segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Que “direitos” são defendidos pelo Acordo de Paris e por planos com falsas soluções para a crise climática?

Transcrito do Boletim do WRM (Leia aqui)
Muitas análises já foram feitas sobre o Acordo de Paris e sobre as razões pelas quais ele é um desastre para o clima. Uma das críticas tem sido de que o Acordo não faz referência ao tema fundamental dos direitos humanos. No entanto, é bom ressaltar que, para além do texto em si, o Acordo garante e fortalece direitos, sim, a saber, os das corporações transnacionais e instituições financeiras, que conseguiram garantir seus direitos no Acordo e também através de eventos paralelos. Durante esses eventos, anunciaram planos e financiamentos de falsas soluções para a crise do clima. Objetivo: transformar problemas em oportunidades para o setor privado, como é o caso do mecanismo de REDD+ e novos “ambiciosos” planos de “reflorestamento”, anunciados antes e durante a Conferência em Paris.

Para garantir seus interesses, as grandes corporações e instituições financeiras costumam contar com os governos como verdadeiros defensores de seus direitos. Nada diferente do que ocorre, e de forma bem explícita, nas negociações internacionais de acordos de livre comércio. As grandes empresas de petróleo, por exemplo, devem ter saído contentes de Paris, porque conseguiram, com o Acordo, afirmar seu direito de continuar contribuindo para a crise climática por mais tempo e de forma impune. Ao não citar sequer uma vez as palavras “combustíveis fósseis”, os governos garantiram a essas empresas e seus acionistas o direito de extrair e lucrar com petróleo, gás e carvão mineral por mais tempo.

Não incorporar de forma vinculante no Acordo de Paris a contribuição e a responsabilidade históricas diferenciadas dos países industrializados que mais têm emitido dióxido de carbono (CO2) é outro elemento que, de forma implícita, reconhece os direitos desses países (de contaminação e exploração de combustíveis fósseis). Mas, sobretudo, reconhece os direitos das grandes empresas de continuar promovendo um modelo de produção e consumo destrutivo com o qual lucram, enquanto os impactos negativos recaem sobre milhões de pessoas, sobretudo nos países do Sul global.

Mas a atuação das grandes corporações e também das instituições financeiras não se resume a exercer influência sobre a conferência oficial e o Acordo. O mecanismo de REDD+, por exemplo, apesar de ser mencionado algumas vezes no texto do Acordo oficial, ganhou mais destaque em eventos e anúncios paralelos patrocinados por governos do Norte. O interesse desses governos é “compensar” suas emissões, enquanto aos governos do Sul interessa o financiamento oferecido. Durante os primeiros dias da Conferência, os governos de Alemanha, Noruega e Reino Unido, e também o Banco Mundial, anunciaram financiamentos que, juntos, somam vários bilhões de dólares para investir ainda mais dinheiro nessa falsa solução para a crise do clima. Além disso, o Brasil e a União Europeia, em conjunto, introduziram no atual Acordo de Paris as linhas gerais de como poderia funcionar um futuro mercado de créditos de carbono de projetos de REDD+. (1)

Em um evento paralelo chamado de “Fórum Global de Paisagem” [“Global Landscape Forum”], organizado pelo instituto internacional de pesquisa florestal CIFOR, foi lançado o chamado “AFR100”, um plano para “recuperar” 100 milhões de hectares de florestas chamadas de “degradadas” ou áreas totalmente desmatadas na África, prometendo gerar emprego e melhorar o bem-estar da população (2). Dez países do continente já se comprometeram a “recuperar” mais de 30 milhões de hectares de terras, sendo que o Banco Mundial financiaria US$ 1 bilhão e outros US$ 540 milhões viriam de investidores especializados em negócios “verdes” de países da América do Norte e da Europa.

Sem dúvida, é importante reflorestar áreas atingidas por atividades destrutivas, mas é fundamental discutir como e em benefício de quem isso será feito. Há sérias dúvidas sobre a sinceridade de instituições financeiras como o Banco Mundial e também de fundos de investimentos “verdes”, de olho nas oportunidades do “capitalismo verde” cuja lógica é pôr o lucro acima do bem-estar de comunidades locais.

