sexta-feira, 28 de julho de 2017

MÁFIA DA TORA NO ACRE

Foto: Lindomar Padilha - Foto tiras às 17 38 h. na Antônio da Rocha Viana,
 próximo à rotatória



Bastante sugestiva a frase de para-choque acima que tive o desprazer de fotografar semana passada, principalmente por ter sido tirada poucos dias de o governo do Acre realizar um encontro supostamente de avaliação da primeira etapa do programa REM/REDD que já consumiu 28 milhões de Euros. O programa tem o financiamento do banco KFW da Alemanha e baseia-se na capacidade supostamente demonstrada ´pelo governo do Acre em reduzir a degradação da natureza. 

Em post anterior eu escrevi:

Na segunda feira última, dia 17 de julho, o governo do Acre, suas secretarias ligas ao meio ambiente, suas ONGs (Organizações Neogovernamentais) e representantes do Banco KFW da Alemanha, realizaram um seminário para "avaliar" a primeira etapa do programa REM ( REDD Early Movers) - REDD ( Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal)  no Acre e anunciar o repasse de mais 28 milhões de EUROS para a segunda etapa.

Segundo o Governador do Acre, Tião Viana, do PT,  os povos indígenas receberam na primeira etapa o montante de 50 milhões de reais de um total de 100 milhões. A pergunta que ele não respondeu foi quais povos indígenas receberam este montante. Aliás, no que chamaram de avaliação da primeira etapa, viu-se mais propaganda das falsas soluções que avaliação propriamente dita. Como fazem avaliação sem que permitam o contraditório?

Pois bem, e como explicar o avanço da pecuária sobre áreas de florestas? Como explicar que o dito "manejo florestal sustentável comunitário" não funciona e, se funcionasse não seria comunitário e, ainda que funcionasse e fosse comunitário nunca seria sustentável. 

A verdade é o que expressa com bastante propriedade esta frase. Sim, estamos diante da máfia da tora aqui no Acre.




quarta-feira, 19 de julho de 2017

Indígenas fazem relação entre REDD, petróleo e mineração, tudo falsas soluções e parte da mesma farsa


Na segunda feira última, dia 17 de julho, o governo do Acre, suas secretarias ligas ao meio ambiente, suas ONGs (Organizações Neogovernamentais) e representantes do Banco KFW da Alemanha, realizaram um seminário para "avaliar" a primeira etapa do programa REM ( REDD Early Movers) - REDD ( Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal)  no Acre e anunciar o repasse de mais 28 milhões de EUROS para a segunda etapa.

Segundo o Governador do Acre, Tião Viana, do PT,  os povos indígenas receberam na primeira etapa o montante de 50 milhões de reais de um total de 100 milhões. A pergunta que ele não respondeu foi quais povos indígenas receberam este montante. Aliás, no que chamaram de avaliação da primeira etapa, viu-se mais propaganda das falsas soluções que avaliação propriamente dita. Como fazem avaliação sem que permitam o contraditório?

Neste vídeo os povos indígenas deixam claro que desconhecem esses valores e que não receberam nada e sequer foram consultados. Prova de que há muito de não dito nesta história. Há muito de farsa nessas falsas soluções. Alguém acredita mesmo que banco algum possa "doar" dinheiro, ainda mais nesse valor? Na verdade, amigas e amigos, o governo do Acre hipotecou os territórios indígenas e de comunidades tradicionais como parte da mercantilização e financeirização da natureza. Ao final, como sempre, estes povos pagarão a conta.

Não bastasse a hipoteca do a Alemanha segue firme para hipotecar também as terras no Mato Grosso e, como sempre, se apresentará como santos protetores do meio ambiente e preocupados com a vida dos povos que lá vivem. Lá como cá encontrarão sempre ONGs dispostas a vender a alma para conseguir recursos, ainda que sejam recursos manchados de sangue, e governos e políticos dispostos a vender até suas genitoras.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Nota Pública: De volta ao integracionismo?


Nos últimos anos a sociedade tem assistido a uma acelerada escalada de violência contra os povos indígenas no Brasil, diretamente relacionada a uma série de iniciativas no âmbito dos poderes legislativo, executivo e judiciário que visam à desconstrução dos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988. Trata-se, sem dúvida, do contexto mais adverso enfrentado por estes povos desde o processo de redemocratização do país e a consagração do direito originário dos povos indígenas sobre seus territórios, bem como à sua organização social, costumes, línguas e tradições – gravemente ameaçados nos dias de hoje. 

