terça-feira, 29 de julho de 2014

Carta de Fortaleza

Os movimentos sociais e representantes de organizações da sociedade civil do Brasil, Rússia, India, China, África do Sul, Moçambique, Uruguai, Paraguai, Peru, Argentina, Colômbia, Estados Unidos e Alemanha e, reunidos em Fortaleza no período de 14 a 16 de julho de 2014, realizamos os Diálogos sobre Desenvolvimento na Perspectiva dos Povos. Tomando como fato político a reunião da VI Cúpula dos BRICS, cujas decisões influenciam de forma considerável a realidade dos povos do Sul, fizemos um esforço de mobilização, desde um campo crítico ao desenvolvimento proposto pelo BRICS. Visávamos fortalecer visibilidade e aproximação entre nós.

Apesar das diferenças culturais, sociais, políticas e econômicas, e das distancias geográficas entre nós, os testemunhos das populações prejudicadas pelo desenvolvimento imposto aos povos, e das organizações presentes nesses diálogos identificaram-se nas experiências das violências capitalistas, patriarcais, racistas, etnocêntricas e homofóbicas. Observamos que as históricas desigualdades podem ser mais agravadas do que enfrentadas, com a formação do bloco dos BRICS.
                                                                                       
O modelo de desenvolvimento proposto pelos governos dos BRICS tem se baseado na extração intensiva da natureza, na concentração do poder e da riqueza e na adaptação jurídica e política das instituições aos interesses dos grandes mercados e no agravamento das injustiças sociais e ambientais. Desse modo provoca altos prejuízos às populações, como a perda e a contaminação de seus territórios (urbanos, camponeses e ancestrais) prejudicando o exercício de direitos básicos como a soberania alimentar, a saúde, a educação, o saneamento, a diversidade cultural e a participação política. Exemplos disso são os danos sociais e ambientais provocados pelas indústrias extrativistas de larga escala, como a mineração, o agronegócio e a exploração dos territórios de pesca artesanal no Brasil e na África do Sul; e os acordos e investimentos do Brasil e da China sobre Moçambique, India e África do Sul, prejudicando a vida das populações e comunidades locais.  

Identificamos e repudiamos outras perversas marcas desse modelo e seus efeitos sobre o cotidiano dos povos, tais como: a exploração do corpo, da sexualidade e do trabalho das mulheres, assim como o agravamento nos índices de violência doméstica; a negação e invisibilização das comunidades prejudicadas, e a inferiorização de seus diferentes modos de vida; os privilégios concedidos pelos governos às corporações, assim como as múltiplas formas de violações de direitos humanos cometidos por elas; a exploração e negação de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras; a militarização dos territórios; a criminalização e perseguição aos movimentos e militantes sociais; o incentivo ao consumismo exacerbado; a conivência e violências das grandes mídias, que torna cada vez mais urgentes os esforços para democratizar a comunicação.

Nos posicionamos contra os instrumentos econômicos e financeiros que repetem os modelos de dominação colonialista e estamos alertas ao Novo Banco de Desenvolvimento criado pelos países BRICS para financiar mega projetos que afetam gravemente as populações e os territórios nesses países. 

Nos posicionamos contra a criminalização da orientação sexual e das identidades de gênero e o recrudescimento dos fundamentalismos religiosos nos países dos BRICS.

Repudiamos a empresa FIFA e nos solidarizamos com todas as comunidades prejudicadas pelas políticas de mega eventos esportivos. Em especial mencionamos as comunidades e grupos sociais prejudicados pela Copa 2014 no Brasil, pela de 2010 na África do Sul e, possivelmente, pela de 2018 na Rússia.

Aproveitamos nosso encontro para manifestar solidariedade e conclamar aos movimentos sociais do mundo inteiro para uma mobilização massiva em apoio ao povo da Palestina e a manifestar repúdio ao Estado de Israel e seus apoiadores no massacre a esse povo. No momento, é fundamental um cessar fogo imediato naquele conflito.

Por fim, desejamos ampliar e aprofundar nossos diálogos para a construção de uma ação articulada dos movimentos sociais e sociedades civis organizadas dos países BRICS. Fazemos, assim, um chamado à mobilização, à organização e à articulação das organizações e movimentos sociais desses e de outros países a se mover nesse sentido. Para dar concretude a esse processo as organizações e movimentos que chamaram esse momento de diálogo e estiveram presentes em nossa plenária final se comprometeram a ajudar na comunicação entre nós e a na mobilização de outros sujeitos que queiram se somar. Consideramos esse, um esforço urgente de movimentação internacional para fazer ressoar as lutas populares e as transformações rumo ao mundo que queremos e que é necessário construir.


Fortaleza, de julho de 2014

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Morosidade, paralisação, redução de Terras Indígenas... Está na hora de um ponto final

O achincalhamento à Constituição Federal ganha matizes cada vez mais perversas e assustadoras no que diz respeito ao direito dos povos indígenas às suas terras tradicionais. Não bastasse o ataque violento e sistemático interposto pelo latifúndio, de matiz multinacional, nas figuras de seus conglomerados empresariais, bancada ruralista e entidades de classe, o capítulo “Dos Índios” da nossa Carta Magna vem sendo violado pela práxis do atual governo brasileiro.

Temos insistido que a ‘não demarcação’ potencializa e eterniza os conflitos e faz aumentar o nível de violações de direitos e violências, inclusive físicas, contra os povos indígenas. Tudo isso vem sendo ‘devidamente’ provado pela conjuntura político-indigenista em nosso país.

Há muito vimos falando da morosidade governamental na condução de procedimentos administrativos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Em si desrespeitosa, a morosidade “evoluiu”, recentemente, para uma situação mais gravosa de total paralisação dos procedimentos de demarcação. Temos observado, com tristeza e indignação, que ambas estratégias, no entanto, são apenas parte de uma “decisão de governo” muito mais ampla e mais agressiva aos povos indígenas.

A morosidade e a paralisação dos procedimentos de demarcação mostram-se como etapas ‘preparatórias’ da práxis, que já está em curso, da “redução das terras indígenas”. Nossa constatação é que as maiores vítimas dessa “decisão de governo” são os povos e comunidades que se encontram em situação de maior fragilidade sócio-política. Vejamos.