O Banco Mundial tem no seu currículo a corresponsabilidade pelo fracassado Plano de Ação para as Florestas Tropicais [Tropical Forestry Action Plan] (TFAP), lançado nos anos 1980, e que também era voltado ao “reflorestamento”. O TFAP gerou revolta em comunidades de países como a Índia, onde promoveu, sob o lema de “reflorestamento”, plantações de monoculturas de árvores em beneficio do setor privado, destruindo ainda mais as florestas. Na atualidade, o Banco Mundial continua sendo um dos principais promotores da expansão das monoculturas de árvores para produção de celulose e outros fins, através do seu braço privado, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), ao mesmo tempo em que é um dos principais promotores do REDD+. Por exemplo, em Moçambique, a IFC financia a empresa portuguesa Portucel, que está tomando terras agricultáveis de comunidades camponesas para plantar árvores de eucalipto, atentando contra a soberania alimentar das populações.

O envolvimento de investidores “verdes” no Plano “AFR100” também gera sérias dúvidas, pois esses investidores já são bem ativos na África, em atividades chamadas de “reflorestamento”, mas que também promovem plantações de monocultivos de árvores, apenas de olho em negócios como comércio de créditos de carbono e madeira. Uma das principais empresas que investe em plantações para créditos de carbono é a Norueguesa Green Resources, que já foi denunciada em Uganda por ter destruído os meios de sobrevivência das comunidades locais com seus “reflorestamentos” para carbono. (3)

O Plano AFR100 na África se assemelha a outro, lançado em julho de 2015 pela Presidenta Dilma Rousseff, do Brasil, um dos principais países do mundo em termos de florestas tropicais. Em visita oficial aos EUA, ela anunciou a “recuperação” de nada menos do que 12 milhões de hectares de florestas. Aqui também cabe desconfiança, uma vez que se trata de um país com a maior superfície de plantações de monocultura de eucalipto nos países do Sul global para produção de celulose de exportação, com participação de corporações transnacionais, como a sueco-finlandesa Stora Enso, e, cada vez mais, fundos de investimento que se tornam donos das terras. Essas plantações são erroneamente chamadas de “florestas plantadas” pelo governo, sendo, portanto, elegíveis dentro de seu plano de “reflorestamento”. O setor de plantações de monoculturas de árvores é um setor estratégico para o país, e o governo busca de forma incessante promover sua expansão, inclusive com árvores geneticamente manipuladas.

Nos artigos deste boletim, abordamos a forma como as políticas que surgem das negociações sobre o clima implicam, na verdade, violações de direitos. Um dos artigos trata da relação entre REDD+ e direitos, focando na fragilidade da aplicação, na prática, do princípio do Consentimento Prévio, Livre e Informado na República Democrática de Congo. Outro artigo, com um viés de direitos humanos, vem da Tailândia e aborda o tema das lutas populares contra as hidrelétricas e seus graves impactos e lutas, deixando evidente também a falácia da ideia de promovê-las como uma suposta fonte de energia limpa. Por fim, há artigos sobre lutas de dois povos indígenas: do povo Bribri, na Costa Rica, contra um projeto de REDD+ no seu território, e do povo Pataxó, contra as plantações de eucaliptos da Stora Ensa e da Fibria, em seu território. A Rede Ambiental Indígena (IEN) relata os efeitos das atividades extrativas sobre os povos indígenas no Norte, realizadas por empresa que compram créditos de carbono de projetos no Sul.
Boa Leitura!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Saneamento e a escassez qualitativa da água.