Se a incompatibilidade entre a Constituição Federal de 1988 e medidas como a PEC 215 e a Portaria 303 da Advocacia Geral da União (para citar duas dentre as dezenas de iniciativas anti-indígenas que têm se proliferado em anos recentes) já era flagrante, dois atos do Poder Executivo relacionados aos povos indígenas e quilombolas nos últimos dias parecem ter sido extraídos diretamente do Diário Oficial da União de décadas atrás, próprios do regime de exceção da ditadura militar no Brasil. 

A criação, em 6 de julho último, de um Grupo de Trabalho “com a finalidade de formular propostas, medidas e estratégias que visem à integração social das comunidades indígenas e quilombolas” guarda notável semelhança com os ideais integracionistas da doutrina de segurança nacional. A simples criação do GT nestes termos já seria assustadora, por remeter à perigosa associação com paradigmas aculturativos, há muito tempo abandonados pela antropologia e pelo indigenismo oficial, e em total desacordo com os princípios instituídos pela Constituição de 1988. .Em função de fortes críticas dos movimentos indígenas e indigenistas e de imediata manifestação do Ministério Público Federal, a referida portaria foi reeditada em 13/07/17 simplesmente substituindo o termo “integração social” por “organização social”. Ou seja, a emenda ficou ainda pior que o soneto, pois formular propostas para a organização social de povos indígenas e quilombolas continua mantendo uma clara perspectiva intervencionista e etnocêntrica do Estado sobre essas populações, que não consegue esconder as reais intenções e objetivos do GT. E todas as objeções colocadas pelo documento do MPF continuam sem resposta na “nova” portaria.

Reforça ainda mais essa iniciativa totalmente inconveniente e inconsequente o fato do GT ser composto quase exclusivamente por membros de órgãos de segurança e desprovido da presença de qualquer instituição que atua com as comunidades quilombolas, embora estas sejam também objeto do Grupo de Trabalho. O prazo exíguo para a elaboração e apresentação do plano de trabalho (15 dias) e do relatório do GT (30 dias após aprovação do plano de trabalho) também demonstra claramente que não se prevê nenhum tipo de consulta aos povos e comunidades afetados pelas “propostas, medidas e estratégias” advindas do GT, em flagrante desrespeito à Convenção 169 da OIT.

O segundo ato, publicado seis dias após a criação deste GT, foi a efetivação do general Franklinberg Ribeiro de Freitas na presidência da Fundação Nacional do Índio, cargo que vinha ocupando interinamente desde 9 de maio de 2017, apesar de inúmeros protestos por parte dos povos e organizações indígenas. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Em entrevista coletiva por ocasião de sua exoneração, o antecessor do general, Antônio Fernandes Toninho Costa, afirmou que o órgão vive “uma ditadura que não permite o presidente da Funai executar as políticas constitucionais”. Paradoxalmente, o pastor evangélico Toninho Costa havia sido indicado pelo mesmo Partido Social Cristão (PSC) do general Franklinberg. As graves denúncias feitas por ele escancaram a utilização da Funai como moeda de troca pelo governo Temer e a subordinação da política indigenista aos interesses da bancada ruralista no Congresso Nacional. O Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), criado em 2015 e instalado em abril de 2016, fez apenas duas reuniões e não houve mais nenhuma iniciativa do MJ em convocar novas reuniões do Conselho, num flagrante desrespeito às organizações indígenas. Também é digno de nota o fato do governo federal não ter feito nenhum movimento até o momento para implementar as resoluções aprovadas durante a Conferência Nacional de Política Indigenista, por ele mesmo convocada em 2015. 

O discurso da integração e da assimilação da ditadura militar serviu para legitimar, nos campos jurídico e teórico, a usurpação das terras indígenas sob o pretexto da perda da identidade desses povos. Vale ainda lembrar que foi justamente esse discurso integracionista que justificou a ideia de “emancipação”, defendida pelos militares no final dos anos 1970, o que motivou forte resistência dos povos indígenas e da sociedade civil. Preocupadas com o processo de militarização e enfraquecimento da Funai, e com os contínuos ataques aos direitos indígenas, as organizações abaixo assinadas repudiam publicamente a criação do referido GT e exigem sua imediata revogação.
 
