Israel Souza[2]
As eleições de 2010 tornaram explícita uma tendência já observável em anos anteriores: os evangélicos crescem em número e em inserção e influência nas disputas eletivas. A luta que travam por ocupar um lugar nos espaços do poder oficial é, hoje, indisfarçável e, tanto no cenário nacional como no estadual, exitosa.
Temas de relevância para eles (como o aborto) estiveram em foco durante as referidas eleições, desempenhando importante papel para que elas não tivessem sido decididas ainda no 1° turno.
Esse envolvimento ostensivo e consciente dos evangélicos com a política permite-nos, pois, uma dupla constatação: 1) eles foram “descobertos” como importante força política. No Acre como no Brasil em geral, os candidatos e representantes das principais forças políticas se esforçam para conseguir seu apoio; 2) eles se “descobriram” importante força política. Por isso tomam parte nas disputas eleitorais, concorrendo a cargos eletivos.
Há quem veja nisso algo, não apenas importante e necessário, mas benéfico. É o caso do professor universitário de Ciência Política Robinson Cavalcanti, estudioso do tema em foco. Para ele,
Sendo a atividade política algo necessário, válido e digno, os cristãos, esclarecidos, devem se fazer presentes, interessados em gerir alguma coisa pública (res publica), não só para assegurar os seus direitos e cumprir seus deveres (e os de sua família, de sua igreja, de sua categoria profissional etc.), mas também para permear a sociedade de valores que redundem em um maior benefício para todos e cada um. É o que a Bíblia nos ensina e o que a história atesta (grifo nosso) (Cristianismo & política: teoria bíblica e prática histórica).
De fato, forjando visões de mundo que educam os fiéis para a vida em sociedade, a relação dos evangélicos com a política é algo necessário, inelutável. A extraordinária capacidade de mobilização e o fervor com que defendem suas bandeiras podem contribuir enormemente para a construção de uma democracia verdadeiramente popular.
Sabemos, contudo, que no universo conflitivo da política é preciso bem mais que simples declaração de “boas intenções” ou “bons valores”. Disso já nos informava, nos albores da modernidade, o bom e velho Maquiavel (O príncipe). Ademais, o simples envolver-se com a política nada diz sobre a natureza de tal envolvimento. É consabido - entre as muitas coisas que a história atesta - que o cristianismo foi e pode ser usado tanto para a libertação quanto para a opressão, tanto a favor “dos de baixo” quanto a favor “dos de cima”.
Por isso compete perguntar: em que sentido tem se dado o envolvimento dos evangélicos com a política no Acre? Contribui ele para a formação de cidadãos conscientes e críticos da realidade social em que estão inseridos? Contribui ele para a construção de uma democracia verdadeiramente popular?
Delimitações e definições
Antes de prosseguir, três esclarecimentos.
1) Esse não é um texto apenas sobre as eleições de 2010. Ele não trata unicamente da força eleitoral dos evangélicos nem tampouco da atuação de seus candidatos ou eleitos nestas eleições. Ao lado disso, enfoca-se também a visão de mundo e a visão política que os setores desse segmento religioso apresentam, segundo as quais orientam, compreendem ou justificam suas ações. Nesse sentido, as eleições de 2010 servem a esta reflexão, preponderantemente, como um momento (conjuntura) em que essas visões (que transcendem a conjuntura) afloram, ganhando traços mais nítidos e concretude.
2) Tomamos como objeto de análise três influentes igrejas evangélicas: Assembleia de Deus, Igreja Quadrangular e Igreja Batista do Bosque. A escolha repousa no fato de serem as igrejas que, entre as evangélicas, mais diretamente se têm envolvido com a política no estado[3].
3) Por fim, o que entendemos por democracia. Aqui se seguem, sumariamente, a definição de democracia, os limites e os desafios que o capitalismo representa para sua construção.
Entendemos democracia como Boron (Aristóteles em Macondo: reflexões sobre poder, democracia e revolução na América Latina), que, a partir de Aristóteles, a define como “governo das grandes maiorias em benefício dos pobres, que em todas as sociedades conhecidas (...) sempre são maioria” (BORON, 2011: 23). Trata-se de uma forma de “organização social” que se apresenta sob dupla dimensão. Uma é formal, político-jurídica; e a outra, substantiva, socioeconômica.
Por um lado, envolve a “soberania popular” (o poder emana do povo), sufrágio universal (voto popular, poder da maioria), igualdade política e jurídica, liberdade religiosa, liberdade de expressão, de associação, de manifestação, de reivindicação etc. Por ser formal, essa dimensão requer cidadãos livres, ativos e conscientes de seus direitos e deveres; cidadãos capazes de expressar suas vontades para além de mecanismos formais como o voto e mesmo independentemente de “representantes”. Sem isso, essa dimensão da democracia perde a efetividade, reduzindo-se a um ritual de alienação de poder.
Por outro lado, a democracia envolve igualdade econômico-social, sem a qual a primeira dimensão não será mais que uma farsa. Juntas, e apenas juntas, essas duas dimensões formam o que aqui chamamos democracia popular. Ou, em outras palavras, formam o “governo do povo, pelo povo e para o povo”[4].
Por isso, mais que algo dado, a democracia é aqui tratada como um projeto societário em construção e em favor “dos de baixo”. Projeto que se ainda não se concretizou não foi por simples falta de esclarecimento ou vontade política do “demos” (povo), e sim porque ele está - para o bem e para o mal - sujeito aos conflitos sociais e aos condicionantes estruturais próprios do sistema do capital.
Aos oprimidos e explorados (“os de baixo”) interessa que ele se realize; aos opressores e exploradores (“os de cima”), não. Donde se segue que estes, intentando manter seu domínio e privilégios em detrimento daqueles, lançarão mão de todos os expedientes que estiverem ao seu alcance para a não realização de tal projeto.
Quanto aos condicionantes estruturais cumpre destacar que, por sua natureza, o capitalismo representa limites à democracia, tendendo em última instância a aniquilá-la. Segundo Ellen M. Wood (Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico), uma das maiores autoridades no assunto,
O capitalismo é estruturalmente antitético à democracia não somente pela razão óbvia de que nunca houve uma sociedade capitalista em que a riqueza não tivesse acesso privilegiado ao poder, mas também, e principalmente, porque a condição insuperável de existência do capitalismo é o fato de a mais básica das condições de vida, as exigências mais básicas de reprodução social, ter de se submeter aos ditames da acumulação de capital e às “leis” do mercado (WOOD, 2006: 8).
Com seu habitual e extraordinário poder de síntese, a autora expõe os limites e os desafios que o capital representa para a democracia e para toda a tentativa de superação dos problemas “pelo alto”, isto é, pela simples via oficial das eleições. No capitalismo, a riqueza, e não o povo, é que tem acesso privilegiado ao poder.
Por isso, é acertadamente que Boron diz que vivemos em plutocracias (governo da riqueza) e não em democracias (“governo do povo”). É pela mesma razão que Mészáros (O desafio e o fardo do tempo histórico) trata o capital como
A força extraparlamentar por excelência cujo poder de controle sociómetabólico não pode de maneira alguma ser restringido pelo parlamento. É por essa razão que o único modo de representação política compatível com o modo de funcionamento do capital é aquele que efetivamente nega a possibilidade de contestar seu poder material (MÉSZÁROS, 2007) (grifos do autor).
Em linguagem simples: o poder do capital extrapola os domínios dos poderes oficiais e se sobrepõe a eles. Em virtude desses condicionantes estruturais, seria demasiado pueril explicar as vicissitudes da democracia como uma fragilidade intrínseca a ela. Seria igualmente pueril atribuí-las, unicamente, a “mudança de governos”, a “traições pessoais” e a “desencaminhamento de partidos”. Tudo isso conta, mas não é tudo. “Com efeito”, prossegue Mészáros,
o Estado moderno, como construído sobre o fundamento material do sistema do capital, é o paradigma da alienação no que concerne aos poderes de decisão abrangentes/totalizantes. Seria, portanto, extremamente ingênuo imaginar que o Estado capitalista poderia de bom grado ceder os poderes alienados de decisão sistêmica ao ator rival que opere dentro da estrutura legislativa do parlamento (MÉSZÁROS, 2007: 288-289) (grifos do autor).
Restariam, portanto, impotentes as tentativas de consolidação do “governo popular” pela simples “tomada” de um Estado que foi plasmado com e em função do atual sistema econômico-social[5]. Pela via eleitoral ou pela via revolucionária, quer a coloração do partido governante seja azul, quer seja vermelha; seja o governante saído das fileiras de uma elite intelectualizada, seja ele saído das fileiras dos trabalhadores pouco instruídos. Ou mesmo seja mulher, ex-guerrilheira. Pouco importa. Com uma estrutura política assim, condicionada e vergada sob os imperativos do capital, não se pode avançar muito no caminho das transformações sociais em favor “dos de baixo” - a não ser em áreas que não ponham em questão a acumulação capitalista e sua lógica destrutiva, coisas não mais que cosméticas.
A história mostra que, no que diz respeito à estrutura política, vale a máxima do carpinteiro de Nazaré: “não se pode colocar vinho novo em barris velhos” (Mt, 9: 17). Infelizmente, o problema aqui não é os barris quebrarem. Antes fosse. O problema é o vinho se perder. As forças políticas hoje governantes na Venezuela, na Bolívia e no Equador compreenderam que, ainda que importante, não basta chegar ao Estado, mudar os governantes.
Por isso, além de apoiar-se na e fomentar a participação popular para a construção de um tipo alternativo de sociedade, aquelas forças puseram em marcha uma reestruturação do Estado. Na contramão do neoliberalismo, deram ao Estado feições democrático-populares, com amplas responsabilidades sociais. E fizeram-no, no mesmo processo, mais forte ante as forças estrangeiras e mercadológicas[6]. Isto é, fortaleceram a democracia tanto em sua dimensão formal quanto em sua dimensão substancial.
Por fim, Ellen M. Wood também mostra que “as exigências mais básicas da reprodução social” têm de se submeter às “exigências da acumulação de capital”, ou seja, à busca do lucro a qualquer custo[7]. O que interessa, pois, no capitalismo não são as pessoas e sim as coisas, independentemente do que isso possa representar para a vida. “A degradação da natureza ou a dor da devastação social”, acode-nos outra vez Mészáros (Para além do capital: rumo a uma teoria da transição), “não têm qualquer significado (...) em relação ao imperativo absoluto (do capital) de sua auto-reprodução em escala cada vez maior” (MÉSZÁROS, 2002: 253).
Vê-se com isso que o sistema capitalista representa limites de grande envergadura para a democracia, tanto para sua dimensão formal (político-jurídica) quanto para sua dimensão substancial (econômico-social). Lançando mão de seu “acesso privilegiado ao poder”, ele se afirma contra ela, submetendo ambas as suas dimensões aos imperativos da acumulação de capital.
Longe de desanimar-nos, isso deve estimular-nos para a luta democrática. Ellen M. Wood argumenta que
Enquanto o capital global depender dos Estados locais, (...) esses Estados continuarão a ser um alvo potencialmente útil para as forças de oposição. As lutas democráticas visando alterar o equilíbrio das forças de classes, tanto dentro quanto fora do Estado, talvez representem o maior desafio ao capital (WOOD, 2006: 8).
Numa palavra, “essa contradição crescente oferece um pouco de esperança” (WOOD, 2006: 8-9), contanto que, como e contra o capital, as lutas populares se deem nos espaços parlamentar e extraparlamentar. Pela mesma razão de o capital só poder se afirmar contra a democracia, a democracia só pode se afirmar contra o capital. Daí não ser casual perguntarmos se o envolvimento dos evangélicos com a política tem contribuído para a construção de uma democracia verdadeiramente popular.
O critério na escolha dos candidatos
Como os evangélicos têm se envolvido com a política? Basicamente, pela via das disputas eleitorais. Deixando para as seções seguintes a atuação dos candidatos evangélicos, por ora importa saber: a partir de que critério esse eleitorado significativo e influente escolhe seus candidatos? Que implicações tal critério traz para a democracia?
Nas eleições de 2010, ficou patente uma estratégia já observada em eleições passadas: os candidatos evangélicos manifestam notória insistência em afirmar sua identidade cristã. Muitos usaram seus títulos de Pastor, Bispo, Apóstolo, Missionário, servo de Deus etc., para compor seu nome de urna.
Dentre outras coisas, o uso desses títulos expressa a afirmação da identidade cristã e da autoridade eclesial, bem como uma forma de “chamamento ao povo evangélico”. O candidato que disso lança mão procura angariar o apoio daqueles que, com ele, partilham de uma visão de mundo, uma crença. Dizer-se evangélico faz parte da propaganda, e Deus não deixa de ser forte cabo eleitoral de um e outro candidato.
Além dos sugestivos nomes de urnas, foram criados slogans claramente referenciados no universo simbólico cristão (linguagem cristã). Na referida campanha, eram abundantes os “santinhos” com as expressões “homem de Deus”, “Fé e trabalho” e outras congêneres.
Embora pareça ingênuo esse tipo de propaganda, entre os evangélicos ele é muito eficaz, pois ajuda na identificação do eleitor com o candidato, aproximando-os pela fé professada.
Durante entrevistas, pudemos observar que muitos eleitores evangélicos tinham como critério central na escolha de seus candidatos o ser um “homem ou mulher de Deus”. Em muitos casos, pouca ou nenhuma atenção se dava às propostas. É como se o fato de dizer-se de Deus, para eles, fosse o bastante para merecer seu voto.
Do mesmo modo, não foram poucas as vezes que ouvimos pessoas dizendo que “(para presidente) vou votar na Marina (candidata à presidência pelo PV - Partido Verde), porque ela é uma mulher de Deus”. E suas propostas? Eram realmente melhores que a de seus adversários? Representavam, efetivamente, algo distinto?
Em tal esquema interpretativo, as poucas vezes em que as propostas eram consideradas, elas sempre ocupavam lugar secundário.
Para não poucos evangélicos, o “homem de Deus” é melhor do que o “homem do mundo” (o “homem que não é de Deus”). Atribuído a ateus[8], o qualitativo “do mundo” é carregado de conotações negativas. E funciona como a contraface do qualitativo “de Deus”. Este é carregado de conotações positivas e, no geral, é atribuído a evangélicos. O primeiro inferioriza; o segundo superioriza.
Em tal perspectiva, o “homem de Deus”, além do “favor divino” (que o “sustenta” e “inspira”), teria virtudes e valores que o “homem do mundo” não teria. Parecia não ocorrer à maioria das pessoas que ouvimos que o “homem de Deus” é também um homem, e, como tal, também sujeito ao erro. Da mesma forma, parecia não ocorrer que o “homem do mundo” também pode ter virtudes; e pode ser, em muitos aspectos, mais capacitado e íntegro que aqueles que “são de Deus”.
Evidentemente, tal visão de mundo não é partilhada pela totalidade dos evangélicos. Mesmo nos meios em que ela grassa, é passível de apresentar nuanças. Não obstante, ela é elemento fundamental na constituição da identidade dos crentes, pois que os diferencia - em sentido qualitativamente positivo - dos não-crentes. Trata-se de uma perspectiva própria do universo religioso, mas que serve de juízo que se estende a outras esferas da vida social, incluída aí a política.
Da parte dos que a abraçam sem reservas, quer estejam cientes disso ou não, essa perspectiva expressa acriticidade, corporativismo (“Evangélico vota em evangélico!”)[9] e certo preconceito para com aqueles que não professam sua fé. Acresça-se a isso um orgulho patente de ter, nas esferas estatais, “um irmão”. “Elegemos o Astério duas vezes para vereador e, agora, para deputado (estadual)”, disse um dos entrevistados, membro da Igreja Batista do Bosque.
Era indisfarçável. Ter uma autoridade que se dissesse evangélico mexia com seu orgulho e vaidade. Quando perguntado sobre as propostas do candidato, o entrevistado manifestou sarcasmos. Deu de ombros, como quem acha a pergunta sem sentido, e questiona: “E precisa? Pra quê?”. Ora, e como cobrar algo de quem nada propõe?
É um direito do crente escolher um dos seus para nele depositar seu voto e confiança. Numa democracia representativa, é lícito, legítimo e razoável optar por aqueles com quem partilhamos algo. Sobretudo algo que levamos tão a sério como a fé. É de se questionar, porém, se esse critério é o mais adequado para escolher “bons gestores para a res publica” (voltaremos a esse tema mais à frente).
Ademais, vale destacar que, ao assim proceder, os que optam por esse critério tornam-se vítimas em potencial daqueles que, por conveniência e esperteza, lançam mão do vocabulário cristão. Ressaltamos, para utilizar uma figura de linguagem bíblica, que não são poucos os lobos que se apresentam em pele de cordeiro.
Visão política: fetichismo do voto e cidadania castrada
Durante a campanha de 2010, os encontros de candidatos com os evangélicos foram uma constante. Encontros com pastores, líderes e membros de várias igrejas. Os candidatos afirmavam a importância de ter na política “homens de Deus”, como a incentivar o envolvimento dos crentes com a disputa eleitoral então em curso.
Em visita a Igrejas, Tião Viana (candidato ao governo estadual pelo PT) destacou a importância do apoio e do trabalho da Igreja. Além dele, Jorge Viana e Edvaldo Magalhães (candidatos ao Senado pela FPA) agradeciam o apoio dos religiosos, e se comprometeram de, se eleitos, trabalharem pela parceria Estado-igrejas para a prestação de serviços sociais.
Discursando, Tião Viana disse ter
muito respeito pelas atividades de vocês, pastores. São homens e mulheres que se dedicam de corpo e espírito a ajudar, a prestar assistência a quem já perdeu tudo, inclusive a esperança. Antes de mais nada, vocês são plantadores de esperança num deserto de muita dor e agonia por causa da violência, do tráfico e da miséria que ainda ataca muito de nossos irmãos. Por isso, esse nosso desejo de continuar esse trabalho que vem sendo feito no Acre para que possamos, cada vez mais, diminuir o drama social que tanto nos atormenta (Pastores da Assembléia de Deus declaram apoio a Tião, Jorge e Edvaldo).
De seu lado, o Apóstolo Iudison, em encontro realizado na Igreja do Evangelho Quadrangular, foi enfático: “precisamos eleger pessoas comprometidas com a vida e a família”. Ele defendia a importância de “estabelecer o governo de Deus também na política”. E concluiu: “É necessário votarmos em pessoas envolvidas com o Reino de Deus; que tenha temor no Senhor”.
Outro Pr. dizia que “marchar rumo à vitória com Tião Governador, Jorge e Edvaldo para o Senado é importante, porque este grupo não só mudou a forma de fazer política no Acre, como mostrou que pode ser parceiro da nossa Igreja”. Continuava ele: “Vamos lutar pela eleição deles e da candidata do presidente Lula, Dilma Rousseff, porque este país também está mudando”.
Cabe aqui uma reflexão sobre “a mudança” na “forma de fazer política” lograda pela FPA. Em seguida, passamos em vista a visão política que as autoridades religiosas manifestam e sob as quais educam/orientam seus fiéis, extraindo dela as implicações para a democracia.
Por ilícitos cometidos durante a campanha de 2010, a Procuradoria Regional Eleitoral no Acre (PRE/AC) ajuizou no Tribunal Regional Eleitoral do Acre (TRE/AC) ação de investigação judicial eleitoral pela cassação do registro ou diploma de Tião Viana, de César Messias (vice-governador de Tião Viana), de Jorge Viana e de Edvaldo Magalhães. Na ação, os candidatos eram acusados de abuso de poder econômico, abuso de poder político, uso indevido e abuso de meios de comunicação social.
Pesava sobre eles ainda a acusação de terem constrangido servidores públicos e trabalhadores de empresas dependentes da administração Estadual e Municipal a participarem de reuniões e a trabalharem na campanha e nos “bandeiraços”. Teriam, além disso, articulado com o empresariado local um esquema de financiamento de campanha em troca de futura obtenção de contratos.
A acusação de abuso de meios de comunicação foi comprovada pelo uso indevido do sistema público de comunicação para privilegiar os candidatos da chapa majoritária da FPA, pela divulgação de pesquisas de intenção de voto sem registro (todas elas, aliás, muito distantes do que as urnas mostraram) e pelo direcionamento da linha editorial de vários veículos de comunicação do estado.
Se condenados, os acionados teriam o registro de candidatura ou diplomas cassados, ficando inelegíveis por oito anos. Entretanto, por unanimidade, os juízes do TRE consideraram nulas e mandaram destruir as provas mais contundentes do processo (as escutas telefônicas e as listas de eleitores com os respectivos números de título contidos no HD do computador de Jorge Viana).
O processo continua tramitando. Mas, sem as provas mais substanciais, em que resultará? Acaso isso prova a inocência dos candidatos da FPA? Não. Apenas impede que se possam levar a bom termo uma investigação e um julgamento sérios que, pelo teor das provas, certamente comprovariam crimes e culpabilidade.
O governo da FPA jacta-se de, tendo debelado o “esquadrão da morte”, ter resgatado o Estado de direito. Mas, pelo que vemos, se ele o fez, foi somente para enterrá-lo em seguida. No Acre, democracia, Estado de direito, divisão dos poderes, nada disso se sustém, nem mesmo em seus aspectos mais formais. Nesse sentido, é forçoso concluir que a “forma de fazer política” da FPA em nada se diferencia daquilo que, em anos que já vão longe, ela criticava. A democracia está ferida e a justiça, sob suspeição.
Ignorando ou encobrindo fatos dessa natureza, as lideranças religiosas em foco acabam por compactuar com o erro e com o crime e por conduzir seus fiéis pelo mesmo caminho.
Devido à contundência das provas contra a FPA e à maneira como o processo está sendo conduzido, muitos consideram o resultado oficial dessas eleições como ilegítimo. Além disso, a “forma de fazer política” da FPA já vem maculada de outras primaveras. Brevemente, lembremos três casos a esse respeito: irregularidades na conclusão da BR-364, a compra do helicóptero e a pensão vitalícia dos ex-governadores.
Outra vez, em 2010, as obras da BR-364 apareceram na lista de irregularidades graves do TCU (Tribunal de Contas da União). Incluída entre as obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a obra apresenta diversas irregularidades e não apenas preços acima do normal, como em geral falam e procuram justificar recorrendo à distância que o material percorre até chegar ao Acre. Isto encareceria o custo das obras.
Ignoremos, por um instante que seja, o fato de os técnicos do TCU, mesmo considerando a distância, continuarem a condenar o preço da obra. Mas como explicar a execução de trabalhos não previstos em contrato, a ausência de projetos, a prestação de serviço sem qualidade e o pagamento superfaturado por serviços inexistentes? Entre as irregularidades, o TCU constatou ainda a falta derecolhimento do Imposto de Renda e do ISS (Imposto sobre Serviços), pertencente aos municípios.
Em entrevista ao jornal A Tribuna, o diretor do Deracre (Departamento de Estradas e Rodagem do Acre), Marcus Alexandre, alegou que “não significa novas irregulares constatadas”. E, para ele, “as obras da BR-364 não correm risco de paralisação igual a outras que também apresentaram indícios graves”. “No julgamento final”, dizia o presidente, “restará somente o que realmente for constatado irregular” (Obras da BR-364 apresentam irregularidades graves segundo relatório do TCU).
Dentre muitas coisas que na entrevista saltam aos olhos, destaca-se o reconhecimento de irregularidades: “não significa novas irregularidades constatadas”, “as obras da BR-364 não correm risco de paralisação igual a outras que também apresentaram indícios graves”. Não se trata de denúncia da oposição, mas de declaração de uma autoridade estatal. Se isso é fruto de compromisso com a verdade, ingenuidade ou cinismo, deixamos a cargo do leitor.
Para dizer o mínimo, a compra do helicóptero (modelo Esquilo AS 350B2, adquirido em 2008 por R$ 7,9 milhões) foi nebulosa. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), a suspeita que recai sobre ela é 1) de fraude nos processos licitatórios; 2) direcionamento para que uma empresa fosse vencedora dos pregões; e 3) superfaturamento. “Coincidentemente”, o presidente do Conselho de Administração da Helibrás, a empresa fabricante do helicóptero, era o ex-governador Jorge Viana.
O MPF ressalta na ação “a excessiva quantidade de requisitos para a formação do projeto básico do helicóptero, que inclui itens disponíveis apenas em aeronaves fabricadas pela Helibrás, prejudicando o caráter competitivo da compra”. Além disso, “as especificidades por si só (sic) descaracterizam o helicóptero como bem comum, impossibilitando o uso do pregão como modelo licitatório”.
Importa destacar, ainda, que a pensão vitalícia que o ex-governador Jorge Viana ressuscitou e aprovou para si mesmo é, além de um descaso com o estado do Acre e sua população, uma afronta à Constituição.
Em entrevista, Jorge Viana argumentou que a pensão é uma forma de se “proteger das muitas perseguições” a que estão sujeitos os ex-governadores. Ora, se ele que tem uma considerável fortuna e recebe o salário de senador precisa da pensão, de quanto não precisará o cidadão comum e o funcionário público para se proteger das perseguições das autoridades estatais?
Por essas e outras razões, se entendermos a justiça como um dos elementos constituintes do “Reino (ou Governo) de Deus”, então ele (o Governo de Deus) está muito longe de ser estabelecido na política.
Tudo isso deveria, no mínimo, inspirar cautela nas referidas lideranças religiosas. Deveria também levá-las, uma vez que apoiam as forças governistas, a questionar tais abusos e a cobrar satisfação dos envolvidos.
Pelo que podemos perceber, as lideranças religiosas são zelosas em devotar apoio às autoridades e em orientar seus fiéis a votarem em seus candidatos. Mas não educam suas comunidades a se levantarem contra os desmandos e as injustiças, a cobrarem daqueles em quem elas, por orientação de suas lideranças mais caras, votaram.
Silenciar sobre abusos dessa natureza, além de demasiado comprometedor (porquanto pode ser entendido como conivência), revela também que a visão da participação política trabalhada nas igrejas em questão se reduz às eleições, ao ato de votar. Os fiéis estão sendo educados para serem eleitores. Educados para votar, e não para serem cidadãos em amplo sentido.
Uma visão política assim é demasiado estreita. E, no fim, em nada contribui para a afirmação de uma democracia verdadeiramente popular. Ao contrário. É até prejudicial, pois apática ante os vícios do sistema e dos governantes. Tenhamos em conta que o problema da democracia não é mais, nessa altura, o voto popular. Após o fim do regime ditatorial, o voto popular foi restabelecido.
O principal problema, agora, não é simplesmente escolher, mas como acompanhar e fiscalizar os eleitos - do vereador ao presidente -, de forma a influir decisivamente na criação e manutenção de políticas substantivas.
A falta de mecanismos eficazes de acompanhamento, de fiscalização e punição é um dos fatores que tornam a democracia tão desacreditada, pois submetida aos caprichos “dos de cima” e impotente para fazer valer os interesses “dos de baixo”. E é função do mesmo motivo que abundam os escândalos. O mandato político tem se tornado uma espécie de “blindagem”, deixando o candidato eleito quase fora do alcance do eleitor e da justiça. A passividade dos cidadãos apenas reforça essas debilidades da democracia.
Exercendo um direito legítimo, as lideranças religiosas têm orientado “suas ovelhas” a votarem em quem elas (as lideranças) acham melhor. Todavia, essas “ovelhas” não são orientadas a fiscalizar os eleitos, não são orientadas a reivindicara justiça e a protestar contra as injustiças.
Ao fim e ao cabo, enquanto os sujeitos se entenderem apenas como eleitores, os problemas persistirão, porém banhados nas águas da aparente soberania popular. E todos os desvios serão sempre debitados na conta do eleitor que “não sabe escolher em quem votar”, como se a democracia não tivesse outras maneiras de expressão popular além do voto.
É por essas e outras que o voto vai deixando de ser expressão da vontade do eleitor. Hoje ele mais se assemelha a uma arma voltada contra o eleitor, deixando-o refém dos eleitos e do sistema. Este último, através do voto obrigatório, extorque da população a aparência de legitimidade de que tanto carece.
Importante para a democracia, o voto popular? Sim. Importante, a tal ponto que não se poderia falar em democracia sem ele. Suficiente para criar ou consolidar uma democracia popular? Não. Insuficiente, a tal ponto que não se poderia falar em democracia só com ele.
Deve-se reconhecer, pois, a importância do voto popular. Sem, porém, supervalorizá-lo, tomando-o como o equivalente de “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Eis uma armadilha em que não poucos caem: o fetichismo do voto.
O que séculos atrás Rousseau disse do povo inglês serve, hoje, para nós. Mostrando que o povo que se contenta em expressar sua vontade apenas através do voto não passa de uma espécie de escravo, o autor diz em seu clássico Do contrato social:
O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso, que dela faz, mostra que merece perdê-la (ROUSSEAU, 2005: 187).
Em nossos dias, as coisas ficaram ainda piores depois que parte considerável das forças políticas progressistas gestadas durante os duros anos da ditadura, chegando ao poder estatal nos cenários estadual e nacional, passou a compor o bloco das forças conservadoras e antipopulares[10]. O desrespeito ao referendo sobre o horário no Acre bem mostra, a um só tempo, os limites do voto e o caráter antipopular do bloco hoje no poder[11].
Dada sua extraordinária capacidade de mobilização, os evangélicos têm grande potencial para contribuir com a criação ou o fortalecimento de iniciativas populares, mostrando que a democracia é mais que voto e pressionando para mudar positivamente esse quadro. Infelizmente, os setores que deles se têm envolvido ostensiva e conscientemente com a política no Acre não o têm usado nessa direção. Aqueles que discordavam da direção oficial de sua igreja - e com os quais conversamos - encontravam-se numa situação entre resignados e impotentes.
Chegados a este ponto, e por uma questão de precisão, é mister acrescentar que as lideranças religiosas não apenas deixam de educar seus liderados para o acompanhamento, para a fiscalização e para a reivindicação na política. Elas desestimulam isso, uma vez que, passadas as eleições, optam por “orar pelos governantes”, pois toda “autoridade vem da parte de Deus”.
Cremos no poder da oração. Mas é impossível ignorar essa flagrante contradição. Quando nas eleições, tomam parte ativamente no processo político, mesmo alegando que “toda autoridade vem da parte de Deus”. Depois, restringem-se a “orar pelos governantes”. Parece que a responsabilidade de seus féis com a res publica começa e termina nas urnas. Fetichismo do voto. Democracia rasa e ritualística. Cidadania castrada.
É comum os crentes se mobilizarem, por exemplo, contra o aborto, contra a união de pessoas do mesmo sexo e para apoiar este ou aquele candidato nas eleições. Mas é uma pena não ver uma mobilização, grande, de evangélicos contra a corrupção e a impunidade, contra a precarização dos serviços públicos, contra o aumento abusivo da passagem de ônibus, a favor da reforma agrária etc.
Será que nada disso diz respeito à família e à vida, sobretudo dos pequeninos, aqueles a quem Jesus dedicou atenção especial e chegou, mesmo, a se identificar com eles (Mt, 25: 31-46)? Será que ser a favor da vida é apenas lutar contra o aborto (permitir que aqueles que não nasceram nasçam) ou pode ser também lutar para que os que já nasceram tenham condições de continuarem vivos e com dignidade?
A escolha dos candidatos das Igrejas: cidadania usurpada e “servidão voluntária”
Como vimos alhures, os evangélicos (das igrejas aqui em foco, insistimos) têm como critério central na escolha de seus candidatos o ser “homens e mulheres de Deus”. Mas como esses homens e mulheres são escolhidos em suas igrejas? Quais as implicações políticas de tal escolha? A resposta a essas perguntas mostrará que essa “escolha” não é tão livre como em princípio pode parecer.
Em entrevista, o vereador Luiz Anute (PPS) relatou como se dá a escolha dos candidatos em sua Igreja (Assembleia de Deus). A escolha, dizia ele, é feita por “indicação do pastor”, que, por critérios próprios (quase nunca expostos à comunidade), apresenta os nomes dos candidatos que serão apoiados pela Igreja. Mesmo se houver outros “irmãos interessados” nas disputas eleitorais, somente aquele a quem o pastor aponta receberá o apoio da Igreja.
A forma autocrática da escolha é coisa mais do que patente: a autoridade decide quem vai representar a igreja nas disputas eleitorais. Todavia, são poucos os fiéis que se dão conta disso. Ao contrário, são muitos os que não enxergam nenhum problema nisso e, até, acham normal.
Um dos entrevistados, da Igreja Batista do Bosque, dizia: “Quando o pastor fala, me sinto intimado a votar. Foi Deus quem escolheu o pastor. Se não faço, me sinto em pecado” - observações congêneres ouvimos de fiéis da Igreja Quadrangular e da Assembleia de Deus.
Sintomáticas, as palavras dos entrevistados merecem destaque e reflexão. As palavras do vereador Anute porque, ainda que referidas à Assembleia de Deus, dizem respeito ao que ocorre na quase totalidade (senão na totalidade) das igrejas que lançam ou acolhem “candidatos oficiais”, isto é, com a aquiescência e a bênção do sacerdote. As do fiel porque mostram a força que a palavra e a autoridade das lideranças religiosas (de forma acentuada, do pastor) exercem sobre os fiéis.
Importa recordar que a liberdade de votar, hoje consagrada na lei, foi um duro golpe nas oligarquias, acostumadas que estas eram a controlar e se apropriar dos votos de seus subalternos. Isso era o que chamavam “voto de cabresto”. E os que estavam sujeitos a isso compunham o que se convencionou chamar “curral eleitoral”, pois aí os indivíduos agiam quais “ovelhas”. Mesmo a contragosto e com certa margem de liberdade, tais “ovelhas” estavam sujeitas à direção e ao peso do cajado dos coronéis.
Hoje, nos ambientes seculares, os sujeitos procuram ter sempre suas lideranças sob controle, impondo a elas agendas e cobrando-lhes satisfação. Vindo “de baixo” seu poder, o líder é sempre devedor de sua base. Discordância e resistência são, a um só tempo, direitos e virtudes nesses espaços. E a liberdade é parte integrante da democracia ou o fermento que a faz viva e vistosa.
Como nos sindicatos e em outros espaços seculares, também nas igrejas os indivíduos não são obrigados, pela via da violência, a votar nos candidatos indicados por suas lideranças. Entretanto, nos “espaços sagrados”, as coisas se passam de modo bem diverso[12].
Uma das diferenças entre um e outro espaço reside na maneira diferenciada com que as lideranças seculares e as lideranças religiosas são vistas/interpretadas por suas respectivas bases. Consideradas representantes de Deus na terra, as autoridades eclesiais revestem-se de sacralidade. Por isso, em contraste com o que ocorre, por exemplo, no âmbito do sindicalismo, no âmbito da igreja, virtude é ser concorde e dócil para com a opinião das lideranças.
Grosso modo, doutrinariamente, discordar das lideranças constituídas é o equivalente a discordar do próprio Deus, a Quem se deve toda obediência. No âmbito eclesial, isso seria passível de reprimendas verbais, disciplina e até afastamento da comunidade. “Murmurador”, “infiel”, “rebelde”, “desobediente”, dizem pejorativamente daquele que “fala” e discorda das autoridades.
Em regra, enquanto no âmbito secular discordar das lideranças é exercer o direito à liberdade, na igreja, discordar é, mais que um erro, um pecado (como alguns entrevistados diziam). Como “o salário do pecado é a morte”, na compreensão daqueles que partilham dessa visão de mundo, discordar dos líderes é abraçar a morte, coisa que nenhum fiel deseja e evita com todas as suas forças. “Fiel”, “obediente”, dizem positivamente daquele que honra as orientações de seus líderes.
É certo que as lideranças religiosas não obrigam ninguém a votar nos candidatos que elas indicam. Não à maneira dos antigos coronéis, com os recursos da violência e do poder econômico. Mas dado que sua autoridade tem caráter sacral (emprestado de Deus), com força extraordinária sua palavra pesa sobre os fiéis. E, constrangendo-os (“me sinto intimado”, dizia o fiel), pode levá-los a pensarem e agirem não como cidadãos críticos e ativos, e sim como ovelhas, dóceis, obedientes, temerosas.
Vindo “do alto” o poder desses líderes, a comunidade é sempre devedora deles. Por isso, é mais fácil a uma autoridade religiosa obter consenso em sua base do que a uma autoridade secular na sua.
O dispositivo que leva os fiéis a votarem nos candidatos indicados é subjetivo. Dispensa força física, mas é tão ou mais eficaz que ela. Uma das maneiras de fugir à sua influência seria considerar a dimensão humana/condicionada/falha das autoridades religiosas.
Entre os entrevistados, encontramos quem assim o fizesse. O fiel em questão resistia às investidas de suas lideranças, que insistiam que ele “tinha que votar nos irmãos indicados”. “Evangélico vota em evangélico”, diziam-lhe, insistentemente. Ele sequer permitiu que pregassem “santinhos” dos “candidatos oficiais da igreja” no seu carro, como estavam a fazer nos carros dos demais fiéis.
Para o referido fiel, membro da Igreja Quadrangular, isso “restringia sua liberdade” e “subestimava sua inteligência”. Dizia que, “apesar da pressão psicológica” (da parte dos irmãos e das lideranças), não era o único a pensar assim na congregação de que participava. Contudo, reconhecia fazer parte de uma minoria. Exceção. A maioria, por uma questão de fidelidade e obediência, seguia fielmente suas lideranças.
No mais, compete enfatizar que, numa relação assim, o voto do fiel passa a ser das lideranças e, por conseguinte, o candidato está mais diretamente vinculado a elas, e não à comunidade. O direito de voto, que devia ser livre e pessoal, é alienado ou, para sermos mais exatos, usurpado.
Entre o candidato e o eleitor, interpõe-se a autoridade religiosa, impedindo, conscientemente ou inconscientemente, a relação transparente e direta entre ambos. Se o candidato está, por assim dizer, fora da visão do eleitor, que relação pode haver entre um e outro? Como fiscalizá-lo, cobrá-lo?
A essa altura da pesquisa e da reflexão, é possível perceber que a visão da política e a forma de escolha dos candidatos dentro das igrejas em tela são intimamente ligadas.
Como vimos, a visão política reduz a democracia ao voto e castra a cidadania, deseducando o fiel para o acompanhamento e para a fiscalização dos eleitos. A escolha dos candidatos dentro das igrejas mostra que, por sua natureza autocrática, nem todo fiel escolhe os candidatos entre os seus. Muitos fiéis se permitem “guiar” pelo seu líder. Este, influindo poderosa e decisivamente em sua escolha, chega a usurpar o (direito de) voto daquele.
Desse modo, o que aí se observa não é apenas uma simples “conscientização sobre a importância do voto”. Tampouco é apenas uma formação que leve os fiéis a compreenderem seus direitos e deveres de cidadãos. Trata-se, antes, de uma orientação - consciente e ostensiva - para que os fiéis votem em determinado candidato.
A propósito, às vésperas das eleições, um líder religioso ministrava seminários sobre “cidadania e política” numa das igrejas aqui em foco. Um dos entrevistados dizia que os seminários serviram apenas de “desculpa” para que o líder pedisse voto para os candidatos que ele estava apoiando e “falasse mal” dos outros.
O conjunto de tudo isso possibilita interpretar de modo diferente o êxito na eleição de alguns candidatos crentes. Mormente, a eleição de candidatos evangélicos tem sido atribuída à coesão (o voto em bloco) e à mobilização/organização dos evangélicos. Rompendo com um passado marcado pelo “apoliticismo”, o evangelismo acreano estaria passando por um “despertar da consciência política”.
De fato, está em curso esse “despertar”. E a coesão e a mobilização/organização são inegáveis. Todavia, é preciso dizer que na base disso, além dos elementos já discutidos acima (acriticidade, corporativismo, preconceito e vaidade), estão: o medo da desobediência (e suas consequências negativas), a busca da obediência (e suas consequências positivas) e o poder autocrático dos líderes religiosos.
Ainda que conduzido com a aquiescência da maioria dos liderados, isso não apaga os efeitos negativos para a democracia: massificação, perda de capacidade crítica. Em razão disso, no âmbito das igrejas de que estamos tratando, o “despertar da consciência política” é natimorto. Por paradoxal que pareça, em esse ambiente se politiza despolitizando.
Em certo sentido, a aquiescência dos fiéis/eleitores pode ser apreendida a partir do que La Boétie chamava “servidão voluntária”, isto é, “uma espécie de sujeição em que o agente, através de sua atividade, é autor da própria servidão” (ABENSOUR, 2007: 166).
Em seus dias, Rousseau não hesitou em chamar de escravos os ingleses que reduziam a democracia ao ato de escolher um candidato e nele depositar seu voto. Como chamaria ele a esses que, entre nós, até desse direito elementar abrem mão?
A “escravidão pelo voto” de que nos falava Rousseau é, para o pesar da democracia, antecedida e pós-cedida por essa espécie de “servidão voluntária”, que de bom grado em tudo consente. Nesse quadro, mesmo a liberdade experimentada e expressa “durante as eleições” é suprimida.
Argumentar-se-á que se trata de uma questão de liberdade. Afinal, pode a democracia dispor de fundamento mais sólido e legítimo que o consentimento? Certo. Muito bem. Lembremos, no entanto, que os governos da Alemanha nazista, da Itália fascista e da Rússia stalinista, além da força, dispunham de fundamentos ideológicos de massa, induzindo os cidadãos a uma fidelidade cega a seus líderes. “Afinal, no século XX os ditadores fascistas não usaram e abusaram dos plebiscitos, a legitimar seu poder?”, pergunta oportuna e provocativamente Renato Janine Ribeiro (2007: 383).
Com isso, não queremos vincular o que ocorre em certos setores do evangelismo acreano com o que se passou nesses países e situações. Apenas salientamos que mesmo regimes altamente ditatoriais buscam amparar-se no consentimento dos de baixo, e às vezes conseguem. Ressaltamos que pode haver fenômenos aparentemente livres e populares, sem que sejam democráticos, pois que marcados pela massificação, pela perda de capacidade crítica dos indivíduos diante de seus líderes e governantes.
Convém não esquecer que o governo dos EUA - fazendo propaganda terrorista sobre o terrorismo, espalhando pânico entre sua população - conseguiu apoio popular para invadir o Iraque. Existiam as alegadas armas biológicas e de destruição em massa? Não. Havia algum vínculo entre Saddam e os atentados de 11 de setembro? Não. O resultado de tal empresa foi a humilhação do povo iraquiano, a pilhagem de suas riquezas e a morte de milhares de inocentes.
Manufaturando um consenso a ferro e fogo, a “potência do norte” criou uma maioria apenas para dar a aparência de legitimidade a interesses de uns poucos indivíduos e empresas. O medo, o preconceito, os argumentos religiosos e a confiança cega nos líderes figuram entre os principais instrumentos dessa criação.
Reflexões sobre a atuação de evangélicos (candidatos e eleitos)
Movido por fé e boa vontade, alguém pode argumentar que a eleição dos candidatos evangélicos e sua atuação no âmbito dos poderes estabelecidos justificariam os meios controversos. Seria como se os fins (eleição de candidatos evangélicos e sua atuação a favor da democracia) justificassem os meios (escolha autocrática, usurpação da cidadania etc.). Os fins democráticos triunfariam, inelutavelmente, sobre os meios antidemocráticos.
Então, vejamos se a escolha de “homens e mulheres de Deus” contribui para construir uma sociedade democrática. Olhemos para como alguns deles se portam durante a campanha e durante o mandato recebido. Nossos olhos repousarão sobre o que se destaca em suas atuações.
Durante a campanha (2010), pudemos observar como alguns dos “candidatos de Deus” estiveram atuando. Notamos que seu comportamento destoava muitíssimo do que pregavam. Um dos exemplos mais destacados dessa contradição foi o de Antônia Lúcia, candidata a Deputada Federal e membro da Igreja Assembleia de Deus.
Contra ela pesam várias acusações, como a de ter “distribuído gasolina” a eleitores. A imprensa chamou o episódio de a “farra da gasolina”. De acordo com MPE, Inquérito Policial nº 300, acandidata Antônia Lúcia - juntamente com outras pessoas - foi acusada de, objetivando votos,conceder combustível a diversos eleitores. Em troca, esses eleitores deixariam colocar em seus carros adesivos de candidatos do Partido Social Cristão-PSC.
Desse flagrante, resultaram três prisões. Entre os presos, estava um Pr. Contra todas as provas, durante o tempo que durou a prisão, Antônia Lúcia, família e fiéis da igreja organizaram manifestações em protesto contra a “falsa acusação”. Em defesa do referido Pr., diziam que “ele não tem envolvimento com nenhum tipo de crime eleitoral e que ele é um homem bom, que inclusive ajudou milhares de jovens a sair do mundo do tráfico e das drogas”.
Alguns membros da Igreja do Evangelho Quadrangular do Acre promoveram um protesto silencioso. Amordaçados, os protestantes pediam a libertação de seu pastor.
Vários outros protestos foram feitos. Não somente por membros da igreja Quadrangular, mas por outros membros de igrejas evangélicas. No entanto, somente após dezenove dias, é que foi concedido habeas corpus para os envolvidos no flagrante da “farra da gasolina”.
Antônia Lúcia, comemorando a soltura, disse que “foi uma vitória do povo de Deus. Minha luta e das comunidades evangélicas para que a Justiça seja sempre a bandeira da imparcialidade prevaleceu”. Aproveitando a oportunidade, ela enfatizava: “Meu trabalho no meio evangélico tem incomodado. Sempre trabalhei para propagar a palavra de Deus. Assim como os apóstolos, estou pagando o preço por ser religiosa e seguir a palavra do criador”.
Quando na pesquisa, observamos que a maioria dos entrevistados afirmava que as denúncias e as prisões eram “perseguição. Todos os candidatos dão gasolina... só foram presos pra atingir o povo de Deus”.
Ainda contra Antônia Lúcia pesaram outras acusações durante a campanha eleitoral. Em cumprimento à Operação Eleições Livres, os agentes da Polícia Federal (PF) cumpriram sete mandados de prisão. Durante a operação, foram conduzidos à Superintendência da PF Antônia Lúcia e os pastores Denilson Segóvia e Márcio Ribeiro, que também foram candidatos.
Durante a operação, os policiais encontraram uma lista com 2.200 nomes de eleitores, que indicava a intenção de compra de votos. No mesmo dia, também, foram apreendidos motores com “rabeta”, bicicletas, motos, computadores, blocos de notas de consumo em postos de combustível, de supermercados e de construtoras. Tudo o que foi apreendido configura crime eleitoral.
Antônia Lúcia também foi acusada de movimentação financeira clandestina. A PF chegou apreender, em uma caixa de papelão pertencente à missionária, R$ 472.130,00 (quatrocentos e setenta e dois mil cento e trinta reais). De acordo com o inquérito, o dinheiro tinha origem em Manaus e na cidade amazonense de Boca do Acre.
De acordo com notícia veiculada pelo site Ac24horas, a nota distribuída pela Assessoria da Polícia Federal justificava que os candidatos foram detidos por terem praticado os seguintes ilícitos: 1) distribuição de dentaduras, 1.1) de óculos, 1.2) de motores e 1.3) combustíveis; 2) elaboração de lista com aproximadamente 2.200 eleitores (o que caracteriza o crime de corrupção eleitoral tipificado no artigo 299 do Código Eleitoral); 3) movimentação financeira clandestina (cerca de R$ 472 mil oriundos de Manaus/AM); 4) declaração falsa prestada ao Tribunal Regional Eleitoral quanto ao valor de bens possuídos; 5) utilização de recursos de Empresa de Comunicação para campanha eleitoral, 5.1) inclusive deslocando dois empregados da Empresa para trabalhar na campanha (prática abarcada pelo artigo 350 do Código Eleitoral); 6) destruição de provas e 6.1) indução de testemunhas a mentir em depoimento, para se furtar da ação de interesse público; 7) falsificação de documentos; 8) uso de bem público em campanha eleitoral; 9) e formação de quadrilha para prática de tais ilícitos.
Essas condutas são descritas como crime eleitoral nos artigos 342, 347, 299, 312 (c/c 29) e 288 do Código Penal.
