quinta-feira, 30 de junho de 2016

Presidente do Cimi denuncia violações contra povos indígenas ao Papa

Leia original Aqui
Nesta quarta-feira (29), o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi, foi recebido pelo Papa Francisco, no Vaticano. Dom Roque entregou ao Papa o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2014 e uma carta, na qual agradece a atenção que o pontífice tem dedicado à questão indígena e comunica as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil.
“Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes”, afirma dom Roque em sua carta. “A indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção da grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em general. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas”.
O presidente do Cimi também citou a situação de extrema vulnerabilidade vivenciada pelos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul, vítimas de um recente ataque paramilitar em Caarapó, que resultou no assassinato do indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado”, afirma dom Roque na carta endereçada ao Papa.
Em diversas ocasiões, o Papa Francisco se pronunciou em relação à importância do respeito aos povos indígenas e sobre a necessidade de se “procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos”, como escreveu na Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), divulgada em junho de 2015 com o tema “Sobre o Cuidado da Casa Comum”.
O pontífice tem manifestado sua preocupação com as crises social e ambiental que o mundo contemporâneo enfrenta e reconhecido as importantes contribuições dos povos originários. Em encontros com indígenas na Bolívia e no México, em 2015, o Papa Francisco pediu perdão aos povos indígenas, em nome da Igreja, “pelos crimes cometidos contra os povos nativos durante a chamada conquista da América”.
“Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo”, afirma dom Roque Paloschi na carta entregue ao Papa durante cerimônia na Basílica de São Pedro. “Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil”, conclui, assinalando que Francisco será bem-vindo quando visitar o país.
Leia, abaixo, a íntegra da carta do presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, ao Papa Francisco:

Roma, 29 de junho de 2016. 
Santo Padre,

Em primeiro lugar, desejo agradecer a confiança pela minha nomeação como arcebispo de Porto Velho-Rondônia na Amazônia brasileira.

Peço a sua bênção e a sua oração para que eu possa viver a missão nos caminhos da simplicidade e humildade, sendo um irmão entre os irmãos e irmãs.
Mas hoje também quero suplicar uma bênção muito especial para uma outra missão que a Igreja do Brasil me confiou: animar e acompanhar missionários e missionárias do Brasil que trabalham junto aos povos indígenas, como presidente do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.
Somos profundamente agradecidos pela sua ternura e proximidade com os povos originários do mundo, como sentimos na sua Encíclica Laudato Si, nos encontros na Bolívia, México e em outros pronunciamentos.
Vivemos no Brasil uma situação desesperadora diante do sofrimento dos nossos primeiros habitantes; a indiferença, o avanço dos grandes projetos do agronegócio, a construção da grandes hidrelétricas, a mineração, e a devastação do meio ambiente em general. Isso tudo traz consequências desastrosas aos povos indígenas. A ONU tem denunciado em particular a violência contra os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Os Guarani Kaiowá tem visto o direito às suas terras ser negado, além de sofrerem repetidas violências de grupos paramilitares e o continuado descaso do próprio Estado. Estudiosos chegam a afirmar haver um genocídio do povo Guarani Kaiowá.
Queremos agradecer o seu apoio ao trabalho da Comissão Episcopal para a Amazônia coordenado pelo seu amigo particular Cardeal Claudio Hummes. Alegra-nos muito o seu carinho para com a REPAM – Rede Eclesial Pan-Amazônica e também sua atenção e estima pelo trabalho do CIMI.
Trago aqui o relatório de violência contra os povos indígenas, produzido pelo Conselho Indigenista Missionário. Santo Padre, isso só nos entristece e nos envergonha como brasileiros e cristãos. Mas posso lhe assegurar que há um grande número de missionários e missionárias que vivem martirialmente junto aos povos indígenas, na defesa da vida e da criação. Contamos com a sua oração e bênção aos povos originários do Brasil.
Estamos nos preparando para sua visita ao Brasil em comemoração aos trezentos anos de Nossa Senhora Aparecida. Povos indígenas já sonham e aguardam uma visita sua, em qualquer lugar do Brasil onde estejam, como sinal de seu amor paternal aos primeiros habitantes de nossas terras ameríndias.
Obrigado e conte sempre com minha estima e prece.

Roque Paloschi
Arcebispo de Porto Velho e Presidente do Cimi

terça-feira, 28 de junho de 2016

Indígenas do Acre e Sul do Amazonas vão à Brasília denunciar violações de direitos

Estudo no Acre. Foto: Ian Nunes (Cimi AO)
Entre os dias 17 e 22 de junho uma delegação de indígenas do Acre e Sul do Amazonas foi até Brasília, DF, para denunciar o não cumprimento das obrigações e leis que garantem direitos, entre elas a não demarcação de várias terras indígenas na região. Mais da metade das terras indígenas se encontra com os processos de demarcação paralisados ou se quer iniciados. Desde o ano de 2003 nenhuma terra indígena foi demarcada na região, exceto a dos Apolima-Arara por determinação judicial e mesmo assim não foi feita a retirada dos invasores até hoje.

Outro grave problema que até o momento não encontrou ressonância junto às autoridades são as constantes ameaças às lideranças, só no Acre seis lideranças se encontram sob ameaça e ainda mais constantes são as invasões dos territórios. Os indígenas denunciam também as modalidades modernas de desrespeito representadas, entre outras, pelos projetos ligados à economia verde ou financeirização da natureza como os de REDD +, projetos dos quais os indígenas são meros objetos, sem que sejam devidamente informados.

Os problemas, dificuldades, ameaças, assassinatos e perda de direitos, são gritantes em todo o país e, no Acre assumem um caráter ainda mais cruel que é constante propaganda oficial que vende o estado como se questões indígenas e ambientais já tivessem sido todas superadas. Desta forma os povos indígenas do Acre e sul do Amazonas não encontram outra alternativa para manifestarem suas opiniões e denunciarem, que não a ida à Brasília, já que por aqui não são ouvidos na maioria das vezes.