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE)
Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL)
Conselho Terena
Comissão Guarani Yvyrupá
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira  (COIAB)
Grande Assembleia do Povo Guarani (ATY GUASSU)
União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB)
Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIC)
Associação Terra Indígena Xingu (ATIX)
Associação Wyty-Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins (Wyty-Catë)  
Conselho Indígena de Roraima (CIR)  
Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina)
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn)
Hutukara Associação Yanomami (HAY)
Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiac)
Organização Geral Mayuruna (OGM)
Operação Amazônia Nativa (OPAN)
Associação Nacional de Ação Indigenista – ANAÍ
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Comissão Pró-Índio de São Paulo – CPI-SP
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Instituto Catitu
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – IEPÉ
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
RCA – Rede de Cooperação Amazônica
Associação Brasileira de Antropologia – ABA
Coletivo de Profissionais de Antropologia - aPROA

quarta-feira, 12 de julho de 2017

OFFSETS FLORESTAIS: nome pomposo para mais uma faceta das falsas soluções

Carta em defesa da posição histórica do Brasil sobre offsets florestais

Ao longo dos 23 anos de existência da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, muitas propostas surgiram como solução à crise climática. A inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono (offsets) é uma dessas. Desde que as primeiras propostas sobre o tema foram apresentadas, inúmeras organizações e movimentos sociais, ONGs, representantes de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais no Brasil e no mundo vêm apontando preocupações e denunciando o que se convencionou em chamar de falsa solução à crise do clima.

No atual contexto das negociações internacionais e da conjuntura nacional, alguns atores têm usado o momento de negociação de implementação do Acordo de Paris, a crise política e a turbulência econômica pela qual o país e o mundo passam como pretexto para demandar medidas a favor de offsets. As organizações signatárias desta carta vêm tais proposições com preocupação, e defendem a manutenção do posicionamento histórico do Brasil contra offsets florestais, concordando que qualquer mudança nesse sentido colocaria em risco a integridade ambiental do país e do planeta, além do cumprimento das responsabilidades históricas por parte de países desenvolvidos, e a arquitetura do Acordo de Paris.

Por que os offsets florestais são uma falsa solução?
  1. Apresentam uma falsa equivalência entre o carbono proveniente dos combustíveis fósseis, que está acumulado debaixo da terra, e aquele que é acumulado pelas florestas. A capacidade que árvores e ecossistemas têm de remover e fixar carbono da atmosfera é muito mais lenta que o ritmo de emissões quando se queima combustíveis fósseis, e o carbono acumulado em florestas é vulnerável a desmatamentos e queimadas.
  2. Servem como incentivo para países segurarem a ambição de seus compromissos. O Acordo de Paris é baseado em compromissos nacionais determinados voluntariamente por cada governo, e só cortes de emissões que vão além desses compromissos poderiam ser comercializados em mercados de offsets. Com offsets, quanto mais baixos fossem os compromissos nacionais, mais sobraria para vender, criando um estímulo para a baixa ambição.
  3. Não trazem benefício adicional para a redução de emissões, porque é um jogo de soma zero. Nunca são reduções efetivas, pois o que há é a compensação. O que se reduz por meio da não emissão florestal continua sendo emitido em outro setor.
  4. Transferem a responsabilidade que deveria ser de setores que vêm contribuindo para a crise climática para quem sempre protegeu as florestas: povos indígenas, populações tradicionais, agricultores familiares e camponeses. 
  5. Aprofundam e geram novas formas de desigualdades, já que quem tem dinheiro e poder pode pagar e continuar emitindo sem fazer a sua parte. O conceito de poluidor-pagador, criado inicialmente para pressionar os países e setores a reduzir sua poluição, é capturado por quem pode continuar poluindo desde que pague por isso.
  6. Hipotecam as florestas para cumprir as dívidas de venda de créditos de redução de emissões. Para isso, são firmados compromissos de décadas, que implicam também na hipoteca do futuro de milhares de pessoas que já nascerão sem que o Estado e os povos em seus territórios possam ter a soberania sobre qual política e ações poderão ser criadas para a proteção e uso de seus bens comuns.
  7. Abrem espaço para governos e outros atores tirarem o foco das discussões da redução da queima de combustíveis fósseis, que representam cerca de 70% do total mundial das emissões de gases de efeito estufa – e ainda em trajetória de crescimento – para as florestas.
  8. Tiram o foco do enfrentamento aos reais problemas florestais nacionais promovidos por grupos de interesse que querem enfraquecer as políticasde proteção florestal no país, e ainda alimentam o discurso de quem quer solapar a legislação ambiental brasileira.
No âmbito internacional, há pelo menos duas décadas a posição negociadora brasileira na convenção tem sido caracterizada pela rejeição da inclusão das florestas em mecanismos para compensar as emissões de gases de efeito estufa lançadas na atmosfera por setores como energia e transporte.