A morosidade nos procedimentos deixou dezenas de comunidades indígenas, durante anos a fio, em situação de extrema vulnerabilidade, muitas em acampamentos improvisados nas beiras de rodovias, em diferentes regiões do país. O governo visava, com isso, associar o conceito de demarcação, de acordo com o direito dos povos, à eternização de condições degradantes de existência dos mesmos.

Ao mesmo tempo em que agia com lentidão relativamente à implementação do direito dos povos às suas terras, o governo inflacionou os financiamentos subsidiados e incentivos aos setores político econômicos antiindígenas. Para se ter uma idéia disso, enquanto o orçamento da União para a ação ‘demarcação de terras indígenas’ manteve-se estagnado, girando em torno de 20 milhões de reais mal executados ao ano, os planos safra para o agronegócio saltaram de aproximadamente 20 bilhões, no início da década de 2000, para extraordinários 156 bilhões nesta última edição.

Assim, a paralisação nos procedimentos de demarcação anunciada pelo próprio governo em 2013 e reafirmada neste primeiro semestre de 2014, dá-se num contexto de marcante vulnerabilidade de muitos povos indígenas, por um lado, e de inconfundível fortalecimento de seus inimigos, por outro.

Como temos visto, a força política e econômica destes grupos tem sido cotidianamente sentida pelos povos indígenas, na forma de força bélica, por meio de discursos de incitação ao ódio, de leilões para contratação de milícias armadas, de despejos extrajudiciais, de ameaças a mão armada, de assassinatos, de invasão para exploração de recursos naturais das terras indígenas.

É neste contexto caótico e violento contra os povos que o governo brasileiro, por meio de agentes públicos, tem assediado lideranças e comunidades indígenas na perspectiva de que estas dêem seu “aceite” para propostas de redução de suas terras tradicionais. Como fica evidente, ao denominar essa prática de “mesas de diálogo”, o governo demonstra estar agindo desprovido de qualquer tipo de escrúpulo. Como pode haver diálogo ao redor de uma mesa onde uma das partes está com a “faca no pescoço”? Por meio de seu ministro da Justiça, o governo chegou ao ponto vexatório de denominar como “ajuste de direitos” o que efetivamente trata-se de explícita violação de direitos.

Vários são os casos de terras indígenas que se enquadram nessa fase de redução. Podemos citar, a título de exemplo, a Terra Indígena Mato Preto, do povo Guarani, no Rio Grande do Sul, com portaria declaratória assinada pelo ministro José Eduardo Cardozo em 2012, atestando a tradicionalidade de 4.230 hectares, cuja proposta é de redução para 600 hectares, e a Terra Indígena Herarekã Xetá, do Povo Xetá, no estado do Paraná, cujo relatório circunstanciado de identificação e delimitação inicialmente comprovava a tradicionalidade de aproximadamente 12 mil hectares e que foi publicado, no último dia 30 de junho, pela presidência da Funai, com 2.686 hectares

Caso também emblemático nesse contexto é o da Terra Indígena Cachoeira Seca, no estado do Pará. Declarada em 1993 como terra tradicional do povo Arara, de recente contato, pelo então ministro da Justiça Maurício Corrêa, com 760 mil hectares, foi reduzida durante o segundo mandato do govermundo@cimi.org.brno Lula, pelo então ministro da Justiça Tarso Genro, que assinou, em 2008, nova Portaria Declaratória para a mesma terra. Está situada na região de abrangência da UHE Belo Monte, cuja desintrusão, além de direito constitucional, é uma das condicionantes estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a concessão da Licença Prévia da hidrelétrica. No entanto, nem uma, nem outra determinação legal têm sido suficientes para que os Arara tenham o seu direito, líquido e certo, respeitado. Ao contrário, além de continuar intrusada, a terra indígena está sofrendo intenso processo de esbulho por parte de madeireiros instalados na região. Neste contexto extremamente adverso, chegou-nos a informação acerca de reunião realizada nessa quarta-feira, 23, envolvendo autoridades, invasores e indígenas para tratar acerca de proposta de mais uma redução da terra.

Os inimigos dos povos indígenas não estão em ‘recesso’ para a eleição que se avizinha. Eles estão ‘em campo’. Não é hora de baixar a guarda. No período eleitoral, a luta dos povos em defesa de seus direitos territoriais deve ser intensificada.

Morosidade, paralisação, redução de terras indígenas. Está na hora de um ponto final e somente os povos poderão sinalizá-lo.


Cleber César Buzatto

Licenciado em Filosofia
Secretário Executivo do Cimi

Fonte da notícia: Assessoria de Comunicação - Cimi

Sayed Hassan Nasrallah, do Hezbollah, Fala do Dia Mundial de Jerusalém

Dia Mundial de Jerusalém[1] 

A guerra terrorista de Israel contra Gaza, hoje, ocorre em contexto similar ao da guerra de Israel contra o Líbano em 2006, e contra Gaza em 2008. Em cada uma dessas vezes, qual o objetivo da guerra? Esmagar, humilhar, quebrar, impor a rendição, roubar armas, capturar cada ponto forte que temos, levar ao desespero, convencer-nos de que não há escolha exceto render-se a Israel. Mas em 2006 como em 2008, os resultados foram diferentes disso.  

Hoje mais uma vez, nós no Líbano e na atmosfera e na lembrança da guerra de julho de (2006), podemos compreender, assumir, sentir na pele e dar-nos conta completamente do que está acontecendo em Gaza e ao nosso povo em Gaza, mais uma vez em julho de 2014, porque é a mesma coisa que nos aconteceu em julho de 2006.  

Desde o pretexto para a guerra – e faço aqui uma rápida recapitulação: dessa vez, três colonos teriam sido sequestrados (e que nós os teríamos sequestrado); em 2006, o pretexto foram dois soldados israelenses capturados. A partir daí já se veem as semelhanças, desde o pretexto para a guerra. E seria essa a verdadeira razão para a guerra? É Israel que sempre se aproveita de qualquer ocasião! Israel pensou e decidiu que a Faixa de Gaza, sob bloqueio há anos, sob as atuais condições regionais e atuais, a moral da pessoas, etc., e Israel decidiu que essa seria a oportunidade de ouro, histórica, para destruir Gaza, submetê-la, quebra-la, pôr fim a tudo. Para Israel a ocasião seria agora.  

Como no projeto para a guerra de 2006 que trazia com ele um projeto para um Novo Oriente Médio. Vocês de recordam da frase da Sra. Condoleeza Rice. Mas hoje vou manter-me sério e não vamos zombar de ninguém.

Israel manipulou o desaparecimento dos três colonos – e até hoje ninguém sabe quem os sequestrou e matou; e até hoje nada se sabe, nada se sabe com certeza. Em 2006, sabia-se, pelo menos, quem havia capturado os dois soldados israelenses. A opressão e a injustiça em Gaza são ainda maiores.  

Uma operação de sequestro foi falsamente atribuída aos palestinos, aos movimentos da Resistência, e esse foi o pretexto assumido para os israelenses fazerem essa guerra, nessas circunstâncias. 

Com o pretexto da captura dos soldados, vieram à guerra, com bombardeios aéreos, milhares de incursões e ataques aéreos, bombardeio continuado contra Gaza pela artilharia. Vocês se lembram de tudo isso. Estivemos juntos durante a guerra de julho de 2006. Até ataques por navios de guerra, aos massacres, assassinato de mulheres e de crianças, de civis, destruição de casas de famílias, escolas, mesquitas e, mais ainda que no Líbano, dessa vez Israel está atacando também igrejas. Até o deslocamento de pessoas, expulsas de suas casas, até a operação terrestre que começou há alguns dias. Até o silêncio de uma parte da comunidade internacional e a colaboração de uma parte da comunidade internacional. 

Hoje, os EUA cobrem essa guerra desde os primeiros momentos e a mantêm  financeiramente, militarmente, pelos jornais e televisões e por sua tomada de posição política, o Ocidente não faz diferente. E o Conselho de Segurança da ONU não faz diferente. Vê-se até a colaboração de alguns regimes árabes; e há também o silêncio e a omissão de alguns deles. Ao ponto de responsabilizar a Resistência pelo sangue derramado, pelos mártires e por todos os sofrimentos pelos quais passa a Faixa de Gaza, ao mesmo tempo em que inocentam o nosso inimigo e verdadeiro autor desses crimes e desses massacres.  

Mas contra isso, há essa extraordinária Resistência do povo, essa ligação profunda que há entre o povo de Gaza e a Resistência, e o fato de que o povo de Gaza conta com a Resistência, e por isso a Resistência apoia admiravelmente os palestinos em suas dores, em seus sofrimentos, nos ferimentos, nos martírios, nos deslocamentos. Assim se vê esse desempenho único e excepcional por grupos resistentes, essa performance única e excepcional pelos grupos da Resistência, essa perseverança e essa consistência políticas ante todas as pressões internacionais e regionais.

Mas, no final, digo ao nosso povo de Gaza, ao nosso povo palestino, a vocês, a todos que escutam, no final, quem decidirá, o que decidirá a guerra, ou, dito de outro modo: o quem resultará vitorioso? Três fatores, três linhas de ouro, três elementos absolutamente decisivos: a realidade em campo, a resistência do povo, a consistência política. A realidade em campo, a resistência do povo, a consistência política: esses são os fatores que garantirão a vitória.  

Durante a guerra de julho de 2006 – para recolher proveito da experiência, das lições –,  Israel, desde o primeiro dia, fixou objetivos muito elevados, depois teve de reduzi-los pela base, reduzir, reduzir, reduzir... Na última semana da guerra, quem mais pedia o fim da guerra era Israel. Por quê? E aqui me refiro às Memórias de George Bush e às Memórias de Condoleeza Rice, no ponto em que contam como, durante as duas últimas semanas, Ehud Olmert insistia sem parar, dizendo aos dois que, se a guerra continuasse, Israel desapareceria.  

Nós mesmos, digo com toda a humildade, a Resistência libanesa, fomos surpreendidos por aquelas conclusões. Como Israel desapareceria, se a guerra continuasse? E no momento em que alguns regimes árabes diziam a Israel: “Acabem com eles, erradiquem essa gente, ou pelo menos imponham-lhes condições humilhantes, não parem...”? Mas o fato é que a própria Israel, ela mesma, chegara a um ponto do qual não podia manter a guerra. Apelaram até aos norte-americanos para que a socorressem – porque, se os norte-americanos mandam, toda a região se curva. E foi o que aconteceu, e a guerra acabou naquele momento. Não foi isso, por acaso, o que aconteceu em julho de 2006?

Eis os fatores que mudaram a equação inicial: (1) a realidade em campo, o campo dos heroicos resistentes; (2) a perseverança do povo, das mulheres, dos homens, dos civis em todas as partes do país, e sobretudo dos tomados como alvos das bombas, da matança; e (3) a consistência política, a capacidade política para perseverar. 

Hoje, para a guerra de hoje, eu lhes digo: nós somos a única esperança dos palestinos. Prestem atenção: se deixarmos os palestinos entregues aos norte-americanos, ao ocidente e a vários árabes, todos esses dirão a Israel “aproveite a oportunidade, acabe com eles. Acabe com eles.” 

Há alguns que dizem “Acabem com o Hamás”. Mas eles não vão acabar só com o Hamás: tentarão acabar com o Hamás, a Jihad Islâmica e com todos os grupos palestinos. O alvo deles é Gaza, é a Resistência, as armas da Resistência, a vontade da Resistência, a cultura da Resistência, a esperança na Resistência.  

Hoje, amanhã, dia tal e tal, a Resistência tem esse nome, outro nome, e pode ter outro e outro nome, como aconteceu conosco no Líbano, como se passa na Palestina, os nomes são diferentes e mudam. Por isso o alvo não é só o Hamás. O alvo é toda a Resistência na Palestina. Todos os túneis de Gaza. Todos os foguetes de Gaza. Todas as Kalachnikovs de Gaza. Toda arma branca de Gaza. Ainda mais: todo o sangue resistente que corre nas veias dos habitantes de Gaza. Isso é, hoje, o alvo da entidade sionista.  

O horizonte para a Resistência é que se chegue a uma situação em que a própria Israel veja que não pode manter a guerra. Foi o que aconteceu em julho de 2006. “Para que os EUA nos socorram [socorram Israel], inventem-nos uma causa.” Foi isso que aconteceu em 2006. Naturalmente, o veredito do Conselho de Segurança condenou a Resistência. O importante é o que houve depois da condenação. Isso é que conta.  

Digo-lhes que hoje, hoje mesmo, no momento em que está enterrando seus mártires, no momento em que combate, digo-lhes que Gaza já é vitoriosa, pela lógica da Resistência. Se Gaza chega ao 18º dia e nem todos os sionistas do mundo conseguiram alcançar um único dos objetivos da guerra contra Gaza, isso significa que a Resistência venceu em Gaza. E digo-lhes também, da posição de alguém que conhece o terreno e participa da luta: a Resistência em Gaza pode chegar à vitória completa, e chegará, se Deus quiser.  

Hoje, paremos um momento para avaliar a situação e concluir sobre nossa posição. 

Hoje, e tomando em consideração o fato de que a batalha acontece entre dois lados: de um lado Israel, que tem um dos exércitos mais poderosos do mundo. Mas, o que é mais importante é que esse exército, depois da guerra de 2006 no Líbano e de 2008 em Gaza, instituiu comissões – vocês se recordam de Winograd, não é? – Israel criou comissões, pesquisas, estudos, debates e, de 2006 até hoje estão em estado perene de treinamento, de manobras, de armamento, de preparação, de coleta de informações. – Quero dizer: ao longo desses oito anos, o que fizeram foi fundar um novo exército forte. Isso é o que temos de um lado. 

Mas do outro lado, temos uma faixa de território, uma superfície estreita, um faixa de terreno litorâneo plano e, mais grave que isso, sufocado por um bloqueio já há anos. Sob sítio, e sítio dos mais severos.

Para comparar esses dois lados, o que temos sob os olhos? O que vemos? Vemos o fracasso de Israel. O fracasso. O fracasso de Israel. E o sucesso da Resistência. 

Do lado de Israel, vimos, primeiro, o recuo na definição dos objetivos da operação, da guerra. E qual era o objetivo anunciado? Eles têm objetivos implícitos, e já falei deles. Mas qual é o objetivo anunciado? É o mesmo que o objetivo implícito, oculto? Não. Eles não começam por objetivos elevados. Por quê? Prestem bem atenção.

Não começam com altos objetivos porque, desde o começo, Israel tem medo do fracasso. É sinal de que alguma coisa aprenderam da derrota que sofreram no Líbano. No Líbano, em 2006, começaram por anunciar que iriam “Erradicar a Resistência, obrigá-la a entregar as armas, expulsar do sul a Resistência, ou, pelo menos, do sul do rio Litani. Obrigar a Resistência a entregar os dois prisioneiros sem demora e sem condições”...  

Já perceberam que Israel não diz uma palavra sobre o soldado que está prisioneiro em Gaza? Não falam dele. Estão mudos sobre esse assunto.  

O que estou dizendo é que Israel não se fixou altos objetivos. E por que não? Porque extraíram afinal algumas lições das experiências passadas. Voltarei a essa questão ao final da minha fala.

Israel, pois, não se atreveu a anunciar objetivos elevados – mesmo para toda a guerra, agora, o único objetivo declarado era destruir túneis na fronteira. Israel fixa objetivos modestos para aumentar suas chances de conseguir dizer “alcancei meus objetivos de guerra”.  

Esse, então, é o primeiro ponto a destacar: Israel recuou muito na definição de seus objetivos militares anunciados.

O segundo ponto: Israel fracassou redondamente no levantamento que fez das capacidades da Resistência, armas, foguetes, arsenais, estoques, onde os foguetes estão armazenados, onde são fabricados, de onde são lançados, a localização dos tuneis... Israel acreditava que todas as informações sobre Gaza estavam já coletadas e eram certas, que os israelenses sabiam de tudo, com tantos espiões, em terra, mar e ar, tantos espiões. E percebe-se fracasso monumental no plano da informação recolhida.  

Terceiro ponto, o fracasso da força aérea israelense foi decisivo para a vitória da Resistência. E isso é muito importante para Gaza e para o Líbano. Por que falo do Líbano? Se vocês acompanharem a imprensa israelense, mesmo durante a guerra de Gaza, eles falam da segunda guerra do Líbano (2006) e da terceira guerra do Líbano (a próxima). Mesmo enquanto combatem em Gaza. A guerra é em Gaza, mas Israel tem os olhos postos em vocês, para saber como vocês interpretam a guerra em Gaza, e que lições vocês extraem da guerra em Gaza. Gato escaldado...

O fracasso da força aérea de Israel foi decisivo para determinar a vitória da Resistência. E, isso, sabendo-se que há alguns meses o chefe do estado-maior das forças aéreas de Israel declarou – e estava inaugurando um novo exército, há gente que nunca aprende... Aquele militar israelense declarou que a força aérea de Israel estaria então em tal estado de prontidão e de preparação, depois de todas as transformações pelas quais passou, que poderia – ouçam bem (e repito aqui porque acho que os libaneses temos mais o que fazer, do que acompanhar declarações do estado-maior de Israel, então digo aqui). 

Aquele militar israelense disse que “as forças aéreas de Israel são hoje capazes de vencer no Líbano – caso surja nova guerra – em 24 horasE que, em Gaza, aquela força aérea vencerá em 12 horas”. Disse isso.

E hoje, há quantos dias tentam vencer em Gaza? Digo aqui: são 18 dias. Hoje é o 18º dia. Essa é a nova força aérea israelense. E quem a derrotou? Gaza. A Gaza sitiada.  

O fracasso de Israel, sua incapacidade para atingir os quadros dirigentes e comandar a situação no interior da Faixa de Gaza. E com nosso respeito por todos os mártires, Israel consegue até inventar comandantes mártires: fala da morte de dirigentes que continuam vivos. Israel já chegou a esse ponto.  

Israel fracassou também ao não conseguir pôr fim aos foguetes nem impedir que sejam lançados, apesar de todos os aviões que incendeiam o céu, de todos os radares, drones e agências de espionagem da região, todas trabalhando para Israel. E sabemos bem, nós, qual a importância de manter o fogo de foguetes, nesse clima de guerra.  

E há também o fracasso da operação terrestre: basta que lhes repita o que estão dizendo alguns comentaristas israelenses. Essa frase é de um deles: “Nosso exército fracassou.” Não é frase minha, eu, que amo a Resistência palestina, que sou aliado dela, aqui falando aos libaneses. Essa frase é de um inimigo da Resistência. Um dos comentaristas importantes  da entidade inimiga disse “Nosso exército fracassou e o Hamás e a Jihad islâmica persistem, perseveram e combateram o corpo essencial de nossas tropas de infantaria”. Fala de quem?

Ele fala da Brigada Golani, do Commando Egoz (unidades de elite do exército de Israel)... É. A operação terrestre foi também grande fracasso.

As perdas fora  muito extensas, perda de quadros, de oficiais, de soldados, de tanques, de veículos israelenses.  

Viu-se claramente um medo manifesto de engajar-se em vasta operação terrestre. Vimos esse medo no rosto de Netanyahu, no rosto do chefe do estado-maior, no rosto de Ya'alon (ministro da Defesa), em todos os rostos. Os palestinos sitiados são a grande potência. Os israelenses são os medrosos, assustados, apavorados face à perspectiva de enfrentar a Resistência corpo a corpo.

E essa é a razão pela qual os israelenses precipitaram-se, desde o início. Porque não confiam em seu exército, não confiam neles mesmos. Assassinos de civis, de crianças, tomaram por alvo justamente a base popular da Resistência. Tentaram quebrar a vontade do povo. Foi o que tentaram também no Líbano em 2006. 

Ali, qual era o sonho de Israel? Queriam ver manifestações no sul, no rio Bekaa, em Beirute, nos subúrbios do sul de Beirute, na casa do Hezbollah, em qualquer lugar do Líbano onde estão os refugiados... Israel sonhava com que esses resistentes exigiriam que a Resistência cessasse o fogo, ou que se rendesse. E foi graças a vocês, que aqui estão hoje, vocês, o mais nobre dos povos, o mais digno, o mais valente, o mais puro, que nada aconteceu daquele sonho dos israelenses em julho de 2006, aqui no Líbano.  

Então, agora, Israel tenta novamente a mesma experiência na Faixa de Gaza, para impor aos comandantes da Resistência, à direção política e à direção em campo, para lhes impor um cessar-fogo a qualquer preço ou a rendição.  

Significa que quando o exército israelense chegou a Gaza, não chegou como exército de combatentes, mas como gangue de assassinos de crianças. E foi assim também que nós conhecemos o exército de Israel no Líbano. Essa tem sido a natureza do exército de Israel ao longo de todos esses anos.  

E para concluir sobre a avaliação que Israel fazia da situação. Vocês talvez se lembrem de Ehud Barak, ministro da Defesa, ou da Guerra, no primeiro governo, parece-me, depois da saída de Olmert e do outro, esqueci o nome... Como se chama, ministro da Defesa, Beretz, Meretz, coisa assim... 

Ehud Barak, depois de muitos anos de exercício afinal aprendeu alguma coisa. O que disse ele? E foi confirmado pelos chefes do estado-maior de Israel. Uma frase curta. Hoje essa frase já foi pisoteada nas ruas de Gaza. Ele disse, e naquele momento ameaçava também o Líbano, que qualquer futura guerra que Israel fizesse seria rápida e decisiva, e a vitória seria grandiosa. Anotem bem: rápida, decisiva, vitória grandiosa.

Hoje, quem responde a eles é Gaza: vocês são hoje o que sempre foram, só sabem combater de trás dos muros fortificados de vocês. São covardes assustado que se escondem por trás de aviões, de tanques. Que só sabem matar crianças em escolas. Cada vez que veem pela frente os homens e mulheres da Resistência, cara a cara, vocês desmontam e o exército de vocês é vencido. Essa é a verdade. Vitória rápida, decisiva e grandiosa é coisa que passa longe do exército de Israel. *****



[1] Vídeo com legendas em francês (trad. e legendagem de Sayed Hasan, emhttp://sayed7asan.blogspot.com.br/2014/07/hassan-nasrallah-israel-vaincu-gaza-en.html 

domingo, 20 de julho de 2014

Tá chegando a hora: TRIBUTO A RESISTÊNCIA DOS POVOS DA AMAZÔNIA


TRIBUTO A RESISTÊNCIA DOS POVOS DA AMAZÔNIA
Do progresso que mata e destrói as ciências para  o “Vivir Bien”

Universidade Federal do ACRE – UFAC

Rio Branco, 23 a 25 de julho de 2014

No período de 22 a 27 de julho do corrente, a UFAC sediará a 66ª Reunião Anual da SBPC, cujo tema é: “Ciência e Tecnologia em uma Amazônia sem Fronteiras”. Uma vez mais, os clamores em prol do “desenvolvimento científico” e do “progresso” para solucionar os “problemas da Amazônia”, presidirão a pauta dos meios de comunicações dominantes.

Ademais de um cenário marcado pela intensiva instrumentalização do discurso científico – para fins de legitimação das adaptações instituídas sob os cânones  da  “economia verde” – acelera-se a destruição em larga escala. O enorme desastre produzido pelas hidrelétricas no rio Madeira aparece como um dos exemplos mais emblemáticos dos nexos entre Ciência, Capital e Estado nessa fase atual de espoliação também na Pan Amazônia.

Sob essa perspectiva, a realização desse Tributo à Resistência dos Povos da Amazônia, simultaneamente à Reunião Anual da SBPC, nos parece bastante oportuna para aprofundar essas reflexões. Pretende-se, além de uma justa lembrança e homenagem às vitimas do “progresso”, chamar atenção para outras perspectivas emancipatórias, como aquelas identificadas com a filosofia do “Vivir Bien”.

PROGRAMA
Dia 23/07
– Manhã
8:30 h – Abertura  
João Lima (ADUFAC); Elder Andrade (NUPESDAO); NINAWA (FEPHAC); Pedro Casanova (As. FADEMADPeru); Manuel Lima (Comunidade trinchera–Bolivia); Jones Dari (ADUFGD); Amyra El Khalili (Aliança RECOs); Lucia Ortiz (Amigos da Terra Brasil)
Tarde
 A destruição tem preço? Pode-se confiar nas garantias da Ciência? As revelações do megadesastre das hidrelétricas no rio Madeira.
Mesa 1: (15 h às 16:30) A dimensão da devastação da cheia amplificada pelas UHEs de Santo Antônio e Jirau: as vozes das comunidades na bacia do rio Madeira na Bolívia e no Brasil
Geovane da Costa Souza e Marcio Santana de Lima (Movimento dos Atingidos por Barragens-MAB-RO); José Alves ( UFAC)