Por: Roberto Malvezzi (Gogó)

Quando Pero Vaz de Caminha chegou ao litoral brasileiro, além da admiração pelos índios e índias, pela exuberância da floresta litorânea, ele fica deslumbrado com a quantidade de águas. Vai escrever ao rei:  “águas são muitas; infinitas. Em tal maneira graciosa (a terra) que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das aguas que tem! ”. Frase que depois, falsificada, fica reduzida a “nesse país em se plantando tudo dá”.
Quando o Brasil elaborou seu Primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos, participei com poucas pessoas do Nordeste para inserir no Plano a captação da água de chuva. Juntando várias fontes o Plano concluía que temos aproximadamente 13,8% das águas doces mundiais em território brasileiro.
Temos a maior malha de bacias hidrográficas do planeta, além do que somos o único país do mundo de dimensões continentais que tem chuva em todo território nacional. Outros países como China, Estados Unidos e Austrália tem imensos desertos em seus territórios.
Os dois maiores aquíferos do mundo estão em grande parte em território brasileiro, como o Alter do Chão na Amazônia e Aquífero Guarani que abrange regiões do sul e sudeste, além de outros países do cone sul.
Ainda mais, os rios voadores que saem da Amazônia chegam até Buenos Aires – para outros até à Patagônia – e são os responsáveis pelas chuvas que caem em todo esse vasto território da América Latina.
Nem mesmo a propalada diferença de quantidade de água de região para região pode ser alegada como problema. O Semiárido, com um milhão de quilômetros quadrados, com uma média de 700 mm/ano, tem capacidade instalada para armazenar apenas 36 dos 700 bilhões de m3 que caem sobre esse território todos os anos.
Onde está, então, nosso problema? Exatamente na abundancia, nos ensinava o já falecido Prof. Aldo Rebouças. Ela nos tornou perdulários e, junto com a cultura predadora construída desde a fundação do Brasil, passamos a maltratar as nossas águas.
Aos poucos estamos perdendo não só a abundancia pela destruição do ciclo de nossas águas – desmatamento da Amazônia e do Cerrado -, mas transformando nossos corpos d’água em depósitos de esgotos e de lixo. São as mineradoras – vide Samarco -, dejetos industriais, domésticos, hospitalares, agrícolas e resíduos sólidos como lixo doméstico e restos de construções. Basta olhar para o rio São Francisco.
Dessa forma, além de estarmos provocando a escassez quantitativa, estamos provocando a escassez qualitativa, isto é, os mananciais estão diante dos nossos olhos – Pinheiros e Tietê em São Paulo -, mas suas águas são imprestáveis para qualquer tipo de uso.
Nesse sentido, mais uma vez, a importância da Campanha da Fraternidade sobre o saneamento básico. Ao coletar e tratar os esgotos, manejar adequadamente os resíduos sólidos, estaremos dando a maior contribuição para superar a escassez qualitativa de nossas águas.
Alerta: cientistas e juristas que estiveram na elaboração do conteúdo do Texto Base da CF, nos alertam que o governo está focando a luta contra as doenças em evidência no combate ao mosquito, desviando o foco do fundamento básico do saneamento.

O que está provocando tremores no subsolo do Paraná? Nós temos uma hipótese!

 - Não Fracking Brasil
Os moradores da região de Londrina, no Norte do Paraná, permanecem sem saber o que está provocando diversos tremores registrados nas últimas semanas. Além de assustar a população, os abalos já atingiram 1,9 na Escala Richter, de acordo com os dados registrados pelos sismógrafos instalados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), e provocaram rachaduras em residências de várias cidades.
Em tempos normais, já seria muito preocupante a ocorrência de atividade sísmica em regiões onde não há um histórico de registros. Porém, muito mais preocupante é que isto aconteça justamente no período em que a Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural (ANP) está realizando naquela região uma série de testes para prospectar petróleo e gás natural.  A região está localizada na Bacia Sedimentar do Paraná e contempla uma grande reserva de xisto (folhelho pirobetuminoso), que já teve blocos comercializados pela ANP em dezembro de 2013 com autorização para utilização do fraturamento hidráulico, ou FRACKING, para extração de petróleo e gás do subsolo.
Terra Rica_RPC
                                                  Reprodução do site Paraná RPC.
“Coincidência ou não, é impossível não conjecturar que as atividades sísmicas estão relacionadas com a presença da ANP na região”, afirma o coordenador da COESUS – Campanha Não Fracking Brasil, Eng. Dr. Juliano Bueno de Araujo. Ele conta que recebeu diversos relatos de moradores da região sobre a grande circulação de caminhões e maquinário pesado. “As autoridades locais não estão sendo informadas em detalhes sobre a presença dos técnicos e nem da tecnologia empregada no estudo. Mais uma vez a ANP falta com transparência em seus procedimentos”, lamenta o coordenador da campanha Não Fracking Brasil.
23249551826_1b7e68f975_z
Fracking é uma tecnologia minerária altamente poluente que utiliza milhões de litros de água, areia e um coquetel de 600 produtos químicos, muitos deles cancerígenos e até radioativos, para explodir a rocha de xisto no subsolo e liberar o gás (shale gas). Além de poluir as reservas de água de superfície e aquíferos, contaminar o solo e poluir o ar com o gás metano liberado pelas fissuras, o fracking também está comprovadamente associado à ocorrência de terremotos.