No âmbito nacional, vemos uma conjuntura de retrocessos nas leis e políticas que garantem a proteção dos direitos territoriais e do meio ambiente. No meio dessa crise e ofensiva, retorna o discurso de que a compra e venda de carbono florestal seria uma solução para o enfrentamento do desmatamento que vem crescendo e para a captação e recebimento de recursos necessários para vigilância e monitoramento. Isso vem aliado a esforços para reconfigurar a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+) e o Fundo Amazônia de forma que também abririam espaço a offsets. Por mais que o discurso pareça atraente, os argumentos acima mostram que se trata da defesa de uma falsa solução, voltada a beneficiar um pequeno grupo de atores (aqueles que continuariam emitindo gases de efeito estufa ou receberiam recursos mobilizados), mas traria graves conseqüências para o Brasil e o mundo.

Não podemos desviar a atenção das verdadeiras soluções e das políticas necessárias de enfrentamento à crise climática.

Por isso, demandamos a manutenção do posicionamento histórico brasileiro contra offsets florestais. 

Assinam:

Amigos da Terra Brasil
Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins - APA-TO
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Articulação Nacional de Agroecologia - ANA
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - APOINME
Associação Agroecológica Tijupá
Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia - AOPA
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN
Cáritas Brasileira
Central de Movimentos Populares – CMP
Central Única dos Trabalhadores - CUT
Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária - CEAPAC/Santarém/PA
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará - CEDENPA
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares – CONTAG
Conselho Nacional dos Seringueiros – CNS
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ
Engajamundo
Fórum da Amazônia Oriental - FAOR
Fase - Solidariedade e Educação
Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional - FBSSAN
Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense - FMAP
Fórum Mudanças Climáticas Justiça Social - FMCJS
Greenpeace Brasil
Grupo Carta de Belém
Iniciativa Internacional da Carta da Terra (Leonardo Boff)
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Políticas Alternativas para o Conesul - PACS
Jubileu Sul Brasil
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento de Mulheres Camponesas - MMC
Marcha Mundial das Mulheres - MMM
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desastres - NEPED/UFSCar
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Rede Ecovida de Agroecologia
Sempreviva Organização Feminista - SOF
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Belterra - STTR/Belterra
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém - STTR/STM
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Mojuí dos Campos - STTR-MC/PA
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Alenquer - STTR/ALQ
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH
Sociedade Civil da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT
Terra de Direitos
350.org
Via Campesina Brasil
Vigência!

sábado, 8 de julho de 2017

Professor Elder: A história da farsa e as falsas soluções


O professor Elder é muito lúcido e mostra toda essa lucidez neste video gravado durante o encontro "os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais", realizado em Xapuri, ironicamente a terra de Chico Mendes. Chico é um importantíssimo personagem na história de defesa dos territórios mas teve sua própria história e imagem usurpadas pelo chamado governo da floresta e a farsa que gerou as falsas soluções da economia verde.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Agora todo fazendeiro tem o CAR", diz indígena ameaçado em Boca do Acre

Por Alceu Luís Castilho - De Olho nos Ruralistas

Antonio Apurinã é um dos brasileiros marcados para morrer; ele conta que Cadastro Ambiental Rural está sendo invocado para regularizar terras griladas.