Foto: Ian Nunes (Cimi AO)
Problemas recorrentes também foram denunciados como a desassistência à saúde e à educação. Não obstante aos problemas locais denunciados, os indígenas também se manifestaram preocupados com a crescente onda de agressões e assassinatos que os povos indígenas tem sofrido pelo país a fora,  e as mudanças na legislação para beneficiar os grandes grupos ligados ao agronegócio, mineradoras e empreiteiras em geral, como é o caso da PEC 215.

Antes de seguirem para Brasília a delegação fez um dia de estudo sobre a conjuntura na região e nacional com foco especial no desmonte e alterações nas legislações, no caso do Acre representada por exemplo pela lei 2308, conhecida como lei SISA que, na visão dos críticos é inconstitucional e fere o usufruto exclusivo quando se propõe legislar sobre esses territórios e mercantilizar a natureza através do mercado de carbono. 

Lamentavelmente assistimos a um aumento monumental das violações dos direitos dos povos indígenas chegando mesmo, em alguns casos, a se caracterizar um verdadeiro desmonte na legislação. Pior ainda são os assassinatos, verdadeiros genocídios contra esses povos.

Nosso profundo respeito e admiração por essas guerreiras e guerreiros que seguem em luta e nos ensinando  a contribuirmos com um mundo para todos e uma pan amazônia unida na defesa dos bens comuns e de nossa casa comum, o planetinha chamado terra.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Solidariedade aos Kaiowá Guarani do Mato Grosso do Sul



Quando estamos aqui em Palmas-TO onde se realizará a 3ª Grande Assembleia dos povos indígenas da região (20 a 24/06) e alguns participantes de outras regiões do país, inclusive do Mato Grosso do Sul, tomamos conhecimento de mais um massacre de mais uma comunidade Kaiowá Guarani que havia retornado a seu tekoha, terra tradicional. Até quando ficaremos contando os mortos desse heroico povo na resistência, enquanto a impunidade reina absoluta, estimulando mais violência?”, escreve Egon Heck, do secretariado nacional do Conselho Indigenista Missionário –CIMI, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.


Massacre e Genocídio continuam

Diante de mais um covarde massacre contra a comunidade do TekohaToropaso, município de Caarapó, do qual resultaram vários feridos de vossa comunidade e a morte de Claudione de Souza, agente de saúde, manifestamos nosso repudio e externamos nossa solidariedade. Contem conosco. Estamos com vocês na luta por vossos direitos, especialmente vossas terras/territórios.

Nós do regional do Cimi Goiás, Tocantins, juntamente com os povos indígenas desta região acompanhamos com muito carinho e indignação a luta de vocês pelo sagrado direito a vossos territórios.

Quando uma delegação dos povos desta região fomos visitar vocês, em 2006, ficamos tristes e indignados em ver e sentir tanta judiação, violência e abandono. Nunca imaginávamos ver comunidades indígenas embaixo de lonas pretas á beira das estradas, passando fome, sofrendo com o sol e chuva, sendo desprezados e tratados pior que animais. Ficamos revoltados com essa situação e aprendemos uma grande lição: ficar lutando e vigiando permantentemente para que nossas terras não venham a ser invadidas e nós também passarmos por judiaria dessas.
Estamos preparando a nossa 3ª Grande Assembléia, onde vamos ter uma participante do vosso povo, que certamente vai nos falar das vossas lutas, resistência e esperanças. Estamos esperando mais de 500 lideranças dos povos de nossa região e alguns indígenas de outras regiões do país.
Nós membros do Cimi deste regional GOTO também temos construído fortes laços de solidariedade com vocês procurando apoiar de todas as formas às lutas de vocês pelos direitos constitucionais. Recentemente os missionários do Cimi também foram criminalizados através de Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas na verdade o que pretendiam os senhores do agronegócio era impedir com que vocês tivessem vossas terras demarcadas e respeitadas. Quiseram nos calar, nos caluniaram, quiseram dizer que vocês são incapazes de lutar pelos vossos direitos, nos acusaram de estimular invasões, mas vocês estão desmentindo essas calunias e mentiras.

União dos povos na luta pelos direitos
Foto: Egon Heck
Nesse momento em que vocês são mais uma vez vítimas das barbaridades violências e assassinatos, queremos dizer que enquanto Povos indígenas da região e apoiadores e aliados estaremos sempre com vocês. A dor e sofrimento de vocês, também é nosso. Pedimos que o governo federal e estadual e todas as autoridades competentes, se mobilizem para que seja investigado este crime e não quede impune, assim como tantos ataques e mortes que ainda clamam por justiça. E que as vossas terras sejam demarcadas e respeitadas.

Entra governo, sai governo e sempre mais corrupção aparece. Um dia haverá justiça e os povos originários desse país poderão celebrar a vitória da vida, sobre os projetos e decretos de morte.
Com nosso apoio e solidariedade.
Abraços
Regional Goiás Tocantins do Cimi
Egon Heck –Secretariado Nacional
AssociaçãoApinajé - Pempxá


terça-feira, 21 de junho de 2016

Tragédia anunciada: ONU 'previu' mortes indígenas em MS há três meses


Original em Minas 247
Veja Aqui

Após reuniões com mais de 50 povos indígenas brasileiros, em março deste ano, a relatora especial das Nações Unidas sobre direitos das populações indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, alertou o governo sobre um "risco potencial de efeitos etnocidas (sobre indígenas) que não pode ser desconsiderado nem subestimado". 

"Considero extremamente alarmante que uma série desses ataques, que envolveram tiroteios e feriram populações indígenas em comunidades do Mato Grosso do Sul, tenham ocorrido após minhas visitas a essas áreas", disse a especialista após a viagem de 11 dias pelo país. 