Oklahoma e Peru
Juliano lembra que nos Estados Unidos, o Governo de Oklahoma já admitiu a relação entre fracking e terremotos. No início deste ano, outra rodada de terremotos atingiu a área noroeste de Oklahoma. Dois tremores tiveram magnitudes de 4,7 e 4,8. Pelo menos 22 tremores da terra, registrando a magnitude 2,5 ou mais, foram notificados em todo o estado ao longo de um período de 13 horas.
oklahoma1
Em 2013, Oklahoma experimentou 109 terremotos com magnitude superior a 3. Em 2014, esse número aumentou cinco vezes, chegando a 585, enquanto em 2015 o número de terremotos aumentou ainda mais. Geólogos disseram que antes de 2009, a média histórica do estado era de 1,5 terremotos de magnitude 3 ou maior a cada ano, e agora está experimentando 2,5 terremotos de mesma magnitude a cada dia. Além de fracking, outras atividades humanas podem provocar terremotos como construção de barragens – o peso da água compromete a estabilidade do solo, e retirada de água dos aquíferos.
Em novembro do ano passado, ocorreram dois tremores na região próxima à fronteira entre Peru e Brasil: um de 7.4 e 7.1, por volta de 21h, com intervalo de dez minutos entre eles. Eles ocorreram a 602 km de profundidade e foram sentidos em cidades do Acre, Rondônia e Amazonas. Isto porque a indústria de petróleo e gás convencional e não convencional está intensificando a produção na região da Bacia Amazônica. Para fazer com que poços fechados voltem a produzir, utiliza-se novamente o fracking (re-fracking) para fraturar a rocha de xisto outra vez com injeção, em altíssima pressão, no subsolo de milhões de litro de água, areia e produtos químicos.
Alerta
“Vamos continuar a acompanhar de perto essa movimentação e exigir informações oficias para termos certeza de que a ANP não esteja fazendo fracking no Paraná e alerta a população sobre os perigos e riscos do fracking”, assegura Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org no Brasil e América Latina, organização parceira da COESUS e Fundação Arayara Cooperlivre na campanha Não Fracking Brasil. No Brasil, pelo menos 15 estados podem ser impactados com o fracking.
Segundo a ANP, o estudo irá durar dois anos para estudar a Bacia Sedimentar do Paraná que abrange 177 municípios do Estado e outros 90 de São Paulo. Dentre as Cidades da região de Maringá estão Londrina, Paranavaí e Guarapuava; e em São Paulo atinge os municípios de Assis, Marília e Ourinhos.
“Todas as cidades que integram os blocos podem ser impactadas, caso o governo brasileiro permita a exploração de gás de xisto. Vamos ficar atentos para ver se haverá atividade sísmica nessas e outras regiões e continuar a campanha contra a indústria dos combustíveis fósseis no Brasil e América Latina”, enfatiza Nicole.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Indígenas do povo Jaminawa ocupam sede da Funai em Rio Branco


Cerca de 20 lideranças indígenas do povo Jaminawa, principalmente da aldeia Kaiapucá, ocupam desde ontem à tarde (14/02/2016) a Sede Regional da Fundação Nacional do Índio - FUNAI, em Rio Branco, Acre.

