terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Para juristas, projeto da Lei Antiterrorismo é genérico e coloca em risco estado de direito

Não especificar o que se enquadra como terrorismo abre possibilidade para criminalização política

Ayrina Pelegrino e Luka Franca
ùltima Instância

O Congresso Nacional voltou a debater a tipificação do terrorismo em sua pauta nesta terça-feira (11/2) motivado pela morte do cinegrafista Santiago Andrade ocorrida no dia anterior. O cinegrafista foi alvo de rojão durante manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio de Janeiro na última quinta (6). O falecimento levou alguns senadores a defenderem a aprovação do PLS 499/13 (Projeto de Lei do Senado), também conhecido como Lei Antiterrorismo, em regime de urgência pelo Senado.

O enunciado do artigo 2 do projeto define como terrorismo o ato de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade da pessoa”. A pena seria de 15 a 30 anos de prisão e, em caso da ação resultar em morte, a punição mínima chegaria a 24 anos.
No sistema penal brasileiro, a legislação mais próxima da Lei Antiterrorismo foi criada ainda durante o regime civil-militar e conseguiu se manter válida durante o processo constituinte de 1988. Trata-se da Lei de Segurança Nacional que, em seu artigo 20, impõe pena de 3 a 10 anos de reclusão, aumentada até o triplo no caso de morte, para quem “devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas”.
Segundo a advogada e membro do Comitê Popular da Copa de São Paulo, Juliana Brito, o Código Penal já serviria para dar tratamento a possíveis entreveros durante o período de grandes eventos no Brasil. “Poderiam muito bem ser enquadrados como dano ao patrimônio, homicídio, tentativa de homicídio ou sequestro. Há outros crimes previstos na legislação que poderiam dar conta [de penalizar algum entrevero durante grandes eventos]”, afirma. 
Brito afirma também que o texto do PL não é explícito, ou seja, não designa exatamente o que seriam ações que possam espalhar o terror ou pânico generalizado. “[O projeto] é muito abstrato. Podemos compreender então que uma matéria distorcendo a realidade pode espalhar o terror ou o pânico, e aí a empresa responsável por essa matéria também seria processada?”, questiona.
O advogado Carlos Márcio Rissi Macedo, sócio do GMPR Advogados (Gonçalves, Macedo, Paiva & Rassi), acredita que é necessário que o Brasil tenha uma legislação que efetivamente criminalize e discipline meios de investigação e cooperação internacional contra o terrorismo. Porém, Macedo também aponta que o texto do PL não deixa explícito o que seria definido realmente como terrorismo. Segundo ele, até as manifestações que vem ocorrendo no Brasil poderiam acabar se enquadrando nesse conceito, o que é perigoso. “Tenho sérias dúvidas do que seria ‘provocar ou infundir terror ou pânico’. Este conceito é altamente abstrato, podendo dar margem a interpretações arbitrárias do texto lei, o que coloca em risco o estado de direito”, afirma.
Já para Julio Grostein, professor do Damásio Educacional, o projeto é bem fundamentado do ponto de vista das obrigações internacionais assumidas pelo Brasil no tocante à repressão do terrorismo. “Isso revela um certo cuidado com a harmonização da conceituação penal no direito interno à luz das definições internacionais”, diz. “Qualquer que seja o desfecho da proposta, só fato de haver uma abertura como esta demonstra que há espaço para um debate produtivo sobre a matéria.”
“No entanto, é preciso ter cuidado quando o processo legislativo se acelera em demasia em função de situações excepcionais. Essa preocupação é especialmente relevante no âmbito da tipificação penal de condutas. Nem sempre uma lei aprovada às pressas produz a melhor normatização”, diz Grostein.
Aumento da criminalização política
Para Juliana Brito o projeto o fato do projeto ser genérico e poderia enquadrar diversas formas de intervenção política que movimentos sociais adotam. “O interesse [deste projeto] é muito claro. É o de criminalizar os movimentos sociais e recrudescer o estado penal no Brasil, aproveitando para isso um período de Copa do Mundo onde os direitos constitucionais estão em suspenso e aí fica valendo uma lei [ em um momento que] a Copa vai passar, mas a lei vai ficar”. Segundo ela, “no momento em que existe um momento de mobilizações e a reação frente a elas não é de diálogo, mas de enfrentamento policial para impedir as manifestações não dá para dizer que nós temos os direitos constitucionais garantidos” e a Lei Antiterrorismo só viria a reafirmar isso.
Porém, o tema sobre a regulamentação deste tipo penal não é algo pacífico junto à sociedade nem entre os congressistas. As discussões do PLS 499/13, agendadas inicialmente para esta terça (11/2), deve sair de pauta. O novo relator do projeto será Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que deverá apresentar um substituitivo que consolide a matéria e leve em conta todos os projetos sobre o tema que tramitam na Casa antes de levar o projeto à votação.

Segundo o presidente Renan Calheiros, o assunto será tratado em reunião de líderes marcada para a próxima semana, em que serão apresentadas as prioridades de cada partido para elaboração de um calendário de votações compatível com o ano atípico, com eleições gerais em outubro.

Opiniões divididas

Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a linha com que o tema é debatido no Senado é sobre conseguir proibir que um cidadão entre com uma bomba dentro de um ônibus ou de um estádio. “Não existe legislação perfeita. Portanto, qualquer coisa ajuda [para melhorar a legislação]. Pode-se ajustar a tipificação sobre crime hediondo, não há nada que proíba isso”, concluiu o parlamentar.

Já o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-relator do projeto, a violência que resultou na morte do cinegrafista não se enquadraria em ato de terrorismo. “Não queremos tipificar no terrorismo qualquer tipo de movimento social, mesmo que haja agressões”, disse Jucá.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mostrou resistências, afirmando em coletiva que "é preciso ter cuidado para não dar uma interpretação à lei como se dava durante a ditadura militar". Mas concordou com proposta do Conselho Federal da OAB que prevê punição ao anonimato às manifestações, com o objetivo de combater a ação de mascarados.


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