Renato Santana
Cimi de Brasília (DF)
Cerca de 40 lideranças indígenas de todas as regiões do país estão reunidas no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, para analisar a conjuntura indigenista e traçar estratégias de ação contra medidas que visam ferir direitos constitucionais, como ao território, saúde e educação diferenciadas.
O encontro começou nesta segunda-feira, 5, e deve seguir até a próxima sexta-feira, 9. Duas Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), que tramitam em comissões na Câmara Federal (PEC 215) e no Senado (PEC 238), são a principal motivação da grande reunião.
“A demarcação e homologação de terras indígenas já estão difíceis de sair no atual governo e no anterior, que apostávamos bastante. Com a aprovação da PEC 215, ficará praticamente impossível de demarcar terras de ocupação tradicional nesse país”, afirma Takywry Kayapó, do Pará.
As PECs visam tirar do âmbito do Executivo a autorização para demarcação e homologação de terras indígenas, transferindo esse poder para o Congresso Nacional. A Fundação Nacional do Índio (Funai) continuaria responsável pelos trabalhos fundiários e antropológicos.
Deve acontecer nas próximas semanas a votação da PEC 215 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Depois de adiada por duas vezes em dezembro do ano passado, por pressão do movimento indígena, o acordo do governo com a bancada ruralista é de votar a PEC logo na abertura dos trabalhos desse ano.
“Entendemos que essas PECs são anticonstitucionais. Os fazendeiros, garimpeiros e madeireiros estão na campanha para que elas sejam aprovadas. Querem os territórios indígenas para explorá-los. Ou seja, as PECs legitimam a vontade desses grupos”, ataca Neguinho Truká, de Pernambuco.
Para ele, o enfrentamento no Congresso Nacional é desfavorável aos indígenas, posto que a bancada ruralista tem ampla maioria. Com isso, o agronegócio forçaria para que nenhuma terra indígena fosse demarcada, além de querer rever outras já demarcadas e homologadas.
“A única coisa que temos nos querem tirar, que é a Constituição. Os quilombolas nem isso têm. As organizações indígenas e não-indígenas precisam se unir para combater essas PECs”, declara Takywry Kayapó.
Criminalização e conflitos
Um dos efeitos mais imediatos da morosidade na demarcação de terras indígenas, ou na não demarcação, são os conflitos entre indígenas e os invasores do território de ocupação tradicional. A demora nas decisões judiciais, caso da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, na Bahia, pela extrusão também acirra os ânimos.
Tais conflitos trazem um pacote de desgraças aos indígenas: criminalização de lideranças, assassinatos e violação de direitos fundamentais, como saúde e educação. Maurício Guarani, do Rio Grande do Sul, defende que as PECs deixarão a situação ainda pior.
“Isso preocupa muito nós, lideranças indígenas de base, que vivem nas aldeias. Principalmente com medidas de mudanças de direitos que garantem a terra, o atendimento diferenciado na saúde, educação e atividades produtivas”, diz.
Maurício frisa que a terra aos indígenas é fundamental para que as comunidades possam viver de acordo com suas culturas e modos de existência. Já para as grandes empresas e governo, a terra e a natureza significam exploração; retirar de forma depredatória tudo o que ambas podem oferecer em prol de um desenvolvimento genocída e fundamentalista.
“Precisamos mostrar ao mundo que esse desenvolvimento ocorre violando direitos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, dos camponeses”, acredita e Takywry Kayapó complementa: “Não somos contra o país melhorar, crescer. O que fazemos é questionar esse desenvolvimento, esse crescimento”.
Falta de consulta
O fato é que o governo federal, conforme dizem os indígenas, pouco os ouve quanto ao modelo de desenvolvimento empregado. Isso em vias práticas significa dizer que as comunidades não foram ouvidas para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, transposição do rio São Francisco, entre outros grandes empreendimentos.
“Não nos consultaram sobre Belo Monte. É mentira de quem do governo federal diz que fomos consultados conforme exige a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, afirma Takywry Kayapó.
Neguinho Truká lembra que na UHE Belo Monte estão sendo investidos R$ 30 bilhões, enquanto para a demarcação de terras indígenas menos de 3 milhões. Para a liderança Truká, é preciso denunciar que 80% dos projetos financiados pelo BNDES no Brasil e na América Latina afetam terras indígenas – casos de TIPNIS, na Bolívia, e da própria usina de Belo Monte, no Pará.
“Como pano de fundo dessa conjuntura temos o governo que recebe a Rio+20 para falar da questão ambiental e grandes empreendimentos, mas na perspectiva deles e sem espaço para os indígenas, representados apenas pelo Marcos Apurinã”, protesta Neguinho.
Para as lideranças, o Encontro Nacional servirá também para discutir políticas públicas e mostrar que os indígenas estão de olho aberto, se preparando para a guerra que se avizinha.
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