Mesa 2: (16:50 h às 18:40) A ciência a serviço do modelo neoextrativista e a ciência recíproca com a resistência social: Licenciamento fraudado e novos estudos do Madeira em questão
-Luis F. Novoa (UNIR); Philip Fearnside (INPA); Edna Castro (UFPA); Célio Bermann (USP); Jorge Molina (IHH/Bolívia)

Dia 24/07
– Manhã
9 h – A destruição tem preço? Pode-se confiar nas garantias da Ciência? Exploração petroleira (de Yasuni a Coari / Juruá); Mineração (de Carajás a Madre de Dios).
Lindomar Padilha (CIMI); Barbara Silva (militante da comunicação comunitária na Pan Amazônia), Raimundo G. Neto (CEPASP/Movimento dos Atingidos por Mineração); Simeon Velarde (Vanguardia Amazónica-Peru), Ana Patrícia (COMIN)
– Tarde
15 h –  Territórios indígenas e camponeses na mira da “economia verde”
Diego Cardona (Amigos da Terra Internacional); Lucia Ortiz (Amigos da Terra Brasil), Luiz Zarref (MST); Amyra El Khalili (Aliança RECOs)Ninawa (FEPHAC)
– Noite
Apresentação de documentários sobre a Amazônia.
Dia 25/07
– Manhã
9 h – “Economia verde” no Acre: apontamentos  preliminares da Missão realizada pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente  da Plataforma Dhesca
Cristiane Faustino (Plat. Dhesca); Luiz Zarref (MST); Dercy Teles (STTR de Xapuri); Maria de Jesus (UFAC)
– Tarde
15 h – Com ciências para o “Vivir Bien”
Fernando Heredia (CIPCA- Bolivia); Manuel Lima (Comunidade Trinchera–Bolivia); Maximiliano Ochante (UNAMAD-Peru); Gerson R. Albuquerque (UFAC); keã Huni Kui (Comunidade Huni Kui Hené Bariá)
– Noite
Show Musical “Zeitgeisten: música em tempos de cólera”, com Sérgio Pacthouli e João Veras.

Local  do evento
Sede da ADUFAC – BR 364, Km 05

Promoção e realização


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quinta-feira, 17 de julho de 2014

CIMI lança relatório de violência contra os povos Indígenas no Brasil dados de 2013