É importante ressaltar que a candidata Antônia Lúcia não está sozinha nesses processos. Ainda segundo as investigações, pelo menos 10 pastores serão indiciados junto com a Missionária e seu marido, o deputado federal Silas Câmara, liderança da Assembleia de Deus no Amazonas.
Dentre as atividades comprovadas pelo inquérito, estão relacionadas “abuso de meio de comunicação social e arregimentação de estruturas de Igrejas evangélicas. Nestas atividades, outros crimes foram praticados e identificados, como falsidade ideológica com finalidade eleitoral, formação de quadrilha, peculato, falso testemunho e fraude processual”.
A grandiosa estrutura organizada para a campanha não se restringia aos limites do estado do Acre. Tanto foi assim que a principal linha telefônica usada na coordenação da campanha é de propriedade da Câmara dos Deputados e está sob a guarda do marido da candidata, deputado federal Silas Câmara, do Amazonas.
Após ser expedido um mandado de prisão contra ela, Antônia Lucia sumiu do estado, alegando tratamento de saúde. Verdade ou não, assim ela evitou ser presa. Tendoconseguido salvo-conduto no Tribunal Superior Eleitoral, a (agora) deputada federal eleita Antônia Lúcia Câmara volta ao estado e é recebida com euforia por fiéis e pastores da Igreja Assembleia de Deus, onde é missionária.
A missionária foi recebida com hinos e abraços. Chorando, pediu orações para enfrentar as acusações. Em declaração, disse: “Sou uma cidadã de bem. Vim me apresentar diante das autoridades e dizer que estamos aqui para saber de fato o que está acontecendo”.
Depois de tão longa explanação, vamos às conclusões. Breve e pontuadamente, ressaltemos o seguinte:
1) dizer-se “de Deus” e defensor dos “valores cristãos” não assegura que alguém, uma vez eleito ou para se eleger, respeite os princípios da moralidade pública;
2) o impressionante número de sacerdotes envolvidos. Quase a totalidade deles vinculada a um partido que traz no nome uma referência aos cristãos (Partido Social Cristão - PSC);
3) a maneira engenhosa com que as articulações estavam se dando descarta a possibilidade de que as lideranças religiosas tivessem se envolvido no esquema por ignorância, ingenuidade ou boa-fé;
4) envolvidas, essas lideranças envolviam seus liderados, de quem realmente se pode alegar boa-fé;
5) o montante e a contundência das provas apreendidas tornam difícil justificar as investigações e processos recorrendo a “perseguições políticas do governo” ou do “inimigo”. Além do mais, os candidatos do governo também foram investigados e acionados;
6) justificar tudo isso como perseguição, desconsiderando os fatos, certamente contribuirá para que coisas dessa natureza continuem acontecendo. Dentre outras coisas, pela falta de fiscalização dos fiéis sobre seus próprios representantes;
7) alguns entrevistados diziam que “todos dão gasolina”, querendo dizer com isso que as acusações eram injustas e orientadas para “atingir o povo de Deus”. Ocorre que, durante a campanha, os candidatos evangélicos colocam-se moralmente acima dos outros (os do mundo), prometendo “fazer diferente”. Isso bem mostra o grau de desorientação desse eleitorado, ora elevando os candidatos evangélicos acima dos outros, ora nivelando-os com os outros, por baixo.
Essa não é a primeira vez que a Missionária Antônia Lúcia se envolve em escândalos. Espanta o fato de lideranças continuarem apoiando-a, como se nada tivesse acontecido e tudo fosse fruto de perseguições.
Com razão, podem dizer que ela e seus aliados não representam bem os políticos evangélicos, que há outros. É verdade. Estamos falando do delegado de polícia Walter Prado, aquele que, constataram, fez campanha com um ônibus roubado? Além disso, corre contra ele um processo segundo o qual ele é acusado de distribuir mais de duas mil doses de vacina contra aftosa no período eleitoral.
Há ainda a denúncia de irregularidade no uso do ônibus de propriedade do deputado, que transportou eleitores para passeios turísticos, encontros religiosos e de transporte de passageiro entre Rio Branco, Feijó e Tarauacá pela BR 364.
E Helder Paiva (PR), há mais de trinta anos na vida parlamentar? Se algo se destaca nos mais de trinta anos de vida parlamentar de Helder Paiva é sua irrelevância. Quem se lembra de algum projeto ou lei que ele tenha feito, de algo que ele tenha denunciado em sua tarefa de fiscalizar o Executivo?
Respondendo aos que o acusavam de pouco falar no parlamento, ele disse: “Sou pastor evangélico. Se falar demais, posso ser pego pela palavra”. Mas, se a função do parlamentar passa necessariamente pelo falar, não estaria ele no lugar errado?
Após vir à luz a discussão sobre a pensão vitalícia recebida por ex-governadores no Acre, Astério Moreira, fazendo-se cego à flagrante inconstitucionalidade de tal pagamento, propôs sua normatização. De acordo com a proposta do parlamentar, os governadores que já recebem a pensão manteriam os ganhos, porém reduzidos à metade do valor. Os próximos não mais a receberiam. Ele alega que acabar com a pensão seria uma injustiça com a viúva de Edmundo Pinto (governador assassinado no exercício do trabalho) e com Iolanda Fleming, “elas precisam da pensão”.
De imediato, é preciso dizer que manter a pensão é uma injustiça com a maioria dos brasileiros que devem trabalhar mais de 30 anos para só então se aposentar. De outro lado, também é visível a subserviência com os ex-governadores.
Um deputado deve representar o povo, e não este ou aquele sujeito em particular. Não entendemos como a manutenção da pensão pode ajudar o cidadão acreano ou mesmo os evangélicos. Sejamos enfáticos, como o foi Ruy Melo em artigo publicado no blog Ac24horas:
O deferimento de pensões após a Constituinte de 1988 contraria a nova ordem constitucional. O STF decidiu pela inconstitucionalidade das pensões concedidas após a CF de 88 porque, de acordo com a relatora da ADI 3.853, a ministra Cármen Lúcia, o comportamento adotado pelos estados desatende, a um só tempo, os princípios da moralidade, impessoalidade, isonomia e simetria (...).
Portanto, o que o parlamentar evangélico propõe é, além de contra os marcos legais de nosso país, um atentado aos princípios da justiça. Para concluir, então, fiquemos com as palavras de Ruy Melo:
Não só os juristas que se indignam com a situação, mas também os contribuintes esperam que o STF possa coibir esses abusos, que são mais imorais ainda, quando recebem apoio de pessoas, que apoiadas no voto popular, supostamente deveriam defender os interesses dos mais humildes, que na maioria das vezes chegam ao óbito, de forma humilhante, sem receber ao menos a porcentagem mirrada aprovada em leis espúrias, ainda veem seus representantes compactuarem com a manutenção de propostas fora da lei.
Outra coisa: não tomem o santo nome de Deus, em vão! (Demagogia pura)
Considerações finais
Seguindo um caminho já aberto pelo poeta Dante, Maquiavel notabilizou-se, entre muitas coisas, pela defesa da separação entre Igreja (poder espiritual) e Estado (poder temporal). Os anos em que o florentino viveu foram marcados por mudanças que se fizeram sentir nas mais diversas esferas da realidade social. O feudalismo apresentava sinais de esgotamento. E o capitalismo já dava claros e fortes sinais de vida. Para usar uma expressão de Gramsci, outro grande italiano, naquele momento “o novo ainda não acabara de nascer e o velho ainda não acabara de morrer”.
A Itália daqueles dias estava “dividida, corrompida e sujeita às invasões externas” (SADEK, 2004: 21). Nas palavras do próprio Maquiavel, ela estava “mais escravizada do que os hebreus, mais oprimida do que os persas (...); sem uma cabeça, sem ordem, batida, despojada, ferida, devassada, vítima de ruínas de todo tipo” (2004: 157).
A Igreja Católica tinha grande responsabilidade por tão dura realidade. Isto porque, “desde que o império começou a ser rejeitado e o papa adquiriu maior poder temporal”, observava o florentino,
a Itália se dividiu em muitos Estados; várias das suas principais cidades se levantaram em armas contra os nobres que, apoiados pelo imperador, as mantinham oprimidas - o que a Igreja apoiava para assim ampliar seu poder temporal. Em outras cidades, o governo passou às mãos de um só cidadão, de modo que a Itália caiu quase inteiramente em poder da Igreja e de umas poucas repúblicas (MAQUIAVEL, 2004: 85-86).
Para pôr fim a essa situação, Maquiavel propunha a criação de um Estado moderno, “uma forma de governo” que honrasse o governante e “beneficiasse o povo” (2004: 150). Isso requereria esquivar-se ao domínio papal. Afinal, como argumenta Bobbio (1987: 102), o processo de unificação dos poderes difusos e variavelmente em conflito entre si, que caracterizavam a sociedade medieval, seguiria paralelo ao processo de libertação do poder unificado das duas summae potestatestendencialmente universais, a Igreja e o Império.
Depreendem-se dessa observação de Bobbio as dificuldades que a Igreja Católica impunha à formação dos Estados nacionais, uma vez que o papa tendo poder para “além-fronteiras” impedia a formação de Estados nacionais e qualquer desejo e/ou busca de autonomia em relação a sua autoridade e poder. Nessas circunstâncias, havia uma clara tensão entre religião e política.
Ascendendo como classe dominante a que interessava a formação de Estados nacionais, a burguesia combateu intransigentemente a religião onde quer que ela lhe tenha criado obstáculos. Mas onde pôde usá-la para seus fins ela o fez. A tensão entre política e religião, porém, permanecia marcante.
O fato de o Iluminismo tratar a religião como “trevas” a que contrapunha a “luz da razão” é prova disso. Entre amplos setores liberais e socialistas, a religião era compreendida como a negação da política. Aquela, uma ameaça a esta. Era preciso salvar a política da religião.
