quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Nada é tão ruim que não possa piorar: o drama dos Jaminawa em Sena Madureira - Acre

 

Zé Correia, líder Jaminawa e esposa
Foto Lindomar Padilha


Fiz esta foto no sábado quando fui à sena Madureira prestar solidariedade e levar alguma ajuda. Fomos eu e Rose como equipe do CIMI. Tudo me pareceu muito sintomático a começar pela ironia de "a FUNAI estar também indo por água abaixo". Irônico porque agora foi meio que literal, já que na prática a estrutura oferecida pela FUNAI sempre foi mínima e acompanho há anos a luta dos indígenas por melhor assistência, incluindo aí a angústia do seu Zé Correia que além de principal liderança do povo Jaminawa é o único representante da FUNAI na região. Até hoje o representante da FUNAI, administrador regional Purus, se quer esteve na região para pelo menos ver a situação.

Não bastasse a falta de estrutura da FUNAI, até hoje não chegou uma única dose da vacina contra a Covid 19 para a vacinação dos indígenas. Também não temos uma explicação clara da SESAI para tamanho atraso. Pois bem, sem FUNAI, sem vacina e debaixo d'agua. O problema da alagação não está apenas na cidade. Praticamente todas as aldeias do povo Jaminawa foram destruídas pela enchente. Perderam tudo incluindo os roçados. Não podemos nos esquecer que o território não está demarcado e se encontra invadido quase que totalmente. Sem assistência adequada, sem território demarcado, sem condições de caça, sem as plantações ... Muito difícil!

Não há abrigo exclusivo para os indígenas que se encontram espalhados pelos diversos abrigos disponibilizados pela prefeitura. Embora sem abrigos exclusivos foram acolhidos , na medida do possível estão recebendo amparo. A paróquia disponibilizou sua cozinha para que fossem cozidas lá as marmitas que estão sendo oferecidas. Deixamos lá os alimentos que levamos para contribuir. Quer dizer, problemas existem e não são poucos. Porém, dadas as circunstâncias, estão sendo acolhidos. O descaso não é de hoje! A situação chegou neste ponto porque o poder público nunca deu a atenção devida.

Se os indígenas não podem mudar suas aldeias para as terras mais altas é porque elas estão invadidas e as melhores terras estão nas mãos dos invasores. Enquanto isso a FUNAI simplesmente não dá continuidade ao processo de demarcação para a necessária extrusão e retirada dos invasores. Os processos demarcatórios estão paralisados há mais de 20 anos e com o atual governo, dificilmente serão retomados, ao contrário, sofrerão regressões. Isso serve como incentivo aos invasores e a todos aqueles que veem nos povos indígenas uma espécie de estorvo.


Foto: Lindomar Padilha
Há algumas semanas fizemos a entrega de ferramentas para os Jaminawa que moram na terra indígena Mamoadade, que é compartilhada com o povo Machineri, justamente para que pudessem construir suas casas em local mais apropriado segundo os interesses e necessidades do povo. As autoridades precisam se antecipar aos problemas e adotar políticas preventivas e transparentes. Não posso deixar de lembrar que milhões de EUROS foram repassados ao governo do Acre por meio do acorde e projeto de REDD+, REM, da parte do governo alemão banco nacional de desenvolvimento daquele país, o KFW, destinado em grande parte às comunidades indígenas. A pergunta necessária é: onde todo este dinheiro foi gasto? Porque não apresentaram um projeto que pudesse efetivamente contribuir com as comunidades de forma mais sustentada?  O fato é que não se constroem projetos junto com as comunidades. São sempre projetos para favorecer um determinado grupo a partir de interesses alheios às comunidades.

Ora, sem terem seus territórios demarcados, sem conseguirem construir suas casas e aldeias em terras altas, sempre viverão com a ameaça de alagações e perdas das plantações. Veja que situação estão vivendo: Para o governo alemão, para a Europa e para o mundo, eles estão sendo beneficiados pelos projetos de REDD/REM do Acre, mas não estão. Em pleno surto de dengue, em plena pandemia de Corona Virus ainda estão sem nenhuma vacina se quer, sem seus territórios e sob uma das maiores alagações, sem o amparo das instituições que deveriam zelar por dever de ofício, seguem resistindo e insistindo para fazer valer os seus direitos.

Como dissemos, nada é tão ruim que não possa piorar. Na nossa analise, este ano, no pós alagação, a situação vai piorar e muito porque após as águas baixarem, aparecerão diversas e graves doenças contagiosas além de verminoses e diarreias principalmente infantis. Além de tudo, como as plantações foram destruídas, estarão sem condição se quer de se alimentarem. Sem plantações, sem colheitas. Sem colheitas, sem comida. Como deverão retornar às aldeias após o recuo das águas, provavelmente serão esquecidos e até mesmo as cestas básicas tendem a desaparecer ou pelo menos diminuirão muito. 

A situação é grave e exige um planejamento muito mais a longo prazo. É preciso que as instituições se unam e construam, junto com os povos, um cronograma de ações que possam pelo menos minimizar os sofrimentos de agora e no futuro.

Foto: Lindomar Padilha


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