Na época, ela convocou o "governo a pôr um fim a essas violações de direitos humanos, bem como investigar e submeter os mandantes e autores desses atos à Justiça". 

Na última semana, quase três meses depois da visita oficial da relatora, um ataque violento a comunidades indígenas na mesma reunião de Dourados deixou um morto e pelo menos cinco feridos - incluindo uma criança de 12 anos, baleada com um tiro na barriga. 

Segundo a BBC Brasil apurou, a criança e outros três feridos por tiros continuam internados em um hospital público da região. 

A reportagem procurou a relatora da ONU, que voltou a comentar o assunto. 

"A crise política que se seguiu à minha visita acabou tornando os proprietários rurais mais poderosos", disse Tauli-Corpuz no último sábado. "Eu previa que eles seriam mais ousados na realização dos despejos contra povos indígenas. Mas esperava que o fato de os povos indígenas terem avançado nos processos necessários para ter estas terras reconhecidas pelo governo detivesse os fazendeiros", afirmou. 

"Os despejos violentos que aconteceram são extremamente lamentáveis. Condeno estas ações", prosseguiu a filipina, convocando novamente o governo brasileiro a "investigar o ocorrido e trazer seus responsáveis à Justiça". 

Enviados pelo governo do Mato Grosso do Sul, policiais da Força Nacional atuam na região desde a última quinta-feira. As investigações sobre o tiroteio estão sendo conduzidas pela Polícia Federal. 

"O objetivo é estabelecer a segurança e a tranquilidade na realização dos trabalhos periciais naquele local de conflito e, dessa forma, prosseguir nos demais atos investigatórios, primordiais na apuração das autorias e materialidades delitivas", afirmou a PF, em nota. 

Conflito 

De acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o ataque foi realizado por 60 caminhonetes com homens armados. 

"Atiraram em cerca de mil indígenas, incluindo quatro agentes de saúde indígena, que estavam reunidos no território perto da aldeia Te' Ýikuê", afirmou o órgão, em nota. 

Palco dos tiros, a fazenda Yvu é parte de uma área de 55.590 hectares que, desde maio deste ano, passa por processo de demarcação pelo governo federal. O processo é lento e enfrenta a resistência de proprietários de terras, que compraram legalmente fazendas na região nas últimas décadas. 

Nas últimas semanas, centenas de indígenas ocuparam estes territórios e armaram acampamentos precários como protesto pela aceleração das demarcações. 

Questionada sobre o que poderia ter sido feito pelo governo para evitar que mais índios fossem mortos ou feridos na região, a relatora especial da ONU foi categórica: "A ratificação das demarcações deveria ter sido feita". 

Lobby 

À BBC Brasil, a especialista atribuiu a dificuldade para se chegar a um consenso na região ao lobby de políticos e do agronegócio. 

"Acredito que, desde que essas terras foram reconhecidas pelo Estado brasileiro como território indígena, os fazendeiros não poderiam mais clamar por sua propriedade. O apoio de instituições financeiras aos fazendeiros para incrementar a produção agrícola e o apoio de políticos são fatores-chave que estimulam os fazendeiros a não reconhecerem os direitos dos guarani-kaiowá sobre suas terras." 

Na última sexta-feira, o Ministério Público Federal classificou o episódio como formação de "milícia privada". O órgão apresentou denúncias contra 12 pessoas, alegando que atiradores teriam sido contratados para sequestrar, violentar, ameaçar e atirar contra os índios. 

À BBC Brasil, na última quarta-feira, lideranças ruralistas de região confirmaram que produtores participaram da ação contra os índios, mas negaram o uso de armas de fogo - que foi flagrado por diversos vídeos publicados pela imprensa local e nas redes sociais. 

"Esse indígena não morreu durante o conflito, e não houve tiros. Acreditamos que ele tenha morrido dentro da própria aldeia", afirmou Sílvia Ferraro, diretora do Sindicato Rural de Caarapó. 

Policiais 

Em resposta ao que classificaram como cobertura da Polícia Militar ao ataque realizado na última semana, os índios abordaram uma equipe da PM que foi até o local após o confronto e teriam incendiado um carro, agredido policiais e tomado suas armas. 

De acordo a Secretaria da Segurança do Mato Grosso do Sul, três PMs foram rendidos, agredidos e tiveram três pistolas calibre .40, uma escopeta calibre 12 e três coletes roubados. A secretaria nega que a polícia tenha dado cobertura à ação dos fazendeiros. 

"Será apurada a ocorrência de agressões, roubo, danos ao patrimônio público e cárcere privado de equipe de policiais militares que inicialmente atendeu a ocorrência", disse a Polícia Federal, em nota, no último dia 16. "A atuação da PF foi imediata, com o envio de efetivo policial na realização de diligências no local dos fatos." 

Segundo a corporação, tratativas para liberação das pessoas mantidas como reféns e a recuperação de armamentos pertencentes a Polícia Militar foram "imediatamente promovidas". 

Em nota, a Associação dos Subtenentes e Sargentos Policiais e Bombeiros Militares do Estado não comentou a morte e os ferimentos de indígenas, mas afirmou que policiais "foram torturados com socos, chutes e pauladas". 

"A viatura policial foi depredada pelo grupo de, aproximadamente, cinquenta indígenas. A situação foi contornada com a chegada de um pastor evangélico que atua na reserva indígena e que interviu em favor dos policiais militares, que ficaram em poder dos índios por cerca de duas horas. Eles foram transportados pelos bombeiros para atendimento médico e não correm risco de morte", disse a associação. 

Visita da ONU 

Durante a visita ao Brasil, em março, a relatora especial da ONU afirmou que "chorou várias vezes". 

"Este jovem falando comigo me contou como sua casa foi queimada por homens armados a serviço dos latifundiários que querem despejar os terena de suas terras ancestrais. A reunião com o Conselho Terena e também com os guarani-kaiowá me fez chorar várias vezes", disse. 

