(Enterro simbólico da ministra Gleisi Hoffmann, da senadora Kátia
Abreu e do deputado federal Ronaldo Caiado: franco atiradores contra os
direitos dos povos indígenas. Foto: Eden Magalhães/Cimi)
DECLARAÇÃO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, DOS DIREITOS TERRITORIAIS INDÍGENAS, QUILOMBOLAS, DE OUTRAS
POPULAÇÕES E DA MÃE NATUREZA
Nós, caciques e lideranças indígenas de todo o Brasil, mobilizados em
Brasília, com cerca de 1.500 participantes de mais de 100 povos
distintos, e simultaneamente em vários estados da Federação, de 30 de
setembro a 05 de outubro de 2013, em aliança com outros movimentos e
populações (quilombolas, comunidades tradicionais e camponeses),
contando com o irrestrito apoio e solidariedade de amplos setores e
organizações sociais (ONGs, sindicatos e movimentos populares, entre
outros), repudiamos de público os ataques orquestrados pelo governo da
presidente Dilma Rousseff e parlamentares ruralistas do Congresso
Nacional, com expressiva bancada, contra os nossos direitos originários e
fundamentais, principalmente os direitos sagrados à terra, territórios e
bens naturais garantidos pela Constituição Federal de 1988.
A bancada ruralista, a serviço de interesses privados, quer a
qualquer custo suprimir os nossos direitos, rasgando a Constituição
Cidadã, por meio de dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição,
em especial a PEC 215/00, PEC 237/13, PEC 038/99, PL 1610/96 e PLP
227/12 e outras tantas iniciativas legislativas nocivas, destinadas a
legalizar a exploração e destruição, disfarçada de progresso, dos nossos
territórios e da mãe natureza, em detrimento da integridade física e
cultural das atuais e futuras gerações dos nossos povos e culturas.
Os ruralistas e seus comparsas querem fazer o mesmo que fizeram no
ano de 2012, quando aprovaram um novo Código Florestal adequado a seus
interesses e aos de multinacionais do agronegócio que os patrocinam.
O governo da presidente Dilma é conivente com essa ofensiva que busca
mudar a Constituição Federal. Por isso tem promovido a desconstrução da
legislação ambiental e indigenista que protege os nossos direitos,
cedendo às pressões dos ruralistas, por meio de negociatas e
compromissos pactuados principalmente pelos ministros José Eduardo
Cardozo, da Justiça; Luís Inácio Adams, da AGU, e Gleise Hoffmann, da
Casa Civil, articulados com a presidente da Confederação Nacional de
Agricultura, senadora Kátia Abreu. Se não fosse assim o governo Dilma já
teria mobilizado a sua base aliada para impedir os ataques que sofremos
no Congresso Nacional e assegurado uma agenda positiva, que permitisse a
aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas e do projeto de lei que cria o
Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI).
Essa conduta omissa e conivente, de pactuação e submissão aos
interesses do capital, materializa-se na edição de medidas que agravam a
desconstrução dos nossos direitos, tais como a Portaria
Interministerial 419/2011, a Portaria 303/2012 da AGU, a Portaria 2498 e
o Decreto 7957/2013, ao mesmo tempo que promove a destruição dos nossos
territórios por meio da expansão do agronegócio, das hidrelétricas e de
tantos outros grandes empreendimentos do PAC. Para piorar, o governo
Dilma paralisou, como seu antecessor, a demarcação das terras indígenas,
a criação de unidades de conservação, a titulação de quilombos e a
efetivação da reforma agrária. Toda essa ofensiva é destinada a
inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras
indígenas que continuam usurpadas, na posse de não índios; reabrir e
rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados;
invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na
posse e sendo preservadas pelos nossos povos. Objetivos esses que
aumentam o acirramento de conflitos, a criminalização das nossas
comunidades e lideranças, enfim, a insegurança jurídica e social que
perpetua o genocídio inaugurado pelos colonizadores contra os nossos
povos há 513 anos.
