de carbono.

Representações contraditórias dos "Acapú"

Os autores colocam a questão: Como estas representações contraditórias podem ser mantidas simultaneamente e comunicadas para grupos separados? Como pode a informação do backstage (a descrição técnica) ser tão eficazmente escondida, embora esteja disponível na Internet?

A resposta é simples: Enquanto o site da comunidade, os vídeos e artigos de notícias podem  ser encontrados rapidamente na web e facilmente compreendidos pelo público em geral, as descrições técnicas estão escondidos em uma "caixa preta" tecnológica. Difícil de encontrar na web, estes textos são escritos em um jargão científico, o que exige conhecimento especial do leitor. Um dos autores teve que fazer um curso de um semestre com o criador da ferramenta de simulação por computador usado para o projeto, a fim de compreender os detalhes técnicos.

No fundo o estudo confirma aquilo que os ativistas e ONGs que questionam REDD (como o Conselho Indigenista Missionário CIMI, Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais WRM e Amigos da Terra, entre outros) vêm dizendo há vários anos: que o jargão científico esconde as contradições dos projetos, e que REDD subverte as identidades das comunidades indígenas. A imposta dupla personalidade - os "Acapú" sendo forçados a configurar ambas como “bons índios” e “maus cowboys” – integra a grande violência que vem sendo exercida sobre os povos indígenas da Amazônia. Enquanto por um lado latifundiários e multinacionais buscam derrubar os direitos territoriais dos povos indígenas, REDD mina e ameaça a sua identidade dentro do território.

"Acapú" e Suruí

Alguns dos indícios de que a pesquisa é de fato sobre o Projeto de Carbono Florestal Suruí:

§  A descrição da forte presença online dos "Acapú" corresponde à presença dos Suruí na web. (Por exemplo, o artigo menciona um canal no YouTube chamado "Acapú Tribe". O canal dos Suruí é chamado Suruí Tribe ...)
§  O artigo afirma que o chefe "Cairú" foi colocado em uma lista dos 100 empresários mais bem sucedidos por uma revista internacional influente. Chefe Almir Surui foi posicionado como número 53 entre as 100 empresários mais criativas em 2011 pela revista Fast Company.
§  O artigo afirma que os primeiros 125.000 toneladas de carbono geradas pelo projeto REDD Acapú foram vendidos para uma grande empresa brasileira de cosméticos. A Natura comprou 120.000 toneladas de carbono em setembro de 2011, como se pode ler no site Associação Metareilá do Povo Suruí.
§  O artigo menciona diferentes cenários de referência com base nos períodos de 2001 a 2004 e 2004 a 2009, elaboradas nas 120 paginas do Documento de Descrição do Projeto (PDD ) do projeto "Acapú". O  Documento de Descrição do Projeto (PDD ) do projeto Suruí compreende (na sua versão em inglês) 123 páginas e refere-se a cenários muito semelhantes nos mesmos períodos de tempo.

Um dilema ético

Lendo o artigo, não se pode evitar a impressão de uma certa indecisão ou até de um dilema ético que os autores aparentemente enfrentaram no decorrer da sua pesquisa. Por um lado, sentiram a necessidade de revelar as incoerências e irregularidades que descobriram no projeto. Contato direto com a comunidade "Acapú" aparentemente foi proibido aos pesquisadores pelo chefe "Cairú". Um dos desenvolvedores do projeto ainda se aproximou dos pesquisadores, preocupado com "conseqüências negativas para a reputação do projeto" em decorrência da pesquisa, e parecia "muito defensivo" durante a conversa. Tais tentativas de coibir a investigação pode até ter aumentado o anseio dos pesquisadores de, como eles escrevem "abrir a caixa preta" do projeto e expor seus contradições.

Por outro lado, eles optaram por não revelar a verdadeira identidade do projeto. Por quê? Claro que teria sido incorreto expor as pessoas que os confiaram com entrevistas, mas não teria sido suficiente resguardar os nomes destas pessoas? Por que a anonimização dos dados do projeto foi considerada necessária? Por que defender a reputação de um projeto altamente problemático que é enganosamente apresentado como um exemplo a ser seguido?