"Quando esse homem estava falando ele chorou, eu chorei e muitos daqueles na sala também. Ele disse que tem quatro crianças e é constantemente ameaçado. Ele não sabe quanto tempo vai viver por causa de todas essas ameaças contra a sua vida." 

Segundo as Nações Unidas, 92 indígenas foram assassinados no país em 2007. Em 2014, o número saltou para 138 - o Mato Grosso do Sul foi o recordista de registros. 

De acordo com a especialista, as execuções seriam fruto de represálias pela reocupação de terras após "longos períodos de espera da conclusão dos processos de demarcação". 

Em todas as suas falas, a filipina alertou para a falta de representatividade destes povos no Legislativo brasileiro.

"Se o Congresso é dominado basicamente por pessoas que gostariam de adquirir as terras para seus próprios interesses, então haveria poucas chances de as populações indígenas terem seus direitos a suas terras reconhecidos e protegidos. Essa é uma preocupação muito séria minha", disse Tauli-Corpuz. 

"Povos indígenas jamais podem ser considerados obstáculos ao desenvolvimento. Eles contribuem para o desenvolvimento nacional do Brasil e também para superar a crise ambiental que o mundo está enfrentando hoje", prosseguiu a especialista.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Iremar Antonio Ferreira: SOMBRAS SOBRE NÓS!

Tem cheiro de fumaça no ar...
É mês de junho! 
Será fogueira de São João? 
Não...!?

É cheiro de carne humana queimada...
pode ser de uma criança indígena Kaiowá...
pode ser cheiro da queima de mais um tekohá...
pode ser cheiro de gente, de fogueira, de tekohá...
mas o que tem a ver comigo isso tudo?
É mais um golpe no Brasil, ou mais uma rajada!
rajada de espingarda ou revólveres de grosso calibre...
o alvo, áh, o alvo são indígenas Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.
Quem atirou!

Quem atirou foi o latifundio, os pistoleiros, os fazendeiros, os políticos...
Atiraram de Brasília, do MS, de Caarapó...
atiraram sem dó...nem piedade...
Atiraram contra uma multidão de pessoas Guarani Kaiowá...
O que eles queriam ajuntados assim?
Esqueceram que se juntar mais de dois é sinal de trama contra os ditadores...
Repressão é o nome usado para dispersar agitadores...
Eram mais de mil indígenas...
Discutiam o futuro deste povo numa terra onde a lei é a dos POLÍTICOS do MS;
mas também de artistas globais, cantores, empresários...

Cloudione Rodrigues Souza foi morto neste dia 14 de junho de 2016...
coincidência à parte, ele morreu no dia do aniversário do revolucionário Ernesto Guevara de la Sierna ou simplesmente Che Guevara...
Cloudione estava lutando por direito à terra! 
Cloudione também cuidava da saúde de seu povo, à exemplo do médico Che!

Cloudione foi assassinado por fazendeiros...
Che Guevara pelas forças policiais bolivianas com medo de sua articulação com campesinos na Bolívia...
A Luta pela Terra em comum...

Cloudione e o Povo Guarani-Kaiowá, Terena entre outros...
O Tekohá TeyiJutsu atacado por mais de 70 fazendeiros não será apagada pelo fogo...
As crianças queimadas e os desaparecidos feridos contabilizam ao Brasil como o País que, a mais de 512 anos tenta exterminar seus povos originários...
Mas não conseguirão!

A resistência secular dos Povos Indígenas do Brasil, da América Latina e do Mundo inteiro é mais forte que o Império da Morte...!

Onde cada indígena tomba nasce uma árvore... 

Iremar Antonio Ferreira
Instituto Madeira Vivo - IMV

Graduado em História - UNIR
Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente - PGDRA/UNIR
Educador Popular

terça-feira, 14 de junho de 2016

Nota do Cimi sobre o Massacre de Caarapó e o assassinato do Guarani e Kaiowá Clodieldo de Souza

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi denuncia e repudia a ação paramilitar realizada por fazendeiros contra famílias do povo Guarani-Kaiowá, do tekohá Tey Jusu, na região de Caarapó, no estado do Mato Grosso do Sul, nesta terça-feira, 14, que resultou no assassinato do jovem Clodieldo de Souza Guarani-Kaiowá, 26, além de ao menos seis feridos à bala, inclusive uma criança de doze anos baleada no abdômen.

Constatamos, com preocupação, que ações paraestatais realizadas por setores do agronegócio tem sido recorrentes no Mato Grosso do Sul. Desde agosto de 2015, quando foi assassinado o líder Simeão Vilhalva, no tekohá Nhenderú Marangatu, foram registrados mais de 25 ataques paramilitares contra comunidades do povo Guarani-Kaiowá no estado. Demonstrando profundo desrespeito ao Estado de Direito e agindo na completa impunidade, latifundiários têm optado pela prática corriqueira da “injustiça pelas próprias mãos” no estado.
Consideramos que a atuação de parlamentares ruralistas na tentativa de aprovar proposições legislativas, como a PEC 215/00, e no âmbito de Comissões Parlamentares de Inquérito, como a CPI do Cimi e a CPI da Funai/Incra, contribuem para aprofundar o sentimento de ódio aos indígenas, agravando ainda mais a situação de violência contra os povos originários no Brasil e, de modo especial, no Mato Grosso do Sul.
O Cimi solidariza-se com os Guarani-Kaiowá, especialmente com os familiares da liderança assassinada e dos feridos, e exige que o Ministério da Justiça tome providências imediatas e efetivas a fim de fazer cessar os ataques paramilitares contra comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, bem como, para identificar e punir os assassinos de mais uma liderança indígena daquele estado.
Causa vergonha nacional e internacional ao Brasil o fato de setores do agronegócio exportador de commodities agrícolas continuar assassinando líderes de povos originários de nosso país.
O genocídio Guarani-Kaiowá avança pelas mãos do agrocrime no Mato Grosso do Sul.