A principal pauta é a imediata demarcação da terra indígena e medidas contra a violência que tem aumentado gravemente contra o povo Jaminawa. Somente entre 2015 e 2016 registrou-se três tentativas de homicídio e inúmeras invasões do território, principalmente para o roubo de madeira. 

Para piorar ainda mais a situação, o INCRA, por meio do programa Terra Legal, loteou parte da terra indígena e anunciou que os lotes seriam entregues a posseiros da região. Após este anúncio, inúmeras famílias se mudaram para dentro da Terra Indígena e já há casos de "vendas" de lotes entre os não índios.

Ainda em 2015, após peregrinações nos diversos órgãos, os indígenas conseguiram que o trabalho de "distribuição" de lotes fosse suspenso, mas, recentemente uma reunião entre o Sindicato dos produtores Rurais de Sena Madureira, CUT, Terra Legal e Funai, ressuscitou o fantasma e, mais uma vez a terra voltou a ser duramente invadida e os conflitos se intensificaram, incluindo o retorno das ameaças aos indígenas.

Os indígenas prometem não desocupar a Sede do Órgão até que sejam apresentadas medidas efetivas. Para tanto, aguardam a presença de autoridades e representante do Ministério Público Federal. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Campanha da Fraternidade 2016: terminou o carnaval, ficou o Zika vírus.

Por Roberto Malvezzi (Gogó)

Imagem capturada da internete
Quarta de cinzas começa a Quaresma. Vem de quarenta, isto é, o povo de Deus 40 anos no deserto, Jesus 40 dias no deserto antes de começar sua pregação.

O deserto é o lugar do nada, onde você está só com você e você só. Então, pode ser que aí, absolutamente desamparado, você se lembre de Deus. Portanto, biblicamente, deserto não é só um lugar geográfico, mas um lugar teológico. Você pode estar no meio de uma multidão e se sentir no deserto.

As Campanhas da Fraternidade sempre nos trazem temáticas de interesse maior do que a Igreja Católica ou outras Igrejas. Essa campanha é ecumênica (várias Igrejas), macro ecumênica (outras religiões) e para todas as pessoas de boa vontade (toda sociedade, mesmo os ateus com fome e sede de justiça). Para as Igrejas está no contexto maior do cuidado com a criação.

A proposta fundamental está no saneamento básico, que segundo a legislação brasileira compreende: abastecimento de água; coleta e tratamento de esgotos; manejo dos resíduos sólidos e drenagem das águas de chuva.

Só a Bahia tem um item a mais, que agora se revela fundamental, isto é, o controle de vetores, esses bichinhos que espalham doenças como mosquitos, baratas, ratos, helmintos, etc.

O Brasil já teve a SUCAM. Brincávamos que nos lugares mais remotos só íamos nós – pastorais sociais – e a SUCAM. Com esse organismo de saúde pública, tínhamos posto sob controle grande parte das doenças transmitidas por vetores como chagas, dengue, malária, etc. Foi só abandonar o campo de luta que elas voltaram com toda intensidade.

O Prof. Moraes, da UFBA, que esteve conosco na elaboração dos fundamentos do texto base da Campanha, escreveu em outro livro que há um século 45% de nossas mortes eram por doenças infectocontagiosas como varíola, malária, etc. Hoje correspondem a apenas 5%. Mas, se o descuido e descaso continuarem, sabemos que voltarão a ser de grande porte. Afinal, àquela época éramos 40 milhões de brasileiros, 80% vivendo no meio rural e nossa média de vida era de 35 anos de idade. Hoje somos 200 milhões, 80% nas cidades e nossa média de vida está em torno de 75 anos da idade.

O bom é que hoje temos um Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), uma legislação e uma política de saneamento, além do que cada município deve elaborar seu Plano Municipal de Saneamento (PMSB) se quiser receber dinheiro público para aplicar em seu território. A proposta federal é investir aproximadamente 500 bilhões de reais em 20 anos e, nesse prazo, sanearmos o Brasil. Será que dessa vez sairemos da insalubridade?