Necessidade de transparência e rigorosas análises científicas de projetos REDD

Projetos de REDD estão sendo impostas em comunidades amazônicas em ritmo acelerado e geralmente com justificativas frágeis e pseudo-científicas. Transparência e análise científica rigorosa e independente de existentes experiências REDD, como o projeto Carbono Suruí são urgentemente necessárias, a fim de apoiar o processo de tomada de decisão destas comunidades. O estudo descrito neste artigo não deve ficar escondido na caixa preta academica. Ele deve ser disponibilizado para um público mais amplo, também em Português.

O paradigma da financeirização da natureza através de REDD ou pagamentos por "serviços ambientais" permanece em grande parte inquestionado no mundo acadêmico. Em uma publicação anterior, um dos autores do artigo ainda endossa REDD como essencial "incentivo econômico para conservar as florestas".

Em seu atual artigo sobre o projeto dos "Acapú" os autores já assumem um ponto de vista mais crítico e chegam à conclusão de que "essas tecnologias [TIC] estão sendo mobilizadas para esconder alguns dos paradoxos de práticas de gestão ambiental neoliberais". Mas logo em seguida, eles ainda argumentam que "a credibilidade de outras iniciativas importantes que visam a redução de emissões de desmatamento" pode ser prejudicada pelo uso questionável desta tecnologia.

Os autores parecem ainda acreditar que o uso indevido de tecnologias de informação e comunicação é um problema isolado que poderia ser possivelmente resolvido através de salvaguardas adicionais. No entanto, há muito a sugerir que os inúmeros problemas recorrentes de projetos de REDD, como o uso enganoso das TIC, linhas de base desvirtuadas, dupla contabilidade de créditos de carbono, divisão e criminalização de comunidades etc. estão enraizados na natureza inerentemente paradoxal deste tipo projeto ambiental com fins lucrativos.

É de se esperar que mais pesquisadores independentes de diversas áreas acadêmicas vão investigar projetos REDD, mantendo valores de liberdade científica e responsabilidade social, para que a sociedade possa avançar nesta discussão urgente. 

Referencias:

·         CCBA,  Documento de Descrição do Projeto (PDD ) do projeto Suruí
https://s3.amazonaws.com/CCBA/Projects/Surui_Forest_Carbon_project/PCFS_PDD_portugues_V1.pdf

·         El Khalili, A., O que se entende por "financeirização da natureza" ?
http://port.pravda.ru/cplp/brasil/29-04-2016/40873-financeiracao_natureza-0/#sthash.JTP14ayK.dpuf

·         Rajão, R., Marcolina, C., Between Indians and “cowboys”: the role of ICT in the management of contradictory self-images and the production of carbon credits in the Brazilian Amazon (Accepted in the Journal of Information Technology)https://www.academia.edu/15167571/Between_Indians_and_cowboys_the_role_of_ICT_in_the_management_of_contradictory_self-images_and_the_production_of_carbon_credits_in_the_Brazilian_Amazon_Accepted_in_the_Journal_of_Information_Technology_

·         Soares-Filho, B., Rajão, R., Macedo, M., Carneiro, A., Costa, W., Coe, M., ... & Alencar, A. (2014). Cracking Brazil's forest code. Science, 344(6182), 363-364. https://www.researchgate.net/publication/261882221_Cracking_Brazil's_Forest_Code

·         Website da Associação Metareilá do Povo Suruí
http://www.paiter.org/

Michael F. Schmidlehner* é Filósofo pela Universidade de Viena, austríaco nato e brasileiro naturalizado, Michael vive no Acre desde 1995, onde vem trabalhando como professor de filosofia e atuando como pesquisador e ativista nos contextos de justiça climática e ambiental.

