quarta-feira, 30 de maio de 2018

Mídias socioambientais: financiando uma economia sustentável

Para quem inadivertidamente pensa que estamos dizendo
abobrinhas sobre o tema, veja no texto de Amyra El Khalili
o tamanho de nossa fundamentação. Vale o dito: 
"se enxergamos longe é porque estamos sobre ombros de gigantes"

Por Amyra El Khalili

Quem atua no mercado financeiro costuma ouvir aquela afirmação: O mercado sobe no boato e cai no fato”.

Se alguém me perguntasse como você conseguiu saber que o petróleo teria suas cotações disparadas, com altas sucessivas até atingir a maior marca dos últimos 20 anos?, responderia: mídias socioambientais.

Já tinha gritado que a US$ 26,00 o barril era para entrar comprando e que abaixo de US$ 34,00 o mercado nunca mais retornaria. Disse isso num evento em Brasília, sobre mudanças climáticas, e por isso fui ridicularizada. Como não opero mais commodities convencionais por questões de princípio, fiquei só observando quando o mercado do petróleo virou na cara de todos e começou a subir, subir, subir.

Neste caso, não era boato, não. Era guerra mesmo, conflitos, e a tão propalada invasão no Iraque. Mas antes disso tudo, quando gritei alto e bom som, nem se cogitava da 2ª Intifada Palestina, do 11 de setembro ou de quaisquer um desses fatos.

Depois de anos analisando mercados de capitais, balanços de empresas, conjunturas econômicas, comércio exterior, política internacional, índices e cotações, o que leio no jornal diário já não me convence mais. É certo que todo analista um dia se cansa. Descobre que a notícia de hoje foi o boato de ontem. E não tem mais confiança em dados de mesmos subsídios para tomar decisões.

Quando a internet não existia, operávamos com o sistema viva-voz, cotações on line de sinais por satélite. No traquejo do vaivém das bolsas, acompanhávamos informações instantâneas calculando com a cabeça na velocidade do computador. A matemática é apenas a constatação das nossas avaliações e a execução da ordem de compra e venda nos pregões, o resultado da confiança dos investidores em nós depositada. Estas variáveis todas juntas formam o preço.

Hoje, a moçada recém-formada sai da faculdade com um laptop repleto de programas e softwares com‘ene’ calculadoras e mal consegue entender o que água tem a ver com floresta. Essa turminha não lê, não se informa e fica à deriva da mídia convencional, esperando o boato para fazer dele um fato, para azar dos investidores e players.

As mãos invisíveis do mercado

Se você olha essa mídia socioambiental como gritona, que só sabe denunciar e reclamar, pode ir mudando de ideia. Os melhores negócios e investimentos têm sido apontados por esta mídia, que tem o olhar sobre os fatos. A cada dia nascem mais e mais jornais de bairro, rádios comunitárias, blogs, sites, boletins, livros, revistas, vídeos que se incorporam às redes de comunicação na internet. A internet é o palco de transformação da mídia convencional, que acaba por se nutrir das informações produzidas pelas mídias socioambientais. Busca a informação de ponta que circula em redes.

Não espere que esta informação vá aparecer no balanço da empresa que se apresenta para captar dividendos com suas ações nas bolsas. É evidente que ela não apresentará seus passivos, suas deficiências, nem tampouco seus processos. Mas, se você acompanhar as mídias socioambientais, descobrirá se o setor de investimentos é ou não o mais apetitoso. Apesar de estas mídias excomungarem palavras-chave, como mercado, commodities, bolsas, economistas, são o melhor e mais transparente indicador econômico que você poderá ter. Ninguém mais do que as mídias socioambientais apontam onde dá lucro, por mais contraditório que seja, ou, pelo menos, onde você poderá ter um belo prejuízo.

Medo de quê? Quem não deve não teme!

dias socioambientais não vendem opinião; vendem espaço. Se seu negócio é bom, que seja para todos, incluindo seus investidores e parceiros, porque negócio bom para um só nãé negócio, mas manipulação. Alguém vai quebrar ou ficará sem ‘mercado’.

