Publico aqui uma entrevista que dei a uma revista estadunidense sobre o suposto incidente ocorrido entre peruanos e indígenas isolados do igarapé Xinane, Alto Envira.
O sobrevôo da Funai – Fundação Nacional do Índio e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Sra. Regina Miki, realizado na quarta-feira, aponta para a não existência de conflitos entre peruanos e os índios isolados. A razão para essa afirmação por parte da Funai é que as fotos tiradas das roças, das malocas e da área, enfim, não mostram nenhum sinal de violência aparente.
Entretanto, a Secretária de Segurança disse que uma equipe de pelo menos dez homens da Força Nacional irão permanecer lá no local, junto com a equipe da frente de proteção etnoambiental até a chegada do exército.
Além dessas informações, posso dizer que tivemos uma reunião ainda na segunda-feira, CIMI, com a Deputada Federal Perpetua Almeida (PCdoB) e já na terça foi solicitada uma audiência pública com a Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal, em Brasilia, para discutirmos a questão de forma mais transparente. A audiência deverá ocorrer na próxima quarta-feira, dia 17, mas não está confirmado.
Não posso afirmar categoricamente que haja relação com o narcotráfico, embora o tráfico de drogas seja uma realidade comum às fronteiras brasileiras. O português que eles “prenderam” já é um velho conhecido da polícia e no início do ano foi preso nas mesmas circunstâncias e , na época, não causou esse reboliço nem foi considerado uma ameaça aos índios isolados.
A questão é bem mais complexa e o Governo brasileiro não só é omisso em relação aos povos em situação de isolamento voluntário, como também corrobora com a agressão aos mesmos através de seus projetos de infra-estrutura que impactam os seus territórios.
Essa reação por parte da Funai, nesse momento, ocorre muito tardiamente. A Funai deveria denunciar não só as ameaças externas, mas também as ameaças internas onde o próprio Governo brasileiro está implicado.
Recentemente o Cimi lançou o seu “Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” e um capítulo deste relatório é dedicado aos povos isolados. Nele o Cimi apresenta casos de desrespeito e violação dos direitos e da vida dos povos isolados. Apresenta uma relação de atividades fomentadas pelo Governo brasileiro que tem impacto direto sobre esses povos. Apresenta também uma Funai quase inoperante e que tem servido basicamente para aprovar e dar aval para a implantação de projetos desenvolvimentistas.
Também recentemente foi lançado pelo Cimi o livro “Povos Indígenas na Amazônia, a Luta pela sobrevivência” onde também é apresentado um cenário caótico e uma conjuntura que aponta para a destruição desses povos. Num dos trechos do livro lemos:
“Projetos de integração regional como a pavimentação da BR 364 e a conclusão da rodovia do Pacífico ameaçam direta e indiretamente esses povos já que as estradas facilitarão o acesso e a exploração de áreas antes consideradas remotas. A concessão de grandes áreas para manejo florestal e a possível prospecção de petrolífera nessa região da Amazônia farão do Acre um espelho do que já ocorre no Peru. Os últimos locais de refúgio desses povos serão invadidos e violados se não forem tomadas medidas que garantam a posse e a segurança dessas terras tradicionalmente ocupadas por eles...”
Como podemos notar no texto, a questão principal não é o narcotráfico, mas o modelo de desenvolvimento proposto para a região e que está sendo levado a cabo pelos governos brasileiro e peruano, neste caso específico. Para mim fica claro que o que realmente está por trás disso é a tentativa da Funai em mostrar trabalho e se apresentar como a guardiã dos povos indígenas em situação de isolamento. Acuada, não dando conta de responder às necessidades dos indígenas e servindo apenas como agência “liberadora” de terras indígenas para a implantação de grandes projetos governamentais ou com o apoio do governo, a Funai tenta reverter perante a opinião pública, especialmente internacional, essa visão catastrófica mas que é real. A lógica é simples: O governo está a serviço do grande capital e a Funai a serviço do governo. Neste formato, os povos indígenas são apenas “lamentáveis” incidentes.
A questão não pode ser tratada como uma responsabilidade exclusiva da FUNAI. A Constituição brasileira é clara quanto à responsabilidade da União Federal em proteger a integridade física dos indígenas e os seus territórios tradicionais. Para que isso ocorra, A Funai deve atuar conjuntamente com outras instituições governamentais, de maneira articulada, com uma coordenação de ações que envolva vários ministérios. O problema é que enquanto a Funai faz denúncias e se apresenta à opinião pública como protetora dos povos isolados, outras instituições governamentais avançam com seus projetos que impactam os territórios indígenas, essa é a grande contradição.
As forças armadas, de outro lado, aproveitam essa situação para levantar velhos fantasmas em torno da questão Soberania Nacional,onde os povos indígenas vivendo em faixa de fronteira sempre foram colocados como “uma ameaça à soberania”. É o mesmo argumento que utilizaram em relação aos Yanomamy e com Raposa Serra do Sol. Efetivamente as forças Armadas não se importam com os índios, mas com a suposta invasão do território nacional. Na verdade os militares não enxergam, ou não querem enxergar, que a invasão da Amazônia se justamente por meio dos projetos desenvolvimentistas que eles tanto defendem e não pela presença de povos indígenas.
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