Omissão do governo é a maior causa da violência contra os indígenas no Brasil

Por Patrícia Bonilha, - Assessoria de Comunicação - Cimi 
de Brasília (DF)
Os dados do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil referentes a 2013 evidenciam que a política indigenista em curso no país é omissa no que tange ao cumprimento das diversas obrigações constitucionais e da efetivação dos direitos indígenas. A total paralisação dos processos de demarcação de terras indígenas, os altos índices de mortalidade infantil, suicídio, assassinato, racismo e de desassistência nas áreas de saúde e educação indicam uma atitude de extremo descaso do governo em relação às populações indígenas. Na publicação, organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), afalta de empenho e vontade política na proteção e promoção dos direitos desses povos fica evidente também em uma análise dos dados do Orçamento Geral da União de 2013. 
Um dos mais explícitos indícios da omissão governamental foi a total paralisação das demarcações de terras indígenas no ano passado, que teve um reflexo direto no acirramento dos conflitos nas aldeias em todo o país. Apesar de uma homologação ter sido assinada, nenhum procedimento demarcatório foi concluído em 2013. Desse modo, a média anual de terras demarcadas da presidenta da República Dilma Rousseff diminuiu para 3,6, a pior média desde o fim da ditadura militar, consolidando-a como a chefe de Estado que menos demarcou terras indígenas na história recente do país.
De acordo com os dados do relatório, das 1.047 terras indígenas reivindicadas pelos povos atualmente, apenas 38% estão regularizadas. Cerca de 30% das terras estão em processo de regularização e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcação por parte do Estado brasileiro. Das terras indígenas regularizadas, em termos de extensão territorial, 98,75% se encontram na Amazônia Legal. Enquanto isso, 554.081 dos 896.917 indígenas existentes no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, vivem nas outras regiões do país, que têm apenas 1,25% da extensão das terras indígenas regularizadas.
Existem 30 processos de demarcação de áreas já identificadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como terras indígenas tradicionais que não têm nenhum impedimento administrativo ou litígio judicial. Ou seja, não há nenhuma pendência ou obstáculo para a efetivação da demarcação dessas terras. Desses 30 processos, 12 dependem somente da assinatura da Portaria Declaratória pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, 17 terras indígenas aguardam a homologação pela presidenta da República, Dilma Rousseff, e um processo aguarda a expedição do Decreto de Desapropriação, também pela presidenta Dilma. Outros cinco processos estão na mesa da presidenta da Funai, Maria Augusta Assirati, aguardando apenas a assinatura de aprovação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação. Estes dados evidenciam ainda que a proposta de realizar Mesas de Diálogo como forma de resolver a morosidade dos processos de demarcação e os conflitos fundiários foi totalmente fracassada.
De acordo com a Constituição Federal, todas as terras indígenas deveriam ter sido demarcadas até 1993. No entanto, os compromissos assumidos com os setores vinculados ao agronegócio, às empreiteiras, mineradoras e empresas de energia hidrelétrica impossibilitam o governo de cumprir suas obrigações constitucionais. Os interesses privados destes grupos encontram ressonância na política desenvolvimentista praticada pelo governo e também em seus interesses eleitoreiros. “Como é de conhecimento público, estes setores são justamente os inimigos históricos dos povos indígenas e os principais responsáveis pelos massacres, etnocídios e espoliações dos territórios destes povos, além de outros tipos de violência”, evidencia Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi.
Também não é pela falta de recursos financeiros que as demarcações não foram realizadas. Nos desdobramentos do programaFiscalização e Demarcação de Terras Indígenas, Localização e Proteção de Índios Isolados e de Recente Contato existe uma ação denominada “Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras Indígenas”, cuja dotação orçamentária em 2013 foi de R$ 21,642 milhões. No entanto, foram liquidados apenas R$ 5,4 milhões (ou 24,96% do montante). “Observa-se, portanto, que muitos outros procedimentos administrativos poderiam ter sido conduzidos com os 76,04% dos recursos que deixaram de ser aplicados. Portanto, as razões para a não demarcação são vinculadas ao plano político e aos projetos de desenvolvimento do país, nos quais os povos indígenas têm sido considerados irrelevantes e desnecessários”, afirma Iara Bonin, em sua análise sobre a execução orçamentária.
Apesar do orçamento para a assistência em saúde indígena, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ter quadruplicado nos últimos quatro anos, ela continuou marcada por uma absoluta omissão na implementação de ações - algumas bastante básicas - que poderiam salvar milhares de vidas anualmente. Um exemplo devastador dessa omissão é o índice de mortalidade infantil em 2013. Dados da Sesai informam que morreram 693 crianças de 0 a 5 anos entre os meses de janeiro e novembro. O caso mais impressionante é o do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, em Roraima, com 124 mortes. Enquanto a Sesai relata que nesse mesmo período ocorreram 17 mortes de crianças menores de 5 anos no Mato Grosso do Sul, dados mais recentes do Dsei, de abril de 2014, apresentam um total de 90 óbitos de crianças menores de 5 anos somente neste estado, entre os meses de janeiro a dezembro. Ainda de acordo com o Dsei/MS, o coeficiente de mortalidade infantil de menores de 5 anos é de 45,9 para cada 1.000 indígenas nascidos, mais que o dobro da média nacional em 2013, que é de 19,6 segundo o IBGE, variando de acordo com as regiões.
Novamente, verifica-se que o problema não está relacionado à falta de recursos. Para o programa Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos foi autorizada a execução de R$ 27,7 milhões, mas o governo utilizou irrisórios 1,39%, deixando de aplicar, portanto, RS 27,3 milhões. A utilização destes recursos para a construção de poços artesianos em várias regiões brasileiras certamente diminuiria o índice de doenças e agravos que vitimizam especialmente as crianças, como a diarreia. “Apesar de todas as denúncias apresentadas pelo movimento indígena e por entidades indigenistas, além de ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF), o governo federal mantém-se insensível frente às mortes causadas por doenças facilmente tratáveis”, considera Roberto Liebgott, representante do Cimi na Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi).
O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que mais viola os direitos indígenas. Em 2013 foram registradas no estado 33 vítimas de assassinatos (62% do total no país), 16 casos de tentativas de assassinatos (de um total de 29 no país) e, segundo a Sesai, 73 vítimas de suicídios. Este índice configura-se como o maior em 28 anos, de acordo com os registros do Cimi. Dos 73 indígenas que se suicidaram, 72 eram do povo Guarani-Kaiowá, a maioria com idade entre 15 e 30 anos.
Do total de 33 assassinatos no estado, 31 ocorreram entre indígenas do povo Guarani-Kaiowá e dois casos do povo Terena.Nos últimos 11 anos, os levantamentos do Cimi mostram que pelo menos 616 indígenas foram assassinados no país, sendo que 349 destas mortes ocorreram no Mato Grosso do Sul, onde a maioria das comunidades vive em situação de extrema precariedade, em acampamentos improvisados nas margens das rodovias, nas áreas de preservação obrigatória – faixa de domínio – dentro das fazendas, ou confinados em pequenas reservas criadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), no início do século passado. A Reserva Indígena de Dourados, por exemplo, apresenta a maior densidade populacional entre todas as comunidades tradicionais do país, abrigando mais de 13 mil indígenas em 3,6 hectares de terra. Nela aconteceram 18 dos 73 casos de suicídio no estado em 2013.
Também foi frequente em 2013 a difusão de discursos com teor preconceituoso e racista em meios digitais de informação, jornais, televisão e rádio. Com o registro de 23 ocorrências, estes casos mais que dobraram em relação a 2012, quando 11 registros foram feitos. Os polêmicos vídeos dos deputados federais Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) inserem-se nesses casos de racismo e incitação à violência contra os povos indígenas. “Em 2013, o crime de racismo manifestou-se de diferentes formas contra os povos indígenas: no impedimento de usarem o transporte coletivo ou de estudantes frequentarem a escola; na não contratação, mesmo que para subempregos; nas inúmeras agressões e ofensas verbais; no não reconhecimento da sua condição de indígena; na impossibilidade de acesso a benefícios sociais; na recusa de receberem atendimento médico; na obrigação de crianças indígenas lavarem banheiros nas escolas e no recebimento de merenda menor que as crianças não indígenas; e na condenação por crimes, mesmo sem provas substanciais, como foi o caso que envolveu o povo Tenharim, no Amazonas”, resume a antropóloga Lúcia Rangel, coordenadora da pesquisa do relatório.
Em relação a este episódio, Egydio Schwade, ex-secretário executivo do Cimi e profundo conhecedor da Amazônia, afirma em seu artigo que as agressões ao povo Tenharim são bastante antigas e a sua motivação sempre foi de ordem econômica espoliadora. “Nesse sentido, não se avista nenhuma justiça para os povos indígenas da região no curto prazo. Nenhum relatório conclusivo que vá ao encontro da justiça. Ao contrário, os inquéritos policiais acabam levando a um e mesmo beco sem saída justa, porque a 'justiça' já foi previamente programada para a condenação de inocentes, dos índios 'no plural', como 'bodes expiatórios'. Tudo para proteger os interesses em jogo dos madeireiros, mineradores, fazendeiros e agronegociantes”, conclui Schwade.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Kátia Abreu visita Indígenas? Por D.Heriberto Hemmes