As questões ambientais fazem parte da rotina de cada cidadão. Os jovens nas escolas querem saber o queé transgenia, biotecnologia, querem entender os debates e as denúncias que circulam na internet. Se antes seus universos se restringiam à televisão, à escola e a amigos, hoje acessam a internet, navegam em sites, procuram blogs, abrem comunidades no facebook.

A dona de casa quer entender por que aquele furacão com um simpático nome feminino destruiu a cidade do jazz nos EUA. Ela provavelmente nunca verá o lado pobre da grande nação Big Brother. O taxista quer compreender o que foi essa tal de tsunami, e por que o padre fez greve de fome pelo rio São Francisco, ou por que o jornalista Franselmo se imolou num protesto ambientalista. Minha mãe me pergunta por que a Amazônia está secando.

Os protestos ganham espaço na mídia e avançam sobre os olhares dos comuns. Não dá para ficar indiferente a esta realidade, ainda mais com a cobertura on line das mídias socioambientais.

Estas mídias estão atuando com suas ‘mãos invisíveis do mercado’. São ignoradas pelos grandes agentes financeiros, temidas por muitos empresários, tratadas pela conveniência dos governos e subestimadas pelo poder das mídias convencionais, que insistem em fazer de seus veículos a máxima da cartelização da informação, tendenciosa e concentradora, para fomentar o boato. Enquanto isso, as empresas anunciam nos mesmos veículos de sempre e gastam fortunas para terem suas marcas reconhecidas por sua “eminência parda, o mercado, que somos todos nós, os consumidores.

E assim, as cotações das bolsas vão subindo, subindo, subindo no boato, e o mercado financeiro se esvaziando, se esvaziando no fato. Me engana que eu gosto. A questãé saber por quanto tempo os analistas sustentarão a enganação, traduzida em preço e prejuízos consideráveis. Não diga que a culpa é da política econômica, porque até isso as mídias socioambientais apontaram há tempo com as contradições entre os ministérios e os ministros. Foi você, meu amigo, que não viu, digo, não leu nas mídias socioambientais.

Os analistas do mercado de capitais, brokerstraders competentes e veteranos, se converteram em ativistas pela lógica da inteligência, pois se cansaram de ser enganados. Hoje, querem se nutrir desta mídia que aponta os fatos, doa a quem doer. Estes analistas aprenderam a respeitar essas “mãos invisíveis” e a não subestimar o poder de sua eminência parda, o mercado”.

Colega, agora analise bem, faça suas continhas, consulte seus gráficos, acesse seus programas e me responda: Mídias socioambientais: por que alguém deveria financiá-las?

Referência:

El Khalili, Amyra. Commodities ambientais em missão de paz – novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe / Amyra El Khalili.  – Bragança Paulista, SP : Heresis, 2017. 336 p.

*Amyra El Khalili é professora de economia socioambiental. É fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z! e editora da Aliança RECOs – Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras. É autora do e-book “Commodities Ambientais em Missão de Paz: Novo Modelo Econômico para a América Latina e o Caribe”.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

O Papa: a dicotomia entre a ética das religiões e os interesses das finanças é trágica e falsa

O egoísmo e a exclusão, a crise econômica e a falta de emprego, as ameaças às famílias e a indiferença em relação aos jovens, aos pobres e aos migrantes. A “cultura do descarte”. O Papa Francisco reflete sobre os desafios que tornam este mundo de hoje incerto e, durante a audiência na Fundação Centesimus Annus pro Pontífice (no final da Conferência Internacional sobre “Novas políticas e estilos de vida na era digital”), invocou “uma cultura global de justiça econômica, de igualdade e de inclusão” à luz da Doutrina Social da Igreja.

A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 26-05-2018. A tradução é de André Langer.

Na Sala Régia, a poucos passos da Biblioteca onde recebeu, na manhã do sábado, o seu “irmão” Bartolomeu, que abriu as sessões de trabalho da conferência, o Papa Bergoglio falou com os membros da Fundação Centesimus Annus sobre as “atuais dificuldades e crises no sistema econômico” que “têm uma inegável dimensão ética: estão relacionadas a uma mentalidade de egoísmo e de exclusão que gerou, na prática, uma cultura do descarte, cega à dignidade humana dos mais vulneráveis”.

Não são hipóteses, mas dados deixados à vista pela crescente “globalização da indiferença” diante dos “evidentes desafios morais que a família humana é chamada a enfrentar”. Em particular, o Papa referiu-se aos “obstáculos ao desenvolvimento humano integral de muitos de nossos irmãos e irmãs, não apenas nos países materialmente mais pobres, mas cada vez mais em meio à opulência do mundo desenvolvido”. “Penso também – acrescentou o Papa – nas urgentes questões éticas relacionadas aos movimentos migratórios mundiais”.

“Com frequência, desenvolveu-se uma dicotomia trágica e falsa (semelhante à ruptura artificial entre ciência e fé) entre a doutrina ética de nossas tradições religiosas e os interesses práticos da atual comunidade empresarial”, disse o Papa. “Mas existe uma circularidade natural entre lucros e responsabilidade social. Há, de fato, uma “ligação indissolúvel entre uma ética que respeita as pessoas e o bem comum e o funcionamento real de cada sistema econômico e financeiro”, acrescentou, citando o recente documento do Vaticano Oeconomicae et pecuniariae quaestiones sobre o discernimento ético no sistema econômico.

“A dimensão ética das relações sociais e econômicas” não pode ser importada “para a vida e as atividades sociais de fora, mas deve emergir de dentro”, insistiu Bergoglio. Este é um objetivo de longo prazo “que requer o compromisso de cada pessoa e de cada instituição dentro da sociedade”.

Em relação ao tema escolhido para a conferência deste ano – “Novas políticas e novos estilos de vida na era digital” –, o Santo Padre destacou um dos desafios relacionados a essa questão: as ameaças que as famílias enfrentam por causa da falta de oportunidades de emprego estável e do impacto da revolução da cultura digital.

O Pontífice enfatizou que, assim como colocou em evidência a preparação para o Sínodo deste ano, dedicado aos jovens, “é uma área crucial em que a solidariedade da Igreja é efetivamente necessária”.

“A contribuição de todos vocês é expressão privilegiada da atenção da Igreja com o futuro dos jovens e das famílias”, observou Francisco, recordando que, por outro lado, é uma atividade na qual a cooperação ecumênica é de especial importância e a presença do Patriarca Bartolomeu de Constantinopla na conferência “é um sinal eloquente dessa responsabilidade comum”.

“Queridos amigos, compartilhando seus conhecimentos e experiências, e transmitindo a riqueza da Doutrina Social da Igreja, vocês procuram formar as consciências de líderes nos campos político, social e econômico. Animo-os a perseverar neste esforço, que ajuda a construir uma cultura global da justiça econômica, da igualdade e da inclusão”, concluiu o Pontífice, expressando sua gratidão e apreço “por tudo o que já conquistaram, confiando seu futuro compromisso à Providência de Deus em oração”.

Leia também:

O Fluxograma de Marillac e o Papa Francisco

E se os bancos servissem à sociedade?

O que são commodities ambientais e como podem ajudar o desenvolvimento sustentável?

