sexta-feira, 19 de junho de 2015

Governo-PT tentam retomar Funai

Por Egon Heck

Tudo se passa no compasso de um grande silêncio. Em tempos idos haveria uma gritaria geral ou intensa movimentação de bastidores. Como diriam os críticos, a Funai como moeda de troca estaria rolando de um canto para outro nos desencantos de sua tortuosa existência. Umas poucas vozes se ergueram pedindo a efetivação do atual presidente interino Flavio. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, diante da solicitação dos índios, se limitou a dizer: “Esse ou outro”. Prevaleceu o outro. Sua missão é alinhar novamