Roberto Malvezzi (Gogó)
Primeiro foi a terra. Os ingleses, em plena revolução industrial, inventaram o “enclousure”, literalmente a terra “enclausurada”. Para quem conhece os meios religiosos, sabe que clausura quer dizer cercado, isolado, só entra quem for o dono ou quem for admitido. As terras comunitárias, da Igreja e dos reinados foram transformadas em clausuras, isto é, propriedades particulares.
Trezentos anos depois a propriedade particular da terra nos parece tão natural que imaginamos ter sido eterna, como se fosse uma criação de Deus.
No final do século passado começou a privatização das águas. Aqui há mais resistências, guerras, como a de Cochabamba, retrocessos como a desprivatização dos serviços de água na França, mas a ideologia privatizante da água segue caminhos múltiplos, como a concessão de espelhos d’água no Brasil para fins de aquicultura em plena era Lula.
Depois veio o ar, com as fazendas de torres eólicas que se espalham aqui pelo Nordeste. Enquanto na Europa as empresas requerem cerca de 20 m2 para implantar uma torre, pagam bem por ela, sendo disputadas pela população, no Brasil as empresas exigem 50 hectares de terra por torre e ainda pagam uma mixaria para a população impactada pelas torres. Muita gente não entende a resistência das populações a essas torres, mas se soubessem como é o processo de implantação, logo mudariam de ideia.
Mas, como previa Marx, o capital tende a transformar tudo em mercadoria. Agora é a privatização do sol. Sonhávamos que no Nordeste Brasileiro, uma região absolutamente energética, a tecnologia de captação da luz solar através de placas nos telhados, imediatamente convertida em energia e despejada nas redes, fosse um fator essencial de geração de renda para as famílias mais pobres, agora transformadas em produtoras de energia, não mais dependentes do Bolsa Família. Mas, para nossa surpresa, o governo brasileiro resistiu o quanto pode a esse “novo modelo” e agora está começando a geração de energia solar através de empresas privadas.
Então, aqui na região, começou a privatização do sol. Áreas da caatinga serão desmatadas – um km2 – para dar lugar a usinas empresariais. Serão cercadas para evitar os animais, particularmente os cabritos. Assim, serão criados “enclousures solares” em pleno sertão, gerando renda fixa para as empresas produtoras de energia, enquanto as pessoas e os bodes olharão de fora aquela riqueza estranha em plena caatinga.
Esses são os estadistas que nos governam.
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