Tal situação foi se modificando à medida que o secularismo se institucionalizava e se consolidava a separação entre poder temporal e poder espiritual. A religião passa, então, para a esfera da “sociedade civil”, essa que alguns incautos chamam “privada”. Torna-se laico o Estado. A tensão se atenua. Engana-se, no entanto, aquele que pensa que a religião perdeu completamente sua influência política.
Nesse novo cenário, diz Sérgio Paulo Rouanet (Religião: esquecimento da política?), ela “se transformou numa protagonista normal do jogo político democrático” (ROUANET, 2007: 151). Há quanto a isso “dois cenários”, diz o autor. Em um, a “religião é posta a serviço de objetivos político-partidários. É a instrumentalização da religião pela política”. Em outro, a religião usa legitimamente, como outros sistemas de crenças e valores, “os canais de mobilização abertos pela sociedade democrática” (ROUANET, 2007: 151), orientando seus fiéis a votarem em certos candidatos ou mesmo lançando candidatos saídos de seu seio. Após essas observações, Rouanet conclui que, nos dois casos, “a política democrática não é posta em questão”.
Nossa análise limita, sobremaneira, a sentença última de Rouanet. Como vimos, tendo rompido com um passado “apolítico”, os evangélicos (das igrejas aqui em tela) se têm envolvido ostensiva e conscientemente com a política no Acre. Mas esse envolvimento contribui para a construção de uma democracia verdadeiramente popular? Dentro de seus limites, os resultados da presente pesquisa apontam para uma resposta negativa.
O evangélico tem como principal critério de escolha de seus candidatos o ser “homem ou mulher de Deus”. Isso o leva, dentre outras coisas, a ignorar as propostas dos candidatos (tanto dos “homens e mulheres de Deus” quanto dos “homens e mulheres do mundo”). Usar de tal critério para balizar sua escolha é, no universo da democracia representativa, algo legítimo e razoável. Entretanto, expressa acriticidade, corporativismo, preconceito e vaidade.
Nessa visão de mundo, esquece ou ignora que os homens e mulheres de Deus, humanos que são, estão sujeitos a erros. E que, por seu lado, os homens e mulheres do mundo podem ser, em muitos aspectos, até mais capacitados e íntegros que os primeiros. Ademais, quem por isso se guia torna-se vítima em potencial daqueles que, por conveniência e esperteza, lançam mão do vocabulário cristão. Há lobos que se apresentam em pele de cordeiro.
Além disso, a visão política sob as quais as lideranças religiosas das igrejas aqui em foco educam/orientam seus fiéis reduz a democracia ao voto; e o cidadão, a eleitor. Os indivíduos são orientados a votar, mas não a acompanhar, a reivindicar e a fiscalizar a atuação daqueles que, por indicação das lideranças religiosas, receberam seus votos. Desse modo, a cidadania é sempre castrada. Aí se misturam a educação para o voto e a deseducação para as reivindicações por justiça.
Uma vez passadas as eleições, as lideranças religiosas ensinam os fiéis a “respeitar” e a “orar pelos governantes”, fazendo deles eleitores ativos, porém cidadãos passivos. Uma visão política assim é demasiado estreita. E, no fim, em nada contribui para a afirmação de uma democracia verdadeiramente popular. Ao contrário. É até prejudicial, pois apática ante os vícios do sistema e dos governantes.
Desse modo, é lícito dizer que os que aí se enquadram se assemelham àqueles ingleses que Rousseau dizia serem livres apenas no momento das eleições. Após isso, não são mais que escravos.
Vimos ainda a forma autocrática com que são escolhidos “os candidatos da igreja”. O Pastor - com ou sem o auxílio de outras lideranças - indica o candidato, por critérios próprios (quase nunca expostos à comunidade), e fiéis o acolhem. Diante da indicação, o fiel fica passivo e temeroso dos efeitos negativos advindos de uma “desobediência”. A cidadania é, assim, usurpada dentro da igreja.
Entre o candidato e o eleitor, interpõe-se a autoridade religiosa, impedindo a relação transparente e direta entre ambos. Se o candidato está, por assim dizer, fora da visão do eleitor, que relação pode haver entre um e outro? Como fiscalizá-lo, cobrá-lo?
A escolha dos candidatos dentro das igrejas mostra que, por sua natureza autocrática, nem todo fiel escolhe os candidatos entre os seus. Muitos fiéis se permitem “guiar” pelo seu líder. Este, influindo poderosa e decisivamente em sua escolha, chega a usurpar o (direito de) voto daquele.
Por tal razão, não se pode dizer que o que há dentro dessas igrejas é uma simples “conscientização sobre a importância do voto”, uma formação que leve os fiéis a compreenderem seus direitos e deveres de cidadãos. Trata-se, antes, de uma orientação - consciente e ostensiva - para que os fiéis votem em determinado candidato.
O conjunto de tudo isso possibilitou-nos interpretar de modo diferente o êxito na eleição de alguns candidatos crentes, vendo, na base da organização/mobilização dos evangélicos, acriticidade, corporativismo, preconceito e vaidade, medo da desobediência (e suas consequências negativas), busca da obediência (e suas consequências positivas) e o poder autocrático dos líderes religiosos.
Isso conta com a aquiescência dos liderados? Sim. Conta. Todavia não apaga os efeitos negativos para a democracia: massificação, perda de capacidade crítica. Portanto, no âmbito das igrejas de que aqui tratamos, o “despertar da consciência política” é natimorto.
Aí, politização e despolitização se confundem, e a aquiescência dos fiéis/eleitores pode ser tomada como aquilo que La Boétie chamava “servidão voluntária”. A “escravidão pelo voto” de que nos falava Rousseau é, para o pesar da democracia, antecedida e pós-cedida por essa espécie de “servidão voluntária”, que de bom grado em tudo consente. Mesmo a liberdade experimentada e expressa “durante as eleições” é, desse modo, suprimida.
Soma-se ao exposto o fato de que, nas eleições de 2010, tão patente quanto o envolvimento (ostensivo e consciente) dos evangélicos com a política foi o envolvimento de muitos crentes (candidatos e políticos eleitos) em escândalos. A despeito de tantas e contundentes provas, os fiéis permaneciam entre a defesa de que era tudo “fruto de perseguições” e a justificativa de que “todos fazem”, negando tudo num momento para aceitar tudo noutro. Isso bem mostra o grau de desorientação desse eleitorado, ora elevando os candidatos evangélicos acima dos outros, ora nivelando-os com os outros, por baixo.
Quanto aos que não se envolveram com escândalos, podemos dizer que seguem uma linha de “acomodação” às coisas e às relações de força tal como estão postas. Como vimos, eles demonstram uma “fidelidade subserviente” ao grupo de que participam. Podem até criar tensões num ponto ou noutro. Nada, porém, que crie embaraços às forças políticas de que participam.
Trata-se, por mais sincera que seja, de uma divergência consentida e, por isso mesmo, domesticada. Ela permite, a quem diverge, ser interpretado como sujeito de liberdade e autonomia. Às forças de que participa o divergente, permite serem encaradas como “democráticas”, por permitirem a divergência em seu seio.
As atuações de Marina Silva e Henrique Afonso são, quanto a isso, o mais perfeito paradigma. Rompem sem romper. Divergem sem divergir. Ameaçada a hegemonia das forças políticas de que participam, e logo lhas acodem com seu prestígio e solidariedade.
Tudo isso mostra que o envolvimento dos evangélicos (das igrejas que estamos tratando, ressaltamos) com a política não tem contribuído para a construção de uma democracia verdadeiramente popular. Ao contrário. Tem levantado obstáculos enormes a isso, reduzindo a democracia a voto e o cidadão, a eleitor, fazendo do fiel um indivíduo passivo e acrítico em relação aos problemas sociais que o cercam.
Por esse prisma, é impossível concordar com Rouanet, para quem as duas maneiras de a religião se relacionar com a política na atualidade não põem a “política democrática em questão”.
Ao longo de nossa pesquisa, ficou mais que clara a “instrumentalização da religião pela política”. Claro também ficou o uso dos “canais de mobilização abertos pela sociedade democrática”. Entretanto, ao conceber a democracia somente em sua dimensão formal, reduzindo-a ao voto (fetichismo do voto), ao castrar a dimensão reivindic-ativa da cidadania (na sociedade) e usurpá-la (na igreja), os evangélicos em tela têm contribuído para fazer da democracia não o “governo do povo, pelo povo e para o povo”, e sim um regime de “servidão voluntária”.
Em sua época, Maquiavel esforçou-se para salvar a política da religião. Hoje, ao que parece, não é menos urgente salvar a religião da política.
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[1] Tendo por base trabalho anterior (O envolvimento do Protestantismo com a política no Acre: fortalecimento da democracia popular?), esse texto foi escrito entre o final de 2010 e meados de 2011.
[2] Cientista Social, com habilitação em Ciência Política e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO).
[3] Sabemos que os batistas fazem parte dos “protestantes históricos”, aqueles oriundos diretamente da Reforma Protestante. No entanto, muitos membros da Igreja Batista do Bosque se entendem como evangélicos, distinguindo-se daqueles. Isso expressa um problema de grande monta para o pesquisador. Há protestantes que se dizem evangélicos; outros, não. Zelosos de suas raízes, estes últimos se incomodam, se comparados com os evangélicos. Por outro lado, há evangélicos que se dizem protestantes; e outros que não. Para estes, a Reforma “caducou”. Seria necessário “superá-la”, com “outra reforma”. Esta se daria em direção “ao tempo de Jesus e dos apóstolos”. Como se vê, o problema é de identidade: iguais ou diferentes? Tal pode ser verificado dentro de uma mesma comunidade. Resolvê-lo (se é que é possível fazê-lo) requereria uma pesquisa de grande amplitude, o que fugiria a nosso objetivo. Por isso, a fim de evitar as dificuldades que daí pudessem advir, tomamos a Igreja Batista do Bosque como pertencente ao “evangelismo”, como muitos de seus membros entendem e expressam. De resto, vale dizer que, sem intenção de desdouro, os evangélicos aqui serão entendidos também como crentes, fiéis, ovelhas, comunidade.