Brasília, 14 de junho de 2016
Conselho Indigenista Missionário – Cimi

segunda-feira, 13 de junho de 2016

CIMI SUL: Repúdio ao ataque contra comunidade Guarani, em Guaíra, Paraná


Nota do Conselho Indigenista Missionário - Regional Sul




O Conselho Indigenista Missionário vem a público denunciar e repudiar as violências contra um grupo de famílias Guarani, do Tekoha Mirim, no município de Guaíra, estado do Paraná. Os indígenas ocuparam há alguns dias uma pequena porção de terra dentro de uma área de reserva legal, localizada nos fundos de uma fazenda onde se produz milho e soja transgênicos. Os indígenas reivindicam há décadas, junto a Fundação Nacional do Índio, a demarcação da terra ocupada.

Os relatos de lideranças Guarani dão conta de que na tarde de quarta-feira, 08 de junho, fazendeiros, acompanhados de centenas homens e mulheres, invadiram o acampamento, entraram nos barracos de lona e capim, agrediram, ameaçaram, intimidaram os indígenas e os expulsaram do local. Depois atearam fogo no acampamento, fazendo queimar inclusive pertences das famílias – roupas, calçados, alimentos e utensílios de cozinha. Não bastasse toda essa violência, os indígenas relatam que os invasores ainda mataram galinhas e afugentaram animais de estimação. Além de a ação ser descabida, pois não havia nenhuma determinação legal para a desocupação da área, denota um extremo ódio contra aquela pequena comunidade.

Segundo informações das lideranças que estavam no local, que são corroboradas pelas imagens registradas por aparelhos celulares e disponibilizadas nas redes sociais, as ações são ainda mais graves pelo fato terem sido praticadas a revelia da justiça e da legalidade: o acampamento foi invadido sem haver determinação judicial para que se procedesse à desocupação da área – e, ainda que houvesse uma ordem judicial, os indivíduos que lá estavam não são autorizados a executá-la; não apenas violaram domicílios e agrediram uma comunidade indefesa, na qual havia mulheres e crianças, mas também destruíram patrimônio, atearam fogo em pertences dos indígenas, afugentaram animais de estimação. Trata-se de ações graves, passíveis de severas penalidades. Espera-se, portanto, uma ágil intervenção do Poder Público, para investigar e punir aqueles que participaram – agredindo diretamente pessoas e animais ou assistindo a estes atos e, desse modo, também deles participando. Evidências dessas ações não serão um problema, posto que existem registros nos quais os agressores podem ser reconhecidos.

Infelizmente este não é um ato isolado, não diz respeito à ação de um único grupo que ignora o ordenamento jurídico e pensa ser legítimo para fazer justiça com as próprias mãos. O Cimi alerta o Poder Público acerca do clima de perseguição e criminalização contra os grupos mais vulneráveis – em especial os indígenas e quilombolas – que lutam pela garantia de direitos humanos fundamentais, como a demarcação das terras, ao emprego e a moradia. Alerta, ainda, para a insegurança jurídica que esse tipo de ação gera e faz proliferar, e que decorre da omissão e negligência das autoridades públicas. Têm ocorrido, com grande regularidade, casos de agressão contra indígenas e comunidades, em nome de uma suposta ordem, que esconde a tentativa de manutenção de privilégios por parte de segmentos historicamente favorecidos.

Esse fato grave deve ser visto e analisado dentro de um contexto político de tentativa de desqualificação dos direitos constitucionalmente assegurados aos indígenas e quilombolas. E, portanto, pode também ser analisado como consequência dos discursos feitos por parlamentares ruralistas no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito/CPI da Funai e Incra. Uma CPI que parece ter sido instituída para investigar, perseguir e criminalizar os agentes públicos e outros atores e lideranças sociais que se dedicam à luta pela garantia dos direitos indígenas e quilombolas. Comprova-se a intencionalidade de alguns integrantes desta comissão, a partir do modo como eles conduzem suas reuniões, audiências e diligências externas. Nota-se, pelas manifestações de parlamentares que há prejulgamento contra os que defendem as demarcações de terras e uma pré-disposição de instigar a animosidade e os conflitos nas regiões onde terras estão sendo reivindicadas ou demarcadas. A CPI, quando autoriza e convoca as audiências públicas para tratar do objeto da investigação, a ação do Incra e da Funai, os parlamentares ruralistas excluem os principais interessados, os indígenas e quilombolas. Transformam, com isso, as audiências que deveriam ser públicas, em palanque eleitoral junto aos segmentos sociais, sindicais, políticos que defendem exclusivamente os ocupantes e invasores de terras indígenas e quilombolas.

É inegável que a atuação parlamentar da bancada ruralista contribui para o aumento dos conflitos. Infelizmente temos presenciado, com maior frequência, ações antiindígenas em Mato Grosso do Sul, no Maranhão, na Bahia, Tocantins, Pará, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, exatamente nos estados por onde as comitivas de deputados e assessores da CPI têm atuado ao longo dos últimos meses.

Os Guarani, assim como os demais povos indígenas, esperam que a justiça seja feita – não para ver recair sobre seus agressores o mesmo sofrimento que lhes foi imposto, mas para poder continuar confiando na justiça "dos brancos", e nas instituições democráticas. É preciso que se entenda que os povos indígenas não desistirão de suas terras. Eles prosseguirão em sua mobilização e luta pela regularização de suas áreas, pois confiam que aquilo que se registrou no texto constitucional não é mera retórica, nem letra morta. 

O Cimi presta solidariedade aos Guarani, privados de viver em suas terras tradicionais e, ainda mais, golpeados, desrespeitados e agredidos física e verbalmente por quem acha que, do alto de sua arrogância, imaginam que podem ignorar instituições, passar por cima de direitos constitucionais e humanos dos povos indígenas, expulsá-los e roubar-lhes a disposição de lutar por seus direitos.

