segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Redd+ ainda precisa ser definido em negociação internacional, esclarece especialista


No caso da Amazônia, já conseguimos estruturar esse apoio por meio do Fundo Amazônia. O Acre mesmo tem um projeto grande, de R$ 60 milhões, o Amazonas e Rondônia também estão com projetos bem bacanas. Então essa é a fonte de recursos Redd+ para o Brasil por enquanto.

Você que costuma acompanhar as notícias sobre desenvolvimento sustentável saberia definir o que é Redd+ (Redução de Emissões por Desamatamento e Degradação Florestal)? Se a sua resposta for sim, cuidado. Talvez você ainda não saiba. "Há bastante confusão sobre este tema. Tem iniciativas batizadas de Redd, projetos que se auto-intitulam como Redd, mas que às vezes não condizem com o mecanismo", alerta Natalie Unterstell, gerente de mudança do clima e florestas (DPCD), da secretaria de mudanças climáticas e qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente.

Em entrevista ao EcoD, ela esclarece como tem sido feitas as negociações referentes a esse mecanismo, um dos temas mais discutidos nas últimas conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas. Natalie também destaca como esse tema pode ser importante, principalmente, para os países em desenvolvimento dotados de florestas, como o Brasil.

EcoD: O governo federal informou, recentemente, que prepara uma estratégia nacional sobre o Redd+. Noticiamos, recentemente, projetos de alguns Estados relacionados ao tema, como Acre e Mato Grosso. De que forma o Brasil avança, nesse sentido?

Natalie Unterstell: Ainda estamos em uma negociação no âmbito internacional, que tenta definir o que é, o que pode ser o mecanismo ou os mecanismos nessa área de mitigação de emissões e preservação das florestas. Não tem como eu te falar hoje: "olha, o mecanismo é este", assim como podemos fazer por exemplo com o MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo].

Mas qual é o entendimento do Ministério do Meio Ambiente sobre o Redd+?

Eu penso que cabe uma pequena introdução ao assunto, porque há bastante confusão sobre este tema. Tem iniciativas batizadas de Redd, projetos que se auto-intitulam como Redd, mas que às vezes não condizem com o mecanismo. Os princípios ainda não foram definidos. Aí tem uma série de instituições e países que tentam disputar o conceito.

O conceito de Redd surgiu na Convenção Quadro das Nações Unidas (UNFCCC) realizada em 2003. Na época, um grupo de instituições não-governamentais brasileiras propôs um mecanismo de redução compensada das emissões de carbono na atmosfera.

Foi também durante a COP-13 que o conceito inicial foi ampliado pela segunda vez, e passou a ser conhecido como Redd+. Isso significa que, além das reduções por desmatamento e degradação, ele passou a abranger a tarefa da conservação florestal, do manejo sustentável e do aumento dos estoques de carbono. O compromisso foi registrado no Plano de Ação de Bali.

O que o Brasil propõe nas negociações internacionais sobre Redd+?

Que tenham incentivos tanto financeiros, quanto técnicos e tecnológicos, que os países em desenvolvimento trabalhem essa associação das florestas com as mudanças do clima, e isso requer que os governos passem a desenvolver alguns instrumentos, como uma estratégia ou um plano nacional. Essas sugestões também têm sido travadas no âmbito internacional.

O Brasil já tem um plano?

O Brasil já tem vários planos. A Amazônia tem várias ações que já trabalham na questão florestal, mas ainda nos falta um plano nacional que integre o fator florestal com as mudanças do clima. Nosso grande desafio é formular um instrumento que reconheça tudo que o Brasil já tem em termos de políticas públicas, como um Sistema Nacional de Monitoramento da Cobertura Florestal ou um Fundo Amazônia. 

Mas é complicado, porque temos que propor uma matriz de impacto para as políticas que estão aí - uma discussão que já rende há alguns anos, e que nós esperamos que em 2013 avance ao ponto de conseguirmos trazê-la para uma consulta pública.

Enquanto isso, nada de definir o Redd+ (risos)...