Por Heriberto Hemmes *           
Foto: Pedro Barbosa/Faet/CNA/Senar
Fiquei indignado, mas não surpreso, com mais esta,  da senadora Kátia Abreu! Parece que elá já começou, em junho,  sua campanha  para reeleição, tentando conquistar indígenas do Tocantins:  dando presentes às crianças; fazendo uma festa para adultos/as; colocando um cocar na cabeça e tirando fotos com eles/elas; e chamando-os/as  de “amigos/amigas”  (ou era até de “irmãos e irmãs”??)!  
Guardei outra reportagem relatando sua pressão na Casa Civil, a interrupção da demarcação de Terras Indígenas e do registro de crianças como indígenas no estado do Tocantins, porque não existem mais!  Ela e o irmão dela fizeram oposição e violentas críticas sobre o retorno dos Xavantes à sua Terra Indígena Marãiwatsédé (São Félix do Araguaia, Mato Grosso), chamando-os de “invasores”.  Também tentou convencer a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a PROIBIR seu organismo, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), de continuar seu trabalho de apoio e orientação aos indígenas nas reivindicações dos seus direitos constitucionais!  Agora, antes das eleições, com cara de pau, ela  virou “índia”!Veja o site. Ela, que na sua coluna da Folha de São Paulo, tem afirmado constantemente que não existem mais indígenas como uma cultura, (porque eles querem e têm televisão, celulares, internet, etc.) mas que indígenas estão totalmente “integrados/as” na sociedade brasileira, alegando assim um tipo de “monocultura” humana, como a monocultura que ela promove na agricultura.  Será que não é, no fundo, uma espécie de “eugenia”?  Será que para ela só deve existir no Brasil UMA MONOCULTURA, branca, ocidental, “civilizada”?
 Quando zangada, ela abre a boca suja e sai “m.....”!  lembre-se do episodio que ela atacou um coronel da segurança do governador!.  No vídeo Veneno está na Mesa” do cienasta silviol Tendler há um trecho onde ela fala que é preciso jogar muito veneno (agrotóxicos) nas lavouras “para baratear a comida para os pobres”!  E que a comida saudavel da agroecologia poderia seguir sendo comprada pelos ricos!  Quer dizer, envenenar e eliminar os pobres-famintos para assim combater a fome e a pobreza!  Também insiste que as vultuosas somas  de dinheiro trazidos (para uns POUCOS) pelo agronegócio, são mais importantes para a balança comercial do que a saúde dos trabalhadores que mexem com agrotóxicos e do povo que come alimentos contaminados!
Ela não gostou de ter sido chamada “Rainha do Desmatamento” (e entrou na justiça, mas perdeu o caso) e revoltou-se quando uma indígena quis presenteá-la com uma moto serra dourada.  Será que gostaria de ser chamada “Senadora Boca-Suja” ou, talvez mais apropriado de “Boca de M....a” ?  É o que sai quando ela se irrita.....E ela já foi multada por isso, mas continua.  Que vergonha para Tocantins, esta senadora!  Merece ser reeleita?  Esta mulher arrogante representa a moral, a ética, os princípios de respeito e dignidade de nós, tocantinenses?  Temos orgulho dela como nossa senadora?  Pessoalmente, eu tenho VERGONHA e INDIGNAÇÃO!
Heriberto Hemmes é bispo emérito de Cristalandia (TO). 
Leia também em  Brasil de Fato

quinta-feira, 10 de julho de 2014

MPF denuncia delegado da PF pelo assassinato de Adenilson Munduruku

Reproduzido a partir da página do CIMI - DF

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Federal em Itaituba o delegado da Polícia Federal (PF) Antonio Carlos Moriel Sanches pelo crime de homicídio qualificado contra Adenilson Kirixi Munduruku, morto durante a Operação Eldorado, no dia 7 de novembro de 2012, na aldeia Teles Pires, na divisa do Pará com o Mato Grosso. A exumação do corpo do indígena comprovou os depoimentos das testemunhas e demonstrou que ele foi executado com um tiro na nuca, depois de ter sido derrubado por três tiros nas pernas.
Pelo crime, o delegado pode ser condenado a até 30 anos de prisão. Se a denúncia for aceita pela Justiça, ele será submetido a julgamento pelo tribunal do júri. A Operação Eldorado deveria destruir balsas de garimpo que atuavam ilegalmente nas Terras Indígenas Munduruku e Kayabi. O coordenador da operação era o delegado Moriel Sanches.
No dia 6 de novembro, em uma reunião com os indígenas, teria sido feito um acordo para assegurar a destruição das balsas no rio Teles Pires. Não há evidência de que os índios da aldeia Teles Pires tenham participado de tal reunião. Mesmo assim, foi para lá que a equipe da Polícia Federal se dirigiu no dia seguinte, 7 de novembro, quando Adenilson foi assassinado.
“Ao perceberem que a Operação Eldorado iria ocorrer na Aldeia Teles Pires, alguns índios tentaram retirar os bens que achavam necessário para suas subsistências, sendo que um dos caciques  chegou perto do delegado tentando conversar com este para que não desse continuidade na destruição da balsa. O denunciado afirmou que a operação teria que ser realizada, e ainda empurrou a referida liderança indígena. Em reação, um dos indígenas que estava no local empurrou o braço do delegado Moriel, e como estavam próximos ao rio, em uma área de declive o denunciado veio a cair na água. Após tal situação, policiais federais passaram a atirar contra os indígenas e em direção ao rio. Atrás do cacique Camaleão estava um outro indígena, a vítima Adenilson Kirixi Munduruku”, narra a denúncia do MPF.
Um dos indígenas relatou os fatos que se seguiram, em depoimento ao MPF: “depois que o delegado empurrou essa liderança na qual ele iria atirar, o segurança do cacique empurrou o braço do delegado e ele escorregou e caiu na água, pois a área tem declive e o chão é liso, de barro. Foi a partir daí que começou o tiroteio. Nenhum indígena estava com arma de fogo. Os dois primeiros tiros contra a vítima foram dados pelo delegado, que ainda estava dentro da água, que estava pela cintura. Vários policiais começaram a atirar contra os indígenas que estavam no local. Três tiros acertaram as pernas da vítima Adenilson Kirixi, que perdeu o equilíbrio, caindo na água. Nesse momento o delegado, que ainda estava dentro da água, deu um tiro na cabeça da vítima, que já caiu morta e afundou no rio”.
O corpo de Adenilson só foi recuperado no dia seguinte. Todos os agentes da PF presentes na aldeia no momento do ataque disseram não se recordar dos fatos por estarem ocupados tentando controlar os indígenas. Em vista disso, e com base nos depoimentos dos indígenas, o MPF requisitou a exumação do corpo da vítima. O exame comprovou a execução. O tiro fatal atingiu Adenilson na parte de trás da cabeça, depois que três tiros nas pernas o tinham derrubado. A bala saiu pela parte da frente da cabeça da vítima, destroçando vários ossos do crânio.
Outros dois indígenas sofreram lesões corporais graves no dia 7 de novembro de 2012, mas não foi possível localizar provas que relacionassem os ferimentos diretamente aos agentes envolvidos na operação, por isso apenas o delegado Moriel foi denunciado.
Processo nº 0001608-90.2014.4.01.3908
Denúncia (trechos suprimidos contêm nomes de testemunhas e imagens que poderiam agredir a família da vítima)