Mas, por mais que a arrogância de fazendeiros os impeça de ver as violências praticadas, o fato de agredir e ameaçar seres humanos, matar os seus animais e destruir seus pertences constitui-se em crimes graves. Lembramos aqui de um importante líder religioso do Povo Guarani, Karaí Adolfo, que costumava dizer, em seus conselhos dirigidos aos mais jovens e para os que lhe visitavam em sua aldeia, na área de Varzinha/RS, que se os juruá –os brancos- matarem os Mbya estarão promovendo não tão somente crime, mas a destruição de toda a terra.

O ataque contra famílias Guarani indefesas, vivendo em situação de vulnerabilidade, numa pequena porção de terra, situada dentro de uma área de reserva legal, é sinal de desrespeito à dignidade humana e de injustiça extrema. E sobre estes que agiram criminosamente recairá, certamente, alguma forma de punição. O Cimi une-se aos Guarani na certeza de que a Justiça prevalecerá. Une-se as suas lutas pela demarcação e garantia das terras.

Chapecó, 11 de junho de 2016.

Conselho Indigenista Missionário-Regional Sul

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Por uma reforma política em defesa da democracia - sem golpes.

Fala na Assembléia Legislativa do Acre
Com os nervos a flor da pele assisto na TV, jornais, revistas e nas redes sociais grupos e pessoas se digladiando e todos afirmam defender a democracia, o Brasil...

Naturalmente não preciso chamar a atenção para os desvios históricos que ambos os grupos tomam como sendo verdadeiros. O primeiro atribuo mais aos de "azul" que aos de "vermelho" que é o fato de atribuir ao PMDB a redemocratização do pais. Segundo os defensores dessa insanidade histórica o PMDB foi quem restabeleceu a democracia por dois motivos, Sarney assume depois do falecimento do Tancredo durante um momento crucial da redemocratização que foi a campanha pelas diretas e, finalmente o primeiro governo civil depois dos seguidos governos militares e também por causa de Ulisses Guimarães que teria "conduzido" o processo constituinte. Bem, a história, portanto, tem sido fraudada desde sempre.

O que se seguiu foram governos que, segundo a tese em vigor do golpe, seriam ou de direita ou ilegítimos. De direita nos casos de Collor e Fernando Henrique e ilegitimo e golpista com Itamar Franco. Isso dura até 2003 quando assume a presidência o Lula. No caso do Lula, tenho que recordar ao leitor, que ele chegou ao poder em coligação com o Partido Liberal que fez o vice José Alencar, que se reelegeria com Lula pra um segundo mandato.

Além de se coligar com um partido clara e declaradamente de direita, Lula, ainda em campanha em 2002, faz publicar o que chamou de "Carta aos brasileiros" onde faz uma guinada gigantesca à direita neoliberal, ao mercado. A Carta diz em um trecho:  

"Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país."

Com esse breve recordo histórico pretendo apenas demonstrar que a questão que se coloca no fundo é não a participação popular nos pactos pela governabilidade e pela democracia, isso em nenhum dos grupos políticos que ascenderam ao poder da república. Neste ponto portanto, mais uma vez, se igualam os direta de azul com os direita de vermelho. E se é para falar em golpe, todos são golpistas.

Os pactos sempre foram feitos entre o mercado e os partidos sem nunca considerarem o povo. A carta de Lula em 2002, carta aos brasileiros, na verdade foi uma carta ao mercado onde restabelecia o pacto garantindo que o povo não tomaria parte, mesmo que historicamente o PT vinha se projetando justamente por afirmar a necessidade de considerar o povo, as bases, neste pacto. O PT chega ao poder optando pelo pacto com os partidos e o mercado e menosprezando a força popular que só se via nos discursos populistas de sua principal liderança.

Esse pacto com os partidos e com o mercado começou a ser questionado em junho de 2003 quando uma massa foi às ruas dizer que "não me representam". Isso significava dizer dizer que o povo não estava representado no pacto e que exigia e cobrava sua participação neste pacto. Neste momento ruíram-se o pacto e a consequente representatividade. Portanto, um governo, qualquer governo, que não representa a vontade popular é um governo ilegítimo. A partir desta tomada de consciência, para o povo qualquer um dos candidatos que ganhasse  as eleições de 2014, seria ilegítimo mesmo que eleito pelo voto direto. A ilegitimidade estava justamente na ausência do povo no pacto para a eleição e consequente representatividade deste mesmo povo.

E como escolher entre dois ilegítimos? Logo após as manifestações de junho de 2013 a presidente Dilma foi à TV anunciar que faria uma consulta popular e proporia uma reforma política. Isso garantiu a ele uma maioria estreita mas suficiente para reelegê-la. Claro que também os tradicionais movimentos ligados ao PT foram às ruas e procuraram "garantir" que no "novo" governo a presidente Dilma finalmente iria ouvir o povo... Isso fez com que a maioria que, como disse, ainda que por estreita margem, reelegesse a Dilma. O que se revelou mais uma mentira e enganação. Mais uma vez o pacto foi feito com as elites, o mercado e os partidos, notadamente os de centro para a direita.

Se sentindo enganado, e de fato fomos, o povo volta a se manifestar e repudiar o novo pacto feito pelo governo com os partidos e o mercado. O lado derrotado nas eleições percebendo essa insatisfação popular, vê ai uma possibilidade de angariar e arregimentar militância, coisa que nunca tiveram, e ao mesmo tempo colher dividendos políticos e construir as bases para o impedimento da presidente eleita.