(Risos). Seria ruim o ministério impor uma definição de Redd, porque o conceito está sendo negociado na convenção. A visão que nos guia é a de que os países em desenvolvimento, que tem florestas, vão ter ações diversas referentes ao desmatamento e a degradação florestal, a conservação e ao manejo. A ministra Izabella [Teixeira, do Meio Ambiente] tem dito isso de forma recorrente: que o Brasil deve passar de emissor a um país que planta florestas.

Na própria COP-16 a Convenção instituiu esses estímulos para que os países produzam estratégias nacionais, que têm uma abordagens por fases. A fase um é que a gente planeja, a dois é a que procuramos implementar e a fase três é quando eu já consigo fazer tudo em uma escala nacional, por exemplo, envolvendo todos os biomas. A Caatinga não tem o mesmo problema de desmatamento que nós vemos na Amazônia, mas tem uma questão de degradação florestal que é importante.

Quando um país desenvolvido como a Noruega faz uma doação financeira ao Brasil, por exemplo, em razão de o país ter reduzido o desmatamento e, por conseguinte, as emissões de CO2 equivalentes, a contrapartida do doador é basicamente ambiental?

Os países desenvolvidos têm o compromisso voluntário de apoiar, perante a Convenção, os países em desenvolvimento. A contrapartida deles, nesse caso, é ambiental, porque o mundo todo ganha com a Amazônia preservada, em vez de desmatada. 

E quais são os pontos mais complicados para desentravar as negociações de Redd+?

Nas COPs sobre mudanças climáticas, o Redd sempre foi muito comemorado porque é uma discussão que avança mais rapidamente que as demais, principalmente na parte técnica. Nas discussões no órgão de assessoramento há muitas decisões sobre o Redd, talvez não nos detalhes que eu gostaria (risos). O que nós não conseguimos ainda foi definir qualquer cara para esse mecanismo. Temos dúvidas do tipo: na hora que eu tenho um resultado "x" de redução de emissões aqui no Brasil, para onde é que eu mando a fim de que o cara me pague por esse resultado? No atual momento, eu não consigo fazer o metting do financiamento com os resultados. Não sei quanto tempo vai levar para resolver isso.

Os projetos anunciados por alguns Estados devem ser considerados legítimos, uma vez que falta ainda uma definição mais consensual sobre o mecanismo?

Temos uma visão positiva quando nos deparamos com os movimentos subnacionais em relação ao Redd. Fizemos até um levantamento em 2012, que está disponível no portalmma.gov.br/redd sobre as políticas referentes ao Redd na Amazônia brasileira - de legislações a projetos. Vimos que há um esforço notável de alguns governos para implantar políticas nesse sentido.

Significa que eles estão investindo nessa questão das mudanças do clima, começando o esforço pelas florestas. Mas para que essas legislações tenham efeito, nós temos que garantir que elas sejam implementadas, e aí entram o apoio financeiro e técnico.

No caso da Amazônia, já conseguimos estruturar esse apoio por meio do Fundo Amazônia. O Acre mesmo tem um projeto grande, de R$ 60 milhões, o Amazonas e Rondônia também estão com projetos bem bacanas. Então essa é a fonte de recursos Redd+ para o Brasil por enquanto.

A estratégia nacional é de responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente?

Não. É interministerial. O MMA coordena um grupo de trabalho desde 2011, que envolve outros ministérios, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Itamaraty, Planejamento, Agricultura, Fazenda, Funai, Casa Civil, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Já avançamos em vários aspectos. Em 2013, temos a meta de elaborar um documento, revisá-lo, e mandá-lo para o grupo executivo das mudanças do clima entre o final de fevereiro e o início de março. Esse grupo executivo pode definir alguns pontos em cima dele, então não dá para adiantar nada. Vai tramitar este ano.

O Brasil tem feito parcerias com outros países?

Recebemos vários convites de outros países para compartilhar as experiências do Brasil nessa área, no sentido de realizarmos parcerias técnicas. O Fundo Amazônia tem uma janela para apoiar projetos de outros países, entre eles um em fase de apresentação que envolve a OTCA, ou seja, todos os países da bacia amazônica. Estamos negociando uma parceria com a República Democrática do Congo, cuja bacia tem o segundo maior estoque de florestas no mundo. Também temos negociado com Moçambique e Tanzânia, pensado em ações conjuntas para essa área.

Publicado originalmente no EcoD

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