Acesse: PRODUÇÃO e ECONOMIA REAL VERSUS FINANÇAS
A responsabilidade socioambiental corporativa versus as demandas das comunidades. 

sábado, 19 de maio de 2018

Mensagem do papa às finanças: um convite à mudança moral em um ''mundo pós-católico''

“O papa pede, pela primeira vez, mudanças estruturais, inclusive na economia. Existe todo um mundo das finanças católicas que diz: nós podemos ser morais. Porque a economia, por si só, é neutra. João Paulo II falou da estrutura de pecado, enquanto Francisco, dizendo que essa economia mata, faz uma demanda de mudança estrutural.” Essa é a mensagem lançada por Andrea Tornielli, vaticanista do jornal La Stampa e coordenador do site Vatican Insider, apresentando em Roma, na Sociedade Dante Alighieri, o texto publicado pela editora Rizzoli e intitulado Il Cristianesimo al tempo di Papa Francesco [O cristianismo em tempos de Papa Francisco], livro que reúne discursos de inúmeros especialistas da Igreja e editado por Andrea Riccardi.

A reportagem é de Francesco Gnagni Porpora, publicada em Formiche, 16-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

“Migrações, terceira guerra mundial em pedaços, pobreza: são temas todos interconectados, e não se pode deixar de fazer uma pergunta séria e política sobre as guerras nefastas que passamos a provocar, como no Iraque”, afirmou Tornielli, explicando que o gesto de Bergoglio “não é um ‘não’ pacifista, mas um chamado a olhar para as consequências e ver como olhamos para aqueles países, pensando em exportar a democracia. Esse é o grande ponto de contraste entre o papa e os chamados poderes fortes, como as finanças. Aí se aninha a verdadeira oposição ao papa, porque, para alguns, incomoda muito ouvi-lo falar com insistência de tráfico de armas, guerras, pobreza”.

O jornalista, nas últimas semanas e junto com outros economistas e especialistas como Jeffrey Sachs, Stefano Zamagni, Leonardo Becchetti e Mauro Magatti, apresentou o projeto Quadragesimo Anno, em que são propostos caminhos operacionais para um sistema de certificação de acordo com o ensino social da Igreja. Um plano decididamente inovador que tenta demonstrar, com uma proposta de longo prazo, de fôlego amplo e centrada em ações tangíveis, que as finanças a serviço do ser humano são possíveis. Até porque “a verdadeira mudança de paradigma é a capacidade de levar a sério o testemunho que ele dá”, explicou o próprio Tornielli durante sua fala.

Afirmação que assume ainda mais valor no momento em que se olha para a Igreja como instituição. Isto é, em que se observa que, na realidade, não houve grandes reformas, e em que estamos vivendo um período de decepção, explicou o próprio Tornielli. Mas em que o problema se esconde precisamente na abordagem que se assume em relação à pregação do pontífice. Que, não por acaso, ao levar a sua reforma em frente, antes de uma mudança de estrutura, pede acima de tudo uma conversão moral interior.

“Se, antes de escalar cargos institucionais, era preciso usar expressões-chave, como valores inegociáveis, ou lançar abaixo-assinados contra os preservativos, agora a situação é exatamente a mesma, mas com a diferença de que é preciso usar a palavra ‘pobres’ ou ter feito voluntariado”, afirmou o jornalista.

A opção Bento, a Igreja alemã e o Evangelho de Francisco

“A tendência dos aparatos, de fato, é a metabolizar tudo e colocar dentro do mesmo liquidificador. Assim, o uso desses termos torna-se um estado de espírito, a mensagem se torna um slogan, e se acaba sendo autorreferencial. Não há a tentativa de discutir, acolher, siga a mensagem do papa, mas sim a tentativa de jogar sobre ele uma agenda própria.”
Isto é, uma agenda que mostra que não compreende a visão evangélica de Francisco, a única que o pontífice realmente tem em mente e que leva em frente. E, considerando-se tudo isso, continuou o vaticanista durante o debate, “a opção Bento é inadequada para os tempos em que estamos vivendo, para viver a metrópole. Porque o anúncio do Evangelho passa pela disponibilidade de ouvir, em um mundo onde o modelo é o do talk-show, mas onde falta alguém que escute você, de um Deus que, em vez de lhe julgar, diz-lhe que está bem do modo como você é”.