 O governo preferiu manter o pacto com as elites (aqui abro um parêntese para explicar que os sindicatos e seus gordos fundos também fazem parte da elite) e seguir fazendo fisiologismo em nome da "governabilidade". Como o povo seguia, e segue até o presente momento, sem nenhuma sinalização de que será ouvido, o campo para o impedimento está aberto e dificilmente se conseguirá reverter essa situação até mesmo porque existem elementos que só complicam ainda mais, não só o governo suspenso da Dilma como o do governo em exercício do Temer. Complicam os dois governos porque os dois governos fazem parte do mesmo pacto e, portanto, em nenhum deles o povo está representado. Elementos que complicam é que todos os membros do pacto, partidos, elites, mercado, estão envolvidos em corrupção, desmandos, acintes e deboches contra o povo. Quer dizer, em nome da governabilidade e do poder, perdeu os dois, a governabilidade e o apoio popular.

O fato é que, seja com a volta da Dilma, seja com a permanência do Temer, não haverá outra alternativa que não seja uma repactuação e dessa vez tem que passar necessariamente pelo "ouvir" o povo. Tem que haver uma consulta popular, convocação de uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política, já que com esses que ai estão e estão justamente por causa do pacto ilegítimo e, logo, são todos eles ilegítimos, não o farão, seja por não serem legítimos, seja por não terem moral e dignidade para tanto ou ainda por não desejarem nenhuma mudança. Somente após uma reforma política é que poderemos ter novas eleições e que de preferência antecipada em relação a 2018. O povo não vai esperar até 2018 para fazer as mudanças, fará nem que seja na marra.
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quinta-feira, 9 de junho de 2016

CPI do Genocídio: matam os índios e querem esconder o pau

Lei de genocídio: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Aos povos indígenas no Brasil, o Estado e suas esferas de poder parecem um monstrengo abominável. Menos de um mês após a entrega do relatório que tenta criminalizar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no estado, a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul apresentou o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio, isentando o estado de qualquer responsabilidade sobre as violências sofridas por indígenas no contexto do conflito fundiário na região. A tese central da CPI do Cimi foi acusar a entidade de manipular indígenas para ocuparem terras - ao mesmo tempo em que atribuía uma absoluta ausência da autonomia dos povos indígenas em suas movimentações na luta pela terra. O argumento não é uma novidade: na carta de 1500 ao rei português, Pero Vaz de Caminha descrevia os indígenas no Brasil como gente a ser domesticada, "argila moldável, uma tábula rasa, uma página em branco". Leia em PDF A afirmativa da CPI do Genocídio é ainda mais trágica: os indígenas não só são mentecaptos, segundo os deputados, mas também são os próprios responsáveis pela aniquilação de suas gerações, presentes e futuras. Para eliminar qualquer dúvida, de antemão, proibiu-se o uso da expressão "genocídio" durante as oitivas. O próprio título da CPI foi alterado, num acordo bizarro exigido pelos parlamentares ruralistas - em essência, os mesmos da CPI do Cimi, representando os interesses do agronegócio da região - ao presidente da Comissão, João Grandão (PT), sob ameaça de inviabilizar a investigação, prenunciando as manobras que viriam, para tornar o mais asséptico possível a sistematização dos dados coletados nos depoimentos. Os deputados sequer se envergonharam de proibir os indígenas de falarem em seus idiomas maternos. O trato com os indígenas remontava interrogatórios toscos de policiais de cinema. Oitivas importantes, como a dos procuradores do Ministério Público Federal (MPF) foram implodidas: os deputados desinteressados em ouvi-los (posto os procuradores desconstruiriam as principais teses anti-indígenas da CPI) simplesmente não se fizeram presentes, e a sessão foi cancelada. Estes depoimentos materializariam as ações e omissões do Estado de Mato Grosso do Sul, tipificando assim a situação dos povos indígenas como genocídio. Ignorar o MPF é um movimento importante, quando se trata de invisibilizar o que os indígenas têm a dizer. Quando era vice-procuradora geral da Republica, Déborah Duprat visitou a região de Dourados afirmou que a questão Guarani e Kaiowa, ali, apresentava-se como “talvez a maior tragédia conhecida na questão indígena em todo o mundo”. Ainda, as últimas empreitadas das lideranças do Conselho Aty Guasu em fóruns da Organização das Nações Unidas (ONU) tem aproximado cada vez mais o entendimento de que a crise humanitária vivida pelos Guarani e Kaiowa se associa ao conceito de genocídio estabelecido pela Convenção de Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio da ONU, de 1951 (sancionada no Brasil pela Lei 2889/56). Não é à toa que o Brasil tem recebido visitas sistemáticas de relatores deste organismo internacional sobre a questão indígena no Mato Grosso do Sul. Mas, afinal, o que dizer de tantos relatos apresentados pelos indígenas na CPI? Dorvalino Rocha, Marcos Veron, Oziel Gabriel, Rolindo Vera, Genivaldo Vera, Dorival Benites, Denilson Barbosa, Simeão, Nízio Gomes, Xurite e Oritz Lopes, entre tantos outros -, estes morreram de quê? As dezenas de famílias que denunciaram os ataques de jagunços contratados por fazendeiros estão simplesmente mentindo? A falta de comida, para os deputados, parece uma abstração. A falta de terra para o plantio - afinal, faltam-lhes as mesmas terras originárias que foram tituladas pelo próprio estado em algum momento da história -, soa o oposto a eles. A água podre impregnada de agrotóxicos que eles bebem, ora, não instalam filtros porque não querem! As escolas onde só se fala português, o racismo institucional é cotidiano, estes, estão na cabeça complexada do indígena com baixa auto-estima. Um ônibus escolar incendiado criminosamente: talvez não tenha acontecido. E, no entanto, tudo isso aconteceu e acontece. E acontece também que os poucos que denunciam estas atrocidades, que sugerem a existência de um genocídio permamente e prolongado contra as populações indígenas, estes estão brutalmente sofrendo a tentativa de serem silenciados pelo poder econômico cuja personalidade, no universo rural, é das mais brutas. Não tolera o outro. Falamos da lei de genocídio, aprovada no Brasil na década de 50 - lei, diga-se, que a CPI sequer considerou utilizar para a apuração técnica de fatos.. Esta lei tipifica genocídio da seguinte forma: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Não é muito afirmar que, através deste relatório, os gerentes do capitalismo na região tentam formalizar sua própria inocência, forjada na condução autoritária e racista das oitivas e na anti-sistematização dos dados exaustivamente apresentados ao longo da investigação por lideranças indígenas, pesquisadores, técnicos, indigenistas e servidores públicos. CPI do Cimi, CPI do Genocídio e CPI da Funai/Incra - todas atulhadas de legisladores ruralistas - têm figurado como uma arena espetacular de aniquilação de direitos e de de uma investida pelo desmonte do movimento indígena em luta, projetando liberar territórios tradicionais para a eterna empreitada do capital na expansão de suas fronteiras. Tudo porque, nestes territórios, justamente, vive-se um anticapitalismo inato, uma vontade e prática outras de produzir e reproduzir a vida. Outra ousadia não tolerada por muitos dos brutos donos do campo. A aprovação deste relatório, nestes termos, é um crime em cima de um crime. Mata-se os índios, e esconde-se o pau: estes, que os cachorros cacem, tentando descobrir onde está enterrado. Enquanto isso, a farsa, a nojenta farsa, essa continua. 9 de julho de 2016 Conselho Indigenista Missionário