Publicado em inglês em REDD Monitor

domingo, 24 de julho de 2016

Aliança RECOs - 20 anos construindo um novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe

“...Vários casos poderiam ser citados. Por exemplo: com a divulgação do “Dossiê Acre”,  demos visibilidade às denúncias feitas com projetos do mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais no Acre. Elaborado em 2012, o estudo não tinha ainda conseguido o merecido espaço na mídia e nos mais diversos fóruns de debate, como também se ignorava seu ponto de vista técnico, operacional, jurídico, socioeconômico, além de essas políticas de cima para baixo interferirem no modo de vida das comunidades indígenas, tradicionais e campesinas da região amazônica.
Agimos em duas frentes: primeiro, ao orientar a respeito da produção de um projeto econômico, financeiro e jurídico com a mudança de paradigma; segundo, ao  divulgar e publicar relatórios produzidos por formadores de opinião e lideranças que participaram de cursos e oficinas que aplicamos em parceria com universidades, centros de pesquisas e grupos locais, afora os de outras frentes das quais eu pessoalmente tenha participado como palestrante convidada...”

Por Amyra El Khalili*


A Rede de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras (Aliança RECOs)  é uma rede de estudos e pesquisas ancorada no tripé informação, educação e comunicação, que reúne interessados em compartilhar conteúdos, indicar e pautar fontes e temas de diversas organizações e movimentos para a mídia nacional e internacional.
Nasceu em 1996, com a motivação de alinhar diretrizes de projetos econômico-financeiros e jurídicos com a cultura de resistência para a paz, combatendo a corrupção no mercado financeiro, denunciando seus impactos nas questões sociais e ambientais e cobrando a sua responsabilidade socioambiental.

Há três principais mercados mundiais ilícitos: o de armas, o do narcotráfico e o da biopirataria. Esse dinheiro passa pelo sistema financeiro - o verdadeiro responsável pelo financiamento do mercado de armas e de todo o aparato gerador de guerras e misérias. Se os bancos e as corretoras  estivessem dispostos a combater crimes e corrupção, o primeiro aliado para alcançar a paz seria o próprio sistema financeiro, que deveria financiar projetos alternativos, que, na verdade, exigem muito menos recursos e não alimentam a especulação.

Atuamos na construção de um novo modelo econômico e de empoderamento dos movimentos sociais e ambientais, com a experiência profissional adquirida por anos no mercado de capitais, já que conhecemos a engrenagem deste sistema  “por dentro”.

Defendemos projetos socioambientais que, focados na preservação e conservação ambiental, contribuem para a segurança pública, combatem  as drogas, a violência contra a mulher, a criminalidade, a discriminação étnica, racial e religiosa, promovem a igualdade de gênero,  concorrem para a  geração de emprego, ocupação e renda.

No entanto, antes de idealizar um projeto socioambiental, é necessário que a sociedade seja devidamente informada, em linguagem de fácil compreensão, sobre questões técnico-científicas. As comunidades, em geral, não sabem lidar com recursos ou sua captação. Há ONGs e instituições que conseguem fazer bons trabalhos justamente por não terem dinheiro. O que move seus associados e membros é a causa. Em muitos casos, o recurso, quando entra, mais atrapalha do que ajuda.

Nossa proposta é questionar esse modelo econômico para que os atores sociais se informem melhor sobre as alternativas e riscos ao tomar suas decisões. Afinal, em casos como os dos projetos oriundos do mercado de carbono, recusar dinheiro é um direito, quando não um dever.

A razão consiste na informação de que falamos acima. Aceitar simplesmente os recursos de um projeto, ignorando que compromete o uso da terra, é conivência; além disso, é prejudicial a ajuda que pode por em risco uma comunidade com possível endividamento. A questão é bem maior do que simplesmente conseguir recursos para  melhorar a qualidade de vida das comunidades.  Há que se ter em vista cuidados como os de  evitar conflitos, confrontos e violências, assim como abusos contra os direitos humanos e agressões ambientais, além da necessidade de também se fiscalizar e monitorar a origem e a aplicação dessas verbas, sejam elas públicas ou privadas.

Vários casos poderiam ser citados. Por exemplo: com a divulgação do “Dossiê Acre”,  demos visibilidade às denúncias feitas com projetos do mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais no Acre. Elaborado em 2012, o estudo não tinha ainda conseguido o merecido espaço na mídia e nos mais diversos fóruns de debate, como também se ignorava seu ponto de vista técnico, operacional, jurídico, socioeconômico, além de essas políticas de cima para baixo interferirem no modo de vida das comunidades indígenas, tradicionais e campesinas da região amazônica.