O plano deve ser integral (todas as dimensões) e universal (meio urbano e rural).

Pergunta chave: seu município elaborou esse plano municipal? O prazo de entrega era o final de 2015. Portanto, chamem os vereadores, os prefeitos, o Ministério Público, mobilizem as comunidades, a mídia, façam o plano municipal acontecer.

Essa é a tarefa básica das pessoas, comunidades e do país inteiro. Não adianta ficarmos nos problemas, temos que avançar nas soluções.

Um país sem saneamento não é civilizado, multiplica as doenças e passa vergonha internacional. Os Estados Unidos liberaram os atletas olímpicos que não quiserem vir ao Brasil por medo do Zika vírus.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Justiça Federal suspende CPI contra o CIMI no Mato Grosso do Sul

"Diante do exposto e por reconhecer a legitimidade da Defensoria Publica da União para propor ação civil pública em favor das populações indígenas, sabidamente hipossuficientes, defiro o pedido de liminar para suspender a CPI desencadeada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, através do Ato nº 06/15 do Gabinete da Presidência"

Principal articuladora do movimento anti indígena no MS
Foto capturada da internet
Instalada no dia 29 de setembro de 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que se dizia investigar as ações do Cimi - Conselho Indigenista Missionário em Mato Grosso do Sul e ficou conhecida como CPI do Cimi, não fez outra coisa a não ser dar palanque para os invasores de terras indígenas e, claro, aos políticos ligados aos fazendeiros e grileiros, como é o caso da propositora da CPI a Deputada Mara Caseiro do PMB daquele estado.

Desde o primeiro momento sabia se tratar de uma tentativa de encobrir os reais crimes, estes praticados pelos fazendeiros com apoio explícito de políticos e outros setores do poder público daquele Estado. De outro lado, a CPI deve ser entendida também no contexto do avanço de proposições anti indígenas tanto nas casas legislativas federais, Senado e Câmara dos Deputados, como em proposições e portarias do próprio poder executivo bem como em decisões oriundas do judiciário flagrantemente em ataque aos direitos dos povos indígenas.

A verdadeira CPI que deveria se instalar no Brasil, não só do MS, é a CPI do genocídio indígena. Afinal, quantos fazendeiros invasores foram mortos até hoje? porque será que somente os indígenas são barbaramente assassinados? Quem financia a matança, o genocídio? Essas questões é que deveria ser respondidas. De sorte que a CPI contra o Cimi é na verdade mais um instrumento contra os povos indígenas e seus apoiadores.

Veja em seguida a decisão da Justiça Federal, um bom começo para desmascarar de vez a farsa montada por esses criminosos  genocidas.

DECIDO.Preliminarmente, rechaço a alegação de existência de conflito federativo alinhada pelo Estado de Mato Grosso do Sul, porquanto a União e a FUNAI não pugnaram pela intervenção no feito, enquanto que a DPU não atua na defesa de interesses da União, mas da comunidade indígena.Ainda que diferente fosse, tal conflito, em ordem a ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal, só se configura quando presente relevância suficiente para fragilizar os laços de harmonia da Federação (STF - ACO 1606 AGR/MS), o que não é o caso. Sem desmerecer a gravidade da denúncia, pretende-se com a CPI apurar simplesmente se um órgão de caráter privado tem contribuído de forma ilícita em invasões de terras pelos indígenas. 

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal tem afastado a existência de conflito federativo nas questões agrárias envolvendo interesse indígena até mesmo quando o Estado, a União e a FUNAI figuram no processo.Cito um precedente:AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ETNIA GUARANI-KAIOWÁ. FAZENDA BRASÍLIA DO SUL. ÁREA ALIENADA PELO ESTADO DE MATO GROSSO. QUESTÃO SOBRE OCUPAÇÃO DAS TERRAS POR INDÍGENAS NA DATA DA ALIENAÇÃO. PEDIDO DE INGRESSO NO FEITO PELO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ALEGADO RISCO RESPONSABILIZAÇÃO COMO SUCESSOR DO ALIENANTE ORIGINÁRIO. INTERESSE MERAMENTE PATRIMONIAL. CONFLITO FEDERATIVO NÃO CONFIGURADO. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL (ART. 102, INC. I, AL. F, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(ACO 1606 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 27-11-2014 PUBLIC 28-11-2014)Ademais, reconheço a competência da Justiça Federal para apreciar e julgar a presente ação, na forma do art. 109, XI, da CF: compete aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas.