[4] Para uma conceituação diferente de democracia, considerada “mínima” por seu próprio autor, ver Norberto Bobbio (O futuro da democracia, A teoria das formas de governo eTeoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos). Na mesma perspectiva, ver ainda Renato Janine Ribeiro (A democracia). Aí o leitor encontrará uma concepção apenas formal/procedimental da democracia, definida como “as regras do jogo”. Para uma visão mais ampla - integral e popular - da democracia, ver Aristóteles (Política), Rousseau (Do contrato social), Ellen M. Wood (Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico), Domenico Losurdo (Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal), Atílio A. Boron (Aristóteles em Macondo: reflexões sobre poder, democracia e revolução na América Latina; Estado, capitalismo e democracia na América latina e A coruja de Minerva: mercado contra democracia no capitalismo contemporâneo) e Carlos Nelson Coutinho (Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo e Intervenções: o marxismo na batalha das ideias).
[5] Amparado em pesquisa de grande fôlego, Mészáros garante que esse foi um dos grandes erros do sistema soviético. Ver Para além do capital: rumo a uma teoria da transição.
[6] Caso as revoluções populares que hoje explodem no Norte da África e no Oriente Médio não caminhem no sentido de garantir e ampliar o poder popular sobre o Estado, fazendo deste sujeito plenamente soberano e com as mais diversas responsabilidades sociais, aquelas populações podem até derrubar os antigos tiranos. Porém, não lograrão mais que o direito de escolherem, pela via eleitoral, seus novos tiranos. Assim sendo, não haverá pote de ouro no fim do arco-íris.
[7] O Brasil é exemplar a esse respeito. Aqui, até outubro de 2009, “o governo federal já havia gasto R$ 268 bilhões com juros e amortizações da dívida interna e externa, valor equivalente a sete vezes os gastos com saúde, treze vezes os gastos com educação, ou 192 vezes os gastos com reforma agrária” (ÁVILA, 2009: 28-29).
[8] Também é atribuído a pessoas que, mesmo tendo fé, não congregam em nenhuma igreja (sobretudo, não congregam em igrejas evangélicas) e a adeptos de outras religiões e a católicos.
[9] Em 2010, essa perspectiva se mostrou mais rígida no que diz respeito à escolha de candidatos a “cargos menores” (deputados estaduais e federais) e nas igrejas que lançaram ou acolheram “candidatos oficiais”. Já no tocante a “cargos maiores” (senadores, governador e presidente) e nas igrejas que não lançaram nem acolheram “candidatos oficiais”, ela mostrou certa flexibilidade. Nesse sentido, vale lembrar que Jorge Viana (PT) e Tião Viana (PT) (e Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB)), mesmo não sendo evangélicos, receberam deles apoio, variando caso a caso a magnitude do apoio recebido. Entre os elementos que contribuem para essa flexibilidade, destacamos: 1) liberdade, da parte dos fiéis que ousam ter opiniões próprias, discordando de suas lideranças; 2) o carisma dos candidatos; 3) a força da propaganda eleitoral e, de forma especial, da governamental; 4) a relação dos referidos candidatos (na condição de indivíduos e de homens representantes do Estado) com as igrejas e seus líderes, incluindo aqueles que concorreram a “cargos menores” pelas suas igrejas. Esse elemento último permite assim uma espécie de “casamento de interesses” entre aqueles que, de fora da comunidade, concorrem a “cargos maiores” e aqueles que, de dentro da comunidade, concorrem a “cargos menores”. Aqueles possibilitam a estes projeção para além de suas comunidades; e estes possibilitam àqueles projeção dentro de suas comunidades. Há ainda um quinto elemento que contribui para essa flexibilidade. Talvez o mais importante. E ele mostra que tanto quanto pelos outros elementos ela é ditada pelas circunstâncias. Trata-se, no caso do Acre, da ausência de um candidato evangélico com força suficiente para sair candidato a “cargos maiores” pelas principais coalizões partidárias (Frente Popular do Acre (FPA) e Frente Produzir para Empregar (FPE)), e com chances reais de vitória nas disputas eleitorais. Um candidato que reunisse essas condições certamente receberia maior apoio dos evangélicos e, muito provavelmente, fortaleceria, no campo em que estivesse concorrendo, o corporativismo. Isso mostra que, pelo menos por enquanto, a inserção dos evangélicos no campo das disputas eleitorais tem se dado no sentido de adaptação às coisas e às relações de força tal como elas estão postas. O deputado federal Henrique Afonso (PV) até ensaiou sair a candidato ao Senado. Mas foi demovido de tal intuito, a fim de não prejudicar a “unidade da FPA”. Há nisso um misto de fidelidade e subserviência. Recentemente, alguns pastores propunham formar uma frente alternativa, formada por pastores evangélicos, cansados que estão de servir de massa de manobra da FPA.
[10] Sobre o assunto, ver Oliveira e Rizek (A era da indeterminação) e Oliveira, Braga e Rizek (Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira). Para uma análise de como isso se dá em âmbito estadual, ver Paula ((Des)Envolvimento insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza) e Souza (“Reformas do Estado” e Discurso Florestânico no governo da “Frente Popular”: entre a epopeia e a tragédia e Ambientalismo e geopolítica na Amazônia-Acreana: da criação das RESEX aos corredores da espoliação).
[11] Relembremos: Tião Viana (PT), então senador, mudou o horário legal do Acre para apenas uma hora de diferença em relação à Brasília. Dizem que ele o fez atendendo aos interesses da Globo e da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert). Estas não queriam alterar suas grades de programação de modo a respeitar os horários distintos de cada região do país. Isso foi feito através da Lei 11.662/2008. Sem consulta popular, tal ato desrespeitou a Constituição Federal. Chamada a opinar sobre o assunto, no referendo proposto pelo deputado federal Flaviano Melo (PMDB), a população, com mais de 56% dos votos, decidiu pela volta do horário tal como era, isto é, com duas horas de diferença em relação à hora de Brasília. Agora os componentes da FPA, de forma mais nítida o senador Jorge Viana (PT), agem como se o referendo - expressão da vontade popular - não tivesse valor nenhum. Perderam quando o referendo aconteceu, e em ano eleitoral, para dissabor do católico Nilson Mourão (PT), que muito se empenhou para a não realização da consulta popular. Perderam nas urnas. No momento, a FPA procura remediar a situação nos interstícios dos poderes estabelecidos, antidemocraticamente. Eles alegam questões jurídicas. Dizem que as coisas não são tão simples como a oposição afirmava, que seria necessário, em detrimento do referendo, criar outra lei, que esta deveria passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e, só então, ir a plenário para votação - sem garantia nenhuma de ser aprovada. Mas o advogado Miguel Ortirz lembra que, “conforme regulamentado pelo artigo 10 da Lei 9.709/1998, uma vez homologado o resultado do referendo pelo Tribunal Superior Eleitoral, o ato legislativo que modificou o horário do Acre deixou de existir”. Tudo dependeria tão-só de o presidente do Senado, José Sarney, homologar o resultado das urnas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), segundo seu presidente nacional Ophir Cavalcante, é do mesmo entendimento. Não alimentamos ilusão. Mas pode ser que o horário volte ao que era, desde que, sepultados o referendo e a vergonha que seu resultado representou para as forças governistas, a FPA tire disso algum proveito.
[12] Não há aqui a menor intenção de pintar os espaços seculares com as cores da democracia e tratar os espaços religiosos como se fossem o avesso disso. Por certo, também nos espaços seculares pode campear o domínio pela via do carisma e da hierarquia. Cada um a seu modo, mostraram isso Marx (O 18 brumário), Weber (Economia e sociedade), e, mais recentemente, Domenico Losurdo (Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal). Mostraram-nos ainda os regimes fascistas na Europa e os governos populistas na América Latina. Todavia, deve-se destacar que nos espaços seculares os líderes e as hierarquias são interpretados, de modo geral, como fruto das relações humano-sociais. A lógica sob as quais eles são observados e julgados é aberta à crítica e à desconfiança. Ademais, a base sobre a qual repousam é sempre diversa, conflitual e, não obstante, legítima. Coisa diferente ocorre nos espaços religiosos. Aí, de forma geral, lideranças e hierarquia são “blindadas” por seu caráter sacral, entendido como fruto da vontade divina e não das relações humanas. A lógica sob a qual são observadas é, no mais das vezes, supra-humana. Há, além disso, uma forte tendência a suprimir a diversidade e o conflito a partir da uniformização e da homogeneização dos fiéis, tratando a todos como “irmãos” e “ovelhas” sob os “cuidados” de seus superiores. Não resta dúvida sobre o fato de que isso expressa o espírito de fraternidade e igualdade encontradiço na Bíblia. Espírito que se mostrou potencial e efetivamente revolucionário nalgumas “comunidades primitivas”, nas “heresias medievais”, em segmentos da Reforma Protestante e na Teologia da Libertação. Entretanto, também não se pode negar que ele serviu à subalternização dos leigos e à elitização e à legitimação das lideranças e da hierarquia. Sobre esse assunto, no que se refere ao catolicismo, ao protestantismo e ao evangelismo, recomendamos a leitura de Leonardo Boff (Igreja: carisma e poder) e Rubens Alves (Religião e repressão). Mesmo realizando análises em igrejas cristãs diferentes e com referenciais teóricos distintos, o resultado a que chegaram os autores é bem próximo: o submetimento dos fiéis às lideranças e a profunda resistência destas a qualquer tentativa de democratização nas relações intra-eclesiais. Ainda sobre o assunto, continua indispensável a obra de Bourdieu, com destaque para Economia das trocas simbólicas e O poder simbólico.
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