terça-feira, 7 de junho de 2016

Barbara G. Walker: o estupro nosso de cada dia


“...Ao buscar o significado destas sensações no livro “A Velha - Mulher de idade, sabedoria e poder”,Walker revela o que existiu nas sociedades matriarcais e explica  por que as mulheres são violentadas, humilhadas e estupradas por homens que se dizem apaixonados e atraídos por elas. A autora, feminista, detalha fatos históricos. Pesquisa minuciosamente as razões que fazem tantas mulheres serem vítimas da violenta agressão do estupro. Desde sua capacidade de gerar vida até sua sabedoria esculpida na face com as rugas do tempo, esclarece por que o patriarcalismo tomou os espaços das poderosas matriarcas. O estupro parece ter sido o meio de as dominar e sobre elas exercer incontestavelmente seu poder...”


Por Amyra El Khalili*

O estupro é como um castigo; é o nosso “mea culpa” por termos nascido mulher.

Por mais de 30 anos desenvolvi atividades de danças étnicas árabes com diversos grupos de mulheres, que se mesclavam por crenças, cor e região. Conhecida no Ocidente como sedutora, a dança do ventre, entre outras danças árabes, mexe com o imaginário masculino e, nos corpos femininos, provoca sensações e despertares.

O que parece ser deslumbrante entre os ritmos e o desenrolar de movimentos durante as rodas nos exercícios aplicados é, na verdade, uma regressão ao inconsciente da mulher pelos amores vivenciados, por suas expectativas e, especialmente, seus muitos sofrimentos.

Ao buscar o significado destas sensações no livro “A Velha - Mulher de idade, sabedoria e poder”, Walker revela o que existiu nas sociedades matriarcais e explica  por que as mulheres são violentadas, humilhadas e estupradas por homens que se dizem apaixonados e atraídos por elas. A autora, feminista, detalha fatos históricos. Pesquisa minuciosamente as razões que fazem tantas mulheres serem vítimas da violenta agressão do estupro.

Desde sua capacidade de gerar vida até sua sabedoria esculpida na face com as rugas do tempo, esclarece por que o patriarcalismo tomou os espaços das poderosas matriarcas. O estupro parece ter sido o meio de as dominar e sobre elas exercer incontestavelmente seu poder.

A autora, em suas pesquisas, explora a face mais cruel da realidade humana. Mostra como as mulheres são excluídas das posições de destaque e como, os homens paridos e por elas criados, são capazes de as oprimir e massacrar, numa relação paradoxal de amor e ódio.

O estupro não se materializa apenas no ato propriamente dito. Vale-se de uma maneira mais letal e sutil: a palavra. Por ela, penetra sorrateiramente no inconsciente coletivo feminino e nele se aloja.

Os depoimentos de diversas mulheres durante as oficinas de dança revelam outras formas, não menos cruéis, como a abordagem que desqualifica o corpo, a estética, lhes rebaixa a moral e a dignidade. É evidente que a agressão física, como fato em si, é dolorosa; lamentavelmente, essa agressão, porém, não se limita ao aspecto físico. Nas rodas de danças há risadas, cantos, gritos, lamentos e choradeira. Quando a regressão encontra o ponto mais sensível do corpo, os sentimentos explodem e são compartilhados por todo o grupo. As mulheres se solidarizam, pois a dor de uma é a dor de todas Reagem em grupo como que em defesa da “espécie”.

Combater a cultura do estupro exige de todas nós muito mais posicionamentos políticos, críticas e ações proativas. Exige sobretudo apoio dos homens, além de reconhecimento e tratamento dos agressores, para reverter seus traumas e suas experiências, para curar uma chaga tão profunda na história que faz deles monstros.

Identificar a doença, suas causas e suas consequências é o primeiro passo para superarmos esse mal, que causa tantas vítimas e nos faz sentir culpadas por termos nascido mulher.

Referências:

WALKER, Barbara G.A Velha - Mulher de idade, sabedoria e poder. Tradução: Dinah de Abreu Azevedo. A Senhora Editora. 2001.
http://www.asenhoraeditora.com.br/catalogo.html#velha

EL KHALILI, Amyra. "Dança, Identidade e Guerra". Carta Maior, 2009.
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=4066

Assista: "Dança, Identidade e Guerra". Movimento Mulheres pela P@Z!
http://br.youtube.com/watch?v=E2ZutMOzRPA


Amyra El Khalili é Fundadora do Movimento Mulheres pela P@Z!. Ministra a oficina de danças étnicas árabes “Dança pela Água em missão de Paz” no Brasil e no exterior.