Note-se, conforme tem decidido o Supremo Tribunal Federal (RHC 117097, RICARDO LEWANDOWSKI), que a competência da Justiça Federal em relação aos direitos indígenas não se restringe às hipóteses de disputa de terras, eis que os direitos contemplados no art. 231 da Constituição da República são muito mais extensos.No caso, a Assembleia Legislativa decidiu pelo desencadeamento de CPI tendo como objeto apurar, em síntese, se o CIMI incita e financia invasões de propriedades particulares por indígenas.Ora, a peça inaugural da CPI já admite que os beneficiários dos possíveis financiamentos são indígenas. Estes também estariam sendo alvo dos incitamentos.De forma que não é possível apurar os fatos atribuídos ao CIMI de forma isolada, desconsiderando as pessoas dos respectivos beneficiários.

É óbvio, destarte, que a comunidade indígena radicada neste Estado tem o lídimo direito de contestar as propaladas práticas ou, se admitidas, defender a sua lisura. Acrescente-se que as ações consideradas ilícitas no ato de proposição da CPI estão ligadas a disputa de terras.

Nessas circunstâncias considero que a Justiça Federal é competente para processar e julgar a presente ação, independentemente da manifestação da FUNAI negando-se a participar do feito e da omissão da UNIÃO quando lhe foi dada oportunidade de intervir ou não no processo. É que a competência não está sendo reconhecida com fundamento no art. 109, I, da CF, mas no art. 109, XI.

Por outro lado, não restou caracterizada a litispendência que aventei quando tomei conhecimento de outra ação versando sobre o mesmo tema.

Como mencionei acima, a presente ação foi proposta e distribuída para esta Vara no dia 23 de novembro de 2015. Na mesma data determinei a citação do réu, o que se concretizou no dia 25 daquele mês e ano (f. 25).Por força do art. 219 do CPC, é a data da citação o marco para fins de aferição da prevenção ou litispendência.Por conseguinte, se porventura há litispendência entre esta ação e aquela distribuída para a 2ª Vara Federal - autos nº 00244887220154030000 (fls. 106-23) é aquele processo que deve ser extinto, porquanto, apesar de distribuído em data anterior, 21 de outubro de 2015 (f. 106), nele ainda não ocorreu a citação.

Pois bem.Segundo Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco as Comissões Parlamentares de Inquérito destinam-se a "reunir dados e informações para o exercício das funções constitucionais conferidas ao Parlamento" ... não se controverte que tudo quanto se inclua no domínio da competência legislativa do Parlamento pode ser objeto de investigação. Numa federação, isso permite enxergar uma limitação de competência específica: uma CPI legislativa federal não pode invadir área da competência constitucional dos Estados ou Municípios (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 816-7).

Prosseguindo os doutrinadores transcrevem o art. 146 do Regimento Interno do Senado, que dispõe "não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes: a) à Câmara dos Deputados; b)às atribuições do Poder Judiciário; c) aos Estados".

Acerca dessas limitações ensinou o Ministro Paulo Brossard no voto proferido no HC 71.039:"... de longa data se entende que o poder de investigar é inerente ao poder de legislar e dele ancilar ......a possibilidade de criação de CPI se não duvida, nem se discute; é tranquila, sobre toda e qualquer assunto? Evidentemente, não; mas sobre todos os assuntos de competência da Assembleia; assim, Câmara e Senado podem investigar questões relacionadas com a esfera federal de governo; tudo quanto o Congresso pode regular, cabe-lhe investigar; segundo Bernard Schwartz, o poder investigatório do Congresso se estende a toda a gama dos interesses nacionais a respeito dos quais ele pode legislar.(...)O mesmo vale dizer em relação às CPI estaduais; seu raio de ação é circunscrito aos interesses do Estado; da mesma forma quanto às comissões municipais, que hão de limitar-se às questões de competência do Município. ...Enfim, o poder de investigar é ancilar ao poder de legislar e, por conseguinte, dele coextencivo. 

