Tudo se passa no compasso de um grande silêncio. Em tempos idos haveria uma gritaria geral ou intensa movimentação de bastidores. Como diriam os críticos, a Funai como moeda de troca estaria rolando de um canto para outro nos desencantos de sua tortuosa existência. Umas poucas vozes se ergueram pedindo a efetivação do atual presidente interino Flavio. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, diante da solicitação dos índios, se limitou a dizer: “Esse ou outro”. Prevaleceu o outro. Sua missão é alinhar novamente a questão indígena com a política de desenvolvimento do governo Dilma, buscando contornar conflitos e harmonizar interesses e direitos, antagônicos, de modo a não arranhar a imagem do país. Trata-se, como dizia a imprensa, de um dos “ mais complicados cargos do governo federal”. Concretamente é fazer coro à falida e falaciosa política das “mesas de negociação ou diálogo”, como única ação concebível na concepção do ministro da Justiça . E com a benção da presidente Dilma, evitar qualquer movimento na perspectiva de regularização de terras indígenas. Tudo deverá ficar absolutamente parado.
A tortuosa política indigenista de Lula e Dilma
No início do governo Lula, a temática indígena era uma questão de honra para o partido. Afinal de contas havia sido elaborado, com o movimento indígena, entidades indigenista e instâncias do PT, um plano de política indigenista, no qual constavam, como prioridades, a realização de uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que deveria ocorrer ainda no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. Lá já se foram inúmeros carnavais e só para este ano está previsto a realização da mesma. Também constava nesse programa a criação urgente do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Até hoje não se concretizou, ficando restringido à esquálida figura da Comissão. Também constava como urgente a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o que só aconteceu no segundo mandato. E dentre os compromissos assumidos por Lula, um deles era demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro mandato.
O que vimos de lá para cá foi um festival de violência e impunidade, criminalização de lideranças e comunidades indígenas, redução de terras indígenas, invasões e esbulho dos recursos naturais e uma pífia atuação da Funai ou total omissão do governo.
A carcaça da Funai e seus presidentes
O jornalista Eduardo Almeida, um dos articuladores do programa de política indigenista do governo Lula, permaneceu poucos meses no cargo, sendo derrubado por pressões, como noticiou a imprensa à época: “Pressões dos fazendeiros, políticos , ruralistas e o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi... O governador e os ruralistas querem mais áreas para derrubar cerrado e mata pré-amazônica para ampliar a fronteira agrícola, aumentar os lucros... E as terras indígenas, assim como unidades de conservação, representam um entrave para esse modelo de desenvolvimento a qualquer custo” (Via Ecológica 14/08/2003). O curto mandato de Eduardo foi conturbado, a ponto de ficar 75 dias sem poder entrar em seu gabinete. Ao ser exonerado, desabafou: “Nunca pensei que seria perseguido na era Lula” (ESP 5/08/2003). Afirmou que o indigenismo brasileiro (governo) estava na UTI e que as instituições do Estado são herdeiras da tradição colonialista excludente. Grande parte de seu tempo foi dedicado à preparação da Conferência Nacional de Política Indigenista.
Eduardo foi substituído pelo antropólogo Mércio Gomes, sob fortes contestações do movimento indígena e indigenistas. Sua nomeação para o cargo foi considerado um desprezo aos povos indígenas. Diante de uma Funai sucateada e sem dinheiro, ressuscitou a teoria de que “os índios dever produzir excedente para que possam vender e não precisem mais pedir ajuda. Não temos dinheiro nem para a assistência indígena e nem para a demarcação”. E nesse embalo ressurgiram as propostas da municipalização e estadualização da questão indígena.
Sua permanência na presidência do órgão foi tumultuada e cheia de tensões e contradições. Condenou os povos indígenas à invisibilidade política, insignificância na agenda, e destituída dos recursos mínimos necessários.
Da Funai de generais a antropólogos, de apadrinhados políticos a indigenistas militantes, o que caberá a João Pedro, ex Senador, como 36º presidente do órgão indigenista do governo? Em um momento de investida massiva contra os direitos dos povos indígenas, um mínimo que os povos esperam é um diálogo permanente e decisão firme de lutar pelo não retrocesso ou retirada de direitos e reinício imediato do processo de regularização das terras indígenas. Os povos indígenas e seus aliados estão mobilizados para exigir, no mínimo, o cumprimento da Constituição e os direitos inscritos na legislação internacional, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos Indígenas, da ONU. Não acreditarão mais em promessas, exigem ação imediata.
Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília 17 de junho de 2015
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