Quanto ao caso alemão, ou seja, o pedido dos bispos alemães de uma chamada “hospitalidade eucarística”, a possibilidade de conceder a comunhão a um protestante que participa da missa junto com o cônjuge católico, “Francisco disse para se encontrar um resultado unânime, portanto, evidentemente, tendo em mente também as opiniões contrárias. Porque a Igreja tem uma forte necessidade de estar unida. Ao contrário, isso foi logo rotulado como uma cedência, não com razão e não só por parte dos jornalistas hiperclericais, mas também de cardeais”, explicou Tornielli.
Mas a verdade que deve ser levada em conta é que “o papa não será lembrado pelas reformas da Cúria ou por ter criado cardeais de lugares desconhecidos, mas sim por uma capacidade de testemunhar o Evangelho unindo palavras com gestos”.
Sobre as avaliações dos cinco anos de pontificado, já foram feitas muitas e a partir dos mais diferentes ângulos. Uma delas, por exemplo, leva em consideração a relação do próprio Bergoglio com a chamada “religião das emoções”, cada vez mais difundida no tempo em que vivemos.
“É interessante entender como Francisco se coloca em relação a ela”, afirmou o diretor da revista Limes, Lucio Caracciolo. Embora “o ponto não esteja evidentemente apenas aí, porque está em jogo toda uma relação com o Ocidente, e há os Estados Unidos da América”, continuou Caracciolo.

A dimensão territorial e tradicional da fé

E se deve considerar acima de tudo que “hoje as Igrejas estabelecidas estão em crise, porque as instituições estão em crise. E a Igreja Católica também é uma instituição. Ninguém antes de Francisco, de fato, havia realmente renunciado àquela forma constantiniana produzida pelo Edito de Milão”.
O jornalista, a esse respeito, lembra que, no distante 1993, ao participar de um congresso com o cardeal Achille Silvestrini, este “fez um elogio à geografia, exatamente o contrário da expressão de Francisco, em que se diz que o tempo é superior ao espaço”.
Já a partir do nome, “o Papa Francisco é um oximoro, e o fato de que ninguém jamais se chamou assim não é por acaso”, continuou Caracciolo. E, “quando ele fala de Igreja pobre, ele o faz em sentido amplo e espiritual, e não banal do termo. Mas, ao se tornar Francisco, ele põe em questão seu próprio ofício. O fato de falar do pecado do clericalismo, deslegitimando a instituição da qual é o chefe, também é muito interessante, porque legitima também as críticas. E ouvir cardeais que criticam aberta e continuamente o papa é certamente algo novo e inesperado”.
Isso leva à conclusão de que “não se pode, contudo, imaginar que a Igreja como instituição pode sobreviver renunciando à dimensão do espaço, entendido como terra e território. Todo projeto futuro precisa de tradição: não se pode imaginar fingir que aquilo que se acumulou ao longo dos séculos não importa ou pouco importa”.

O fim do papado europeu e o catolicismo na cultura global

Mas, “no século XX, o catolicismo era a religião do mundo moderno, mas com antagonismo. Hoje, ao contrário, há anacronismo, mas que também pode ser profecia”, afirmou o presidente da Sociedade Dante Alighieri, Andrea Riccardi, durante seu discurso. “Francisco é o primeiro papa não europeu que marca o fim do papado europeu, isto é, feito de ação pastoral, pensamento e governo, e que é novamente posto em discussão em um tempo pós-ideológico. Durante dois séculos, a Igreja lutou contra a secularização que vinha da Revolução Francesa e que é descristianização. Hoje, porém, é preciso olhar para um mundo global. Onde está esse assim chamado ‘mundo pós-cristão’? Se formos para as periferias de São Paulo, de Buenos Aires ou da África, vemos uma poeirama de Igrejas cristãs. No máximo, é um mundo pós-católico.”
No entanto, no quadro do mundo global, “esse catolicismo consegue criar uma cultura?”, é a pergunta trazida à tona na conclusão por Riccardi, que afirmou que, em sua opinião, “as orientações políticas que emergem de muitos países, como nas Filipinas, nos países da Europa Oriental ou na Itália, não são as do papa”.
Ao retratar um cristianismo de povo, Riccardi afirmou por fim: “A Amoris laetitia é um elemento-chave, porque retrata uma dimensão de consciência, dando um passo além do Concílio Vaticano II”. E a pergunta é: “As estruturas da Igreja podem resistir diante dessa transformação?”.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Índios Assurini relatam à Justiça 40 anos de danos da Usina de Tucuruí