Esta a regra fundamental.... Se a Comissão Parlamentar de Inquérito é uma projeção da Câmara da qual emerge, seus poderes tem nos da Câmara a sua medida; nem mais, nem menos. ... A criatura não é, nem haveria de ser maior que o criador. Desse modo a competência do Congresso, da Assembleia estadual, da Câmara Municipal, é o limite do poder investigatório da comissão federal, estadual ou municipal.... "A competência das comissões de inquérito deve comportar-se no quadro da competência do Poder Legislativo, escreve Raul Machado Horta". " ... a competência do órgão delimita o campo operacional das comissões de inquérito, de modo geral, ... o seu âmbito de investigação está sempre predeterminado pela área de competência atribuída ao órgão legislativo. A natureza instrumental da comissão de inquérito torna de óbvio entendimento a submissão do elemento acessório à competência do órgão que lhe dá vida" (Rev. De Direito Público, V. 5, p. 36.... 

Assim, se é verdade que a amplitude do poder de investigar acompanha o de legislar, do qual é coextensivo, forçoso será concluir que ele não pode estender-se ao que a lei não pode dispor ... por mais amplo que seja o poder não pode ele transcender a fonte donde promana.

Logo, diante da competência privativa da União para legislar sobre populações indígenas (art. 22, XIV da CF), considero que a augusta Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul não detém competência para desencadear a CPI aludida nestes autos.

Convém lembrar que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são de propriedade da União e destinadas à posse permanente dos ocupantes, na forma do art. 20, XI, da CF e art. 231, 2º, da CF.É importante ressaltar que as invasões de propriedades particulares por indígenas em Mato Grosso do Sul são, com raríssimas exceções, relacionadas a imóveis reconhecidos pela FUNAI como terras tradicionais indígenas, pelo que, se é certo que a FUNAI, União e MPF não avalizam atos de força praticados pelos silvícolas, invariavelmente defendem a permanência deles na área litigiosa.

Como se vê, os financiamentos e incitamentos que animaram os ilustres deputados a instalar a CPI não fazem parte de um contexto do qual só o CIMI participa. Nele devem ser inseridos os beneficiários dessas ações, ou seja, os indígenas, os quais, depois da obtenção da posse dos imóveis têm recebido o apoio de órgãos federais para que ali permaneçam, sempre com fundamento nos referidos arts. 20, XI, e 231, 2º, da CF, o que também reforça o interesse federal.

Segundo o Estado de Mato Groso do Sul seu interesse na CPI estaria ligado à segurança pública.No entanto, por força do art. 144, IV, da Constituição cabe à Polícia Federal exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União, pelo que, aliás, como ressaltou o representante do MPF foi este o órgão encarregado do IPL desencadeado justamente para apurar a atuação no CIMI em invasões de terras por indígenas. O fato de a Polícia Militar ter sido requisitada pela Justiça Federal para auxiliar a Polícia Federal e/ou a Força Nacional nas reintegrações deferidas pela Justiça Federal decorre simplesmente da estrutura no tocante ao quantitativo de pessoal.

Diante do exposto e por reconhecer a legitimidade da Defensoria Publica da União para propor ação civil pública em favor das populações indígenas, sabidamente hipossuficientes, defiro o pedido de liminar para suspender a CPI desencadeada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, através do Ato nº 06/15 do Gabinete da Presidência.

Intimem-se. Notifique-se. Manifeste-se a autora sobre a contestação apresentada, esclarecendo se pretende produzir outras provas.

Ato Ordinatório (Registro Terminal) em : 28/01/2016

Grifos meus.