Verificamos assim, por parte do Estado, flagrantes desrespeitos à
Constituição Federal e aos tratados internacionais assinados pelo
Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e a Declaração da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas, desconsiderando a contribuição milenar dos nossos
povos e a importância estratégica dos nossos territórios para o Bem
Viver da humanidade e do planeta terra.
Diante dessa realidade, de forma unânime, de uma só voz, declaramos e
exigimos do Estado brasileiro, inclusive do Poder Judiciário, que
respeite os nossos direitos, que valorize a diversidade e pluralidade da
sociedade brasileira. Reafirmamos que vamos resistir, inclusive
arriscando as nossas vidas, contra quaisquer ameaças, medidas e planos
que violam os nossos direitos e buscam nos extinguir, por meio da
invasão, destruição e ocupação dos nossos territórios e bens naturais,
para fins neodesenvolvimentistas e de interesses de uns poucos.
Declaramos que se os ruralistas conseguirem mudar a Constituição ou
se o Poder Executivo modificar os procedimentos de demarcação das nossas
terras e continuar com a paralisia na demarcação dos nossos
territórios, para nós, essas medidas serão nulas, porque seguiremos
resistindo e pautando as nossas vidas somente pelo que reza a Carta
magna de 1988 e os tratados internacionais assinados pelo Brasil
referentes aos nossos direitos.
Estamos mobilizados e dispostos a autodemarcar, proteger e
desintrusar os nossos territórios, custe o que custar, em memória dos
nossos ancestrais, dos nossos antepassados e líderes dos nossos povos
que há 25 anos lutaram de forma aguerrida, junto com outros segmentos da
população brasileira, contra a ditadura militar, por uma sociedade
realmente plural, justa e democrática, e uma Constituição Cidadã que
garantisse, por fim, o reconhecimento e garantia dos nossos direitos
originários, coletivos e fundamentais.
Por tudo isso, exigimos o fim de todos esses ataques aos nossos direitos, o respeito irrestrito à Constituição Federal:
1. O arquivamento imediato e definitivo de todas as iniciativas
legislativas que afrontam os nossos direitos, sobretudo a PEC 215/00,
PEC 237/13, PEC 038/99, PL 1610/96 e PLP 227/ que buscam suprimir os
nossos direitos originários, coletivos e fundamentais;
2. A aprovação do PL 3571/2008 de criação do Conselho Nacional de
Política Indigenista (CNPI), do Estatuto dos Povos Indígenas e da PEC
320/2013 que propõe a criação de quatro vagas para deputados federais
indígenas;
3. A urgente revogação de todas as portarias e decretos editados pelo
governo Dilma e que afrontam os nossos direitos, principalmente a
Portaria 419/2011, Portaria 303/2012, Portaria 2498 e Decreto 7957/2013;
4. A retomada imediata da demarcação de todas as terras indígenas, assegurando a sua proteção, extrusão e sustentabilidade;
5. O fortalecimento da Fundação Nacional do Índio (Funai), para que
cumpra adequadamente a sua responsabilidade de zelar pelos direitos
indígenas, principalmente no tocante a demarcação de todas as terras
indígenas, conforme determinou a Constituição Federal de 1988;
6. O respeito, por fim, ao caráter multiétnico e pluricultural do
Brasil reconhecido pela Constituição Federal, assegurando para os nossos
povos reais e efetivas políticas públicas, estruturantes e permanentes,
específicas e diferenciadas, nas áreas da educação, da saúde e de todas
as áreas do nosso interesse;
7. Priorização pelo Poder Judiciário, sobretudo ao STF, do julgamento
de processos de interesse dos nossos povos e comunidades, de forma
especial a Petição 3388;
Por fim, reiteramos a nossa determinação de permanecermos unidos e em
aliança com outros movimentos e organizações sociais que como nós lutam
pela construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, justa e
plural.
Brasília – DF, 03 de outubro de 2013.
Com informações CIMI/DF
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