Meu comentário: No início dos anos 90 eu e minha esposa moramos nesta aldeia e pude ver de perto todo o estrago causado aos índios Assuriní do Trocará pela construção da hidrelétrica de Tucuruí. Um desastre!

Matéria original em TERRA

Distante das salas frias da Justiça, no próprio território em que vivem e que consideram sagrado, os índios Assurini relataram para o juiz federal Hugo Frazão, da subseção judiciária federal de Tucuruí, representantes de órgãos públicos, pesquisadores e estudantes, os cerca de 40 anos de danos gerados pela Usina de Tucuruí (PA) em suas vidas, desde o fim dos anos 1970, quando a hidrelétrica começou a ser instalada, sem consulta ou aviso prévio, nas águas do Rio Tocantins.
Quando encheu, a água levou tudo: motor, remédio, farinha, arroz, máquina. A Eletronorte tinha que pagar, estamos cansados de esperar , disse o cacique Cajuangawa Assurini. Pirá Assurini, filho do cacique, detalhou que, os que ali viviam, perderam as castanhas, as mandiocas, os milhos, as batatas, a máquina de arroz, a maior parte do seringal que ficava na beira do rio . Pirá continuou seu relato: Nunca conseguimos de volta o que tínhamos antes e até hoje, andando na beira do rio, continuam os impactos. A erosão provocada pela barragem levou cemitérios do nosso povo e continua comendo o nosso território .
A Eletronorte chegou a ser obrigada a fazer um pagamento mensal de R$ 150 mil pela demora em oferecer medidas de compensação, a partir de 2012, mas depois conseguiu reverter os valores em medidas emergenciais. O representante da empresa, o advogado Bernardo Fosco, disse que ela não se nega a dialogar com o povo Assurini, mas admitiu que as incertezas provocadas pela crise econômica e a possível privatização da estatal dificultam o avanço das propostas de compensação. Tucuruí é a terceira maior usina do país em termos de capacidade instalada, com mais de 8 mil megawatts de potência, perdendo para Itaipu e Belo Monte.
Entre os pedidos dos índios, estão a garantia de água e esgoto na comunidade e a reocupação territorial, bem como a garantia de ônibus para atendimento dessa população. De acordo com o MPF, o veículo foi adquirido em 2016, mas até agora não foi entregue à comunidade. Também não houve a garantia de assistência e outras medidas compensatórias.
Audiência na aldeia
Realizada na aldeia Trocará, a audiência foi solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF), que acompanha há oito anos a ação que busca compensação e reparação pelos danos sofridos pela etnia Assurini com a construção da usina hidrelétrica de Tucuruí. A procuradora da República Thais Ruiz, atualmente responsável pela ação judicial, disse que este ato, por si só, já é uma vitória da comunidade indígenae da sociedade brasileira, já que o respeito à pluralidade étnica é um dos objetivos da República consagrados na Constituição Federal .
Thais Ruiz ressaltou que, entre as várias etnias que sofreram graves impactos da usina construída no período da ditadura militar, os assurini estão entre os que não receberam nenhum tipo de compensação ou mitigação. Atualmente, há propostas da empresa e dos índios, mas nenhuma é consensual. De acordo com o juiz Hugo Frazão, será criada uma comissão interinstitucional, com a presença de índios, pesquisadores e representantes de várias instituições para analisar as propostas apresentadas pelos dois lados. A expectativa é que uma proposta seja apresentada no fim deste semestre.