Um indígena ameaçado de morte no sul do Amazonas conta que os grileiros estão usando o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para expulsar quem estiver no caminho. Em entrevista ao De Olho nos Ruralistas, Antonio José Apurinã de Souza, 51 anos, conta que, em Boca do Acre, colocaram no rádio que estavam fazendo recadastramento. "Agora todo mundo tem CAR", diz. "Por isso que entram, porque o Terra Legal liberou essas terras".
Antonio Apurinã está entre as dezenas de brasileiros marcados para morrer por conflitos no campo. Entidades de direitos humanos e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) elaboraram uma lista provisória, em março. Mas ela não pode ser divulgada, por motivos de segurança. Apurinã foi um dos que se dispuseram a falar com o observatório, por considerar importante a repercussão na imprensa.
Pelos dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), Boca do Acre tinha, em dezembro, 13.073 hectares declarados por proprietários com sobreposição em Terras Indígenas. O De Olho conta, desde quarta-feira (28/06), a história de um país fictício que se revela a partir dos dados do CAR. O Amazonas lidera o ranking de sobreposição. Confira a primeira reportagem da série: " Proprietários rurais declaram 15 milhões de hectares em Terras Indígenas e Unidades de Conservação ".
Até um deputado estadual paulista possui terras em Boca do Acre, município com o maior rebanho da Amazônia, estimado em 350 mil cabeças, e alvo de desmatamento. É Roberto Massafera (PSDB), ex-prefeito de Araraquara. Com um patrimônio de R$ 5 milhões, ele informou ao Tribunal Superior Eleitoral, em 2014, possuir 50% de uma gleba com 3.998 hectares em um seringal chamado Santa Apolônia.
Antonio Apurinã preside o Conselho de Organização do Povo Apurinã e Jamamadi. Mora em uma das Terras Indígenas ainda não demarcadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Ele fez seu depoimento ao observatório em março, em Rondônia, para onde viajou exatamente por ser um dos ameaçados de morte na Amazônia. Confira abaixo:
"Nasci em 1966 na Terra Indígena Valparaíso. Em uma gleba de 56 mil hectares, terras da União. Em 1988 meu avô já contava que o pai morou lá, está enterrado lá. Em 1991, observamos que íamos perder todas as terras. Tiravam madeiras. Em frente da aldeia, a Comunidade Nova Vida. Tudo terra que era nossa. A Secretaria do Patrimônio da União, o Instituto de Terras do Amazonas e o Terra Legal colocaram na rádio, em Boca do Acre, que governo estava fazendo recadastramento. Por isso que entram, porque o Terra Legal liberou essas terras.
Funai reivindica a terra. Esses 56 mil hectares. De 1991 para cá estivemos três vezes em Brasília, duas vezes em Manaus, tivemos quatro audiências públicas em Boca do Acre. Identificaram quatro Terras Indígenas no município, entre elas a TI Valparaíso, onde eu moro. Mesmo assim, com cadastro do Terra Legal, todo mundo já tinha suas localidades. Mas quem morava na cidade se cadastrou também. Sabiam que uma delas era homologada pelo governo federal e que era TI. Em três dias cadastraram 2 mil pessoas. A gente quebrava castanha, tirava seringa, colhia açaí. Foi aí que começou a destruição da comunidade Valparaíso.
Pelo Lopes, pelo Japonês, pelo Amorim, que era senador aqui em Rondônia. Teve um que se candidatou a vereador e levou ônibus com pentecostais para invadir essa terra. Dentro da área indígena. Com 306 famílias, cada uma com lotes de 500 x 200 metros. Levaram de má fé. A gente tinha 200 pessoas. A maioria foi embora, porque não se dá com o gado, com usuário de motosserra.
Na fazenda União, do Tonizinho, eles estão cadastrados no sindicato rural. Se dizem pequenos agricultores. Eles vão de outras localidades. Plantam capim. Eles têm o CAR. Não têm o direito de vender. O fazendeiro só emenda e vai crescendo.
Um vereador é quem causa mais problemas. Tem três áreas de 100 hectares de frente. Proibiu nossa passagem. Na nossa Aldeia Maloca ele fica atirando, para não irmos para o Igarapé Retiro. É ele quem tira madeira, leva companheiros para pescar, caçar, dentro das nossas terras. Esse é quem me ameaça.
Mandam a gente tomar cuidado. Desde 1991 a gente não mais à tarde, não anda sozinho. Ontem fiquei admirado de ver o músico tocando [estávamos em uma reunião que se encerrou com um show], pois não posso mais sair. Em 2007, queimaram minha casa.
Só morávamos na Aldeia Maloca. Quando eles chegaram a gente se espalhou, para Aldeias Macuã, Juari, Pajaú, Canudo Novo e Canudo Velho. No Igarapé Preto. O Ministério Público tem conhecimento. Foi lá pessoalmente. O prefeito antigo nunca foi numa reunião indígena.
O vereador foi um dos primeiros que entraram para fazer o CAR. É o Idam (Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal) que faz, no Amazonas. Agora todo mundo tem.
Eu queria comprar um computador para ter uma rede social minha. Não tenho nem computador velho. Nós não podemos divulgar nosso conhecimento, nossa cultura. A gente não se expressa porque ninguém dá o direito. Está à mercê da sorte".
O trecho abaixo fez parte de uma fala de Antonio Apurinã em público, durante  reunião em Rondônia. Foi logo antes da entrevista ao De Olho nos Ruralistas:
"Quem está acabando com os povos indígenas é a pecuária. Desde 1988 a demarcação da terra indígena está parada. A cada dia que passa a gente perde a nossa floresta, flora e fauna. E o nosso povo. Pecuarista tem dois, três advogados e o indígena como eu nem sei como coloco [comida] em cima da mesa. Estamos em 3 mil hectares. O resto está tudo invadido - e pelo Terra Legal, pelo SPU. O direito do fazendeiro é o dinheiro"