segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Nota dos bispos do Tocantins sobre o conflito de terra em Campos Lindos

“Se eu saio para os campos, eis as vítimas da espada; se eu entro nas cidades, eis as vitimas da fome” (Jer 14,18). Leia o documento:
Nós, bispos das cinco dioceses do Regional Norte III, da CNBB, no Estado do Tocantins, ao tomarmos conhecimento do acirrado conflito de terra e dos problemas ambientais, com ameaças de despejo de mais de 80 famílias, no município de Campos Lindos, vimos, em nome de Jesus Cristo, pedir as partes em conflitos, diálogo, amor, justiça e reconciliação. Para tudo isto, nos colocarmos à inteira disposição das duas partes para mediar este conflito.
O município de Campos Lindos é um grande celeiro, a céu aberto, de soja, no Estado do Tocantins. No entanto, apesar disso, possui o segundo pior IDH do Estado. Significa dizer que as riquezas que circulam no município, decorrentes desta produção, não contribuem para o desenvolvimento da região e nem beneficiam a população local.
Além do mais, foi em uma fazenda desta mesma região que se deu o primeiro caso de trabalho escravo no Estado do Tocantins, com o resgate de 29 trabalhadores. A Campanha da Fraternidade deste ano de 2014 que tem como Tema “Fraternidade e Tráfico Humano”, diz, em grandes linhas, que são situações como esta que rompem com o projeto de vida na liberdade e na paz e violam a dignidade e os direitos do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1).
Nossa solicitude pastoral se dirige, primeiramente, às famílias atingidas pelo Projeto Agrícola Campos Lindos, que já ocupavam estas áreas há décadas, e que hoje correm sério risco de perder e ser despejadas das terras, desde que, em 1997, foram confinadas em sua área de reserva. Nossa orientação é que façam valer os seus direitos, através de um diálogo progressivo e construtivo, mediado pelas autoridades constituídas para estes fins.
Dirigimo-nos, de igual modo, aos produtores de soja, membros da Associação Planalto, a fim de que retirem todas as ameaças às referidas famílias que vivem nestas áreas de conflito e não contaminem mais o meio ambiente pelo uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras de soja.
Por fim, conclamamos o Ministério Público Estadual, o INCRA e o Tribunal de Justiça, e outros, para que, dentro da legalidade, acompanhem, de perto, a revisão do mandado de reintegração de posse, em favor da Associação Planalto, e que estas famílias tenham as suas terras regularizadas e tituladas.
Queremos, com este nosso apelo, fazer jus ao nome de Campos Lindos desta querida cidade. É Jesus que nos pede para que sejamos sal da terra e luz do mundo (Mt 5,13-14). A respeito disto, sugestivas são as palavras do papa Francisco: “com uma vida santa, daremos sabor aos diversos ambientes e os defenderemos da corrupção, como faz o sal; e levaremos a luz de Cristo com o testemunho de uma caridade autêntica. Mas se nós, cristãos, perdemos o sabor, apagamos a nossa presença de sal e luz, perdemos a eficácia. É também muito bonito conservar a luz que recebemos de Jesus. Guardá-la. Conservá-la. O cristão deveria ser uma pessoa luminosa, que traz a luz, que sempre dá luz. Uma luz que não é sua, mas é um presente de Deus, o presente de Jesus. E nós levamos em frente esta luz. Se o cristão apaga esta luz, a sua vida não tem sentido: é um cristão somente de nome, que não leva a luz, uma vida sem sentido” (cf. Angelus, 09/02/2014).
Certos de sermos atendidos, em nossa solicitação, nos colocamos à inteira disposição dos senhores para mediar este conflito.
Na caridade de Cristo, Bom Pastor, com nossa bênção.
Em nome dos 5 bispos do regional da CNBB – Norte 3; Dom Pedro Brito Guimarães- Arcebispo de Palmas; Dom Romualdo Matias Kujawski - Bispo de Porto Nacional; Dom Giovane Pereira de Melo- Bispo de Tocantinópolis; Dom Rodolfo Luiz Weber- Bispo da Prelazia de Cristalândia;
Dom Philip Dickmans,
Bispo de Miracema do Tocantins e Presidente do Regional norte 3 da CNBB.
Miracema do Tocantins, 10 de fevereiro de 2014.


NOTA PÚBLICA: Ameaça de Despejo de famílias em Campos Lindos, TO
A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra vem a público externar sua apreensão diante do risco iminente de despejo de suas terras de cerca de 80 famílias camponesas, em Campos Lindos, TO.
O juiz da Comarca de Goiatins emitiu, em 18/09/2013, mandado de reintegração de posse em favor da Associação de Plantadores do Alto do Tocantins (Associação Planalto) do Projeto Agrícola Campos Lindos, município de Campos Lindos, nordeste do Tocantins. Na ação, a Associação Planalto alega que as famílias invadiram a área de reserva em condomínio, o que estaria prejudicando a regularização ambiental do projeto. O recurso apresentado pelos posseiros foi julgado em 29 de janeiro de 2014 pela 5ª Turma da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Tocantins, a qual manteve a sentença de despejo.
Na verdade a alegação de invasão de área de reserva não corresponde à realidade. Em torno a 160 famílias que, há pelo menos quatro décadas, ocupavam a área, foram pressionadas e encurraladas em reduzido espaço para dar lugar ao Projeto Agrícola Campos Lindos, criado em 1997, pelo governo Siqueira Campos. Em consequência, mais de 90 mil hectares já ocupados por camponeses foram transferidos para fazendeiros, empresários e políticos, entre os quais a atual senadora Kátia Abreu e o ex-ministro da Agricultura Dejandir Dalpasquale. Em uma verdadeira “reforma agrária às avessas”, cada beneficiário pagou apenas 10 reais por hectare.
Depois de muita pressão, aproximadamente 80 famílias tiveram seus direitos reconhecidos pelo Instituto de Terras do Tocantins, Itertins. Grande parte, porém, ficou sem o reconhecimento legal de suas posses. Pais e filhos que moravam perto foram considerados um único núcleo familiar e a eles foi atribuído um único lote. Por isso continuaram na área reivindicando uma solução definitiva.
As últimas sentenças judiciais determinam o despejo de todas essas famílias. A Polícia Militar já fez o reconhecimento de campo e se planeja para, em breve, realizar a ação.
Mais uma vez a propriedade, nem tão legítima como poderia parecer, fala mais alto que os legítimos direitos dos camponeses que, há dezenas de anos, trabalham, produzem e vivem nesta área. Ao invés de tentar conhecer a fundo a realidade, a Justiça se restringe a examinar documentos e papéis. A história escrita e esculpida na terra com o suor e o trabalho das pessoas não conta.
O Ministério Público Federal havia determinado, após audiência pública realizada em 2013, um estudo antropológico sobre a ocupação da área. O laudo do antropólogo foi concluído e publicado somente no dia 28 de janeiro de 2014, na véspera da sentença do Tribunal de Justiça, reconhecendo a ocupação antiga e coletiva da área.
Diante disto, a Coordenação Nacional exige que o despejo seja suspenso e que se garantam os direitos das famílias que, há 18 anos, vivem constantemente sob pressão, na incerteza de como será o dia de amanhã.
Goiânia, 6 de fevereiro de 2014.
Dom Enemésio Lazzaris
Presidente da CPT Nacional

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