Agimos em duas frentes: primeiro, ao orientar a respeito da produção de um projeto econômico, financeiro e jurídico com a mudança de paradigma; segundo, ao  divulgar e publicar relatórios produzidos por formadores de opinião e lideranças que participaram de cursos e oficinas que aplicamos em parceria com universidades, centros de pesquisas e grupos locais, afora os de outras frentes das quais eu pessoalmente tenha participado como palestrante convidada.

Estes relatórios indicam o mapa da região, o perfil da população, as características do bioma, identificam as potencialidades alternativas da biodiversidade, entre outras informações relevantes. Dessa forma, podem apresentar os tipos de problemas a eles conectados, como o de água contaminada e o do enfrentamento de violência, de drogas, de degradação ambiental e exclusão social, e propor soluções. É dessa forma que se idealizam projetos socioambientais e se buscam  maneiras de os viabilizar.

Temos, atualmente, mais de cinco mil distribuidores, multiplicadores e parceiros na produção e disseminação de informação. São essas parcerias e “nós de comunicação” que formam a “aliança” que ora completa 20 anos de trabalho voluntário, sem recursos de empresas e de governos. Não somos a mídia. Representamos para a imprensa um contraponto. Apoiamos a mídia alternativa para que também consiga seus financiamentos, posto que nos presta um serviço de utilidade pública da maior relevância.

Economia Verde versus Economia Socioambiental

Participamos de várias frentes que se opõem ao modelo econômico-financeiro chamado “economia verde”. Somos contrários aos projetos de  “economia verde” que vêm de cima para baixo e de fora para dentro, como a implementação de uma agenda de venda rápida, com objetivos como legislar, dar números e estatísticas.

Apesar de muitas organizações e comunidades serem contra todos os mecanismos e instrumentos jurídicos e financeiros da “economia verde”, ainda há um longo caminho para que suas vozes sejam ouvidas. A transversalidade da questão ambiental ainda é muito recente para ser assimilada pelo interesse público e, sobretudo, para contar com  a consciência da sociedade como um todo. Como legislar sobre tema tão complexo e recente como finanças ambientais? Como falar de suas interfaces, multidisciplinares, e traduzir didaticamente essa linguagem para a população?

Ainda há muita confusão conceitual, o que representa um perigo para os desenhos dos contratos financeiros e mercantis. A linguagem de finanças ainda é restrita aos que a entendem e atuam no ramo. É árida e complexa, cheia de meandros e armadilhas. Estamos vivenciando um retrocesso nos instrumentos de financiamento (que fomentam) e um avanço nos instrumentos que financeirizam (que endividam). Antes de se estabelecerem leis para efeito de financiamento ambiental, a população precisa, primeiramente, compreender o que significa “educação financeira”.

Entendemos que a nova economia é viável por meio de projetos pequenos e pontuais. Porém, o interesse de um restrito grupo de consultores,  corporações e governantes é por projetos grandes, que envolvem elevados recursos. Portanto, é necessário quebrar a acumulação e distribuir melhor a renda, evitando projetos com infraestruturas inalcançáveis e espaços duvidosos que deem espaço à corrupção e ao desvio de dinheiro de suas finalidades reais.

Como alternativa, construímos coletivamente a economia socioambiental. Diferentemente da economia verde, a socioambiental passa por um processo de consulta à base popular, de ampla consulta pública e suficientemente lenta para ser entendida. O processo que sugerimos é de baixo para cima e de dentro para fora. É, sobretudo, desvinculado da agenda de eleições. Todo trabalho de consulta e construção coletiva demora anos, dadas as dificuldades de chegar onde poucos conseguem, em regiões afastadas e sem acesso à comunicação, locais caracterizados por uma população que necessita de assistência e orientação sobre impactos socioambientais

Este tipo de economia não pode depender de agenda governamental. Por sua natureza, muitas vezes contraria fortes interesses políticos e econômico-finaceiros. Ela deve seguir seu caminho natural com a adesão dos atores sociais, sem ser forçada goela abaixo por normas e regras instituídas sem a participação e anuência da sociedade, mas com respeito dos direitos constitucionais duramente conquistados.

Há 20 anos trabalhamos nesse projeto, de envergadura geopolítica, pela cultura de paz, pela autodeterminação e emancipação dos povos com a cultura de resistência, cujo resultado se dará a longo prazo. Não buscamos resultados imediatos, mas duradouros e verdadeiramente sustentáveis, formando “alianças” inquebrantáveis.

Referências:

Sarmiento, Susana. Para a economista, primeiro a população brasileira precisa entender de  educação financeira para depois discutir finanças ambientais. Entrevista Amyra El Khalili. Portal Setor 3/ Senac São Paulo. http://www.setor3.com.br/jsp/default.jsp?tab=00002&newsID=a7051.htm&subTab=00000&uf=&local=&testeira=99&l=&template=58.dwt&unit=&sectid=185. Publicado em: 27 fev. 2015. Acessado em: 24 jul. 2016.


El Khalili, Amyra. O que se entende por “financeirização da natureza”?http://port.pravda.ru/cplp/brasil/29-04-2016/40873-financeiracao_natureza-0/. Publicado em 29 abr. 2016. Acessado em: 29 abr. 2016. http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11692:2016-05-25-01-03-04&catid=72:imagens-rolantes. Publicado em: 24 mai. 2016. Acessado em: 25 mai. 2016.

Nota:
Os relatórios produzidos pela Aliança RECOs resultantes dos cursos de economia socioambiental são publicados pela Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA). A FDUA é o primeiro periódico brasileiro especializado em Direito Urbano e Ambiental. Os assinantes do FDUA são tribunais de justiça, ministérios públicos, AGU, STF, câmaras de deputados, operadores do direito, entre outros.

*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental. Foi economista com mais de duas décadas de experiência nos mercados futuros e de capitais, tendo ocupado cargos relevantes em corretoras e bancos de investimentos. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”. Acesse gratuitamente: www.amyra.lachatre.org.br

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Em Rio Branco, AC, indígenas realizam ato e ocupam simbolicamente a Funai, Palácio do Governo e Assembléia Legislativa contra a violação de seus direitos

Foto: Rosenilda Padilha
Cerca de cento e vinte indígenas de diversos povos do Acre e organizações de apoio, ocuparam simbolicamente a sede Regional da FUNAI, o Palácio do governador e a Assembléia Legislativa do Estado, além de fecharem temporariamente a avenida Getúlio Vargas, em sinal de protesto contra as violações de seus direitos e contra as alterações promovidas na politica indigenista. 

A lista de reivindicações era grande mas se concentrou no repúdio a entrega do órgão indigenista a militares, evangélicos e políticos, ao que chamaram de "ocupa Funai para o fortalecimento institucional", contra a PEC 215, terceirização e municipalização da saúde indígena e pela demarcação de todas as terras indígenas.
Foto: CIMI AO

O movimento no Acre faz parte de uma série de iniciativas e protestos ocorridos por todo o país neste momento em que os direitos indígenas e conquistas sociais são severamente atacados e negados. A onda de protestos deve se intensificar nos próximos dias e o movimento, cada vez mais, ganha contornos de "levante indígena" contra os constantes e violentos ataques que vem sofrendo.

Foto: CIMI AO
No Acre o falso discurso de que a questão indígena está superada e que os povos indígenas vivem hoje no "tempo dos direitos", cada dia mais se revela realmente falso. A ele se soma o discurso da economia verde que financeiriza a natureza e os territórios por meio de projetos tipo REDD (Redução de emissões decorrentes do desmatamento e da degradação de florestas) e PSA (Pagamentos por Serviços Ambientais) e compromete todo o futuro desses povos  segue avançando sem que os povos e comunidades  saibam e nem mesmo sejam consultados em total desconformidade com o que preconiza a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário e, segundo o ordenamento nacional, é autoaplicável.

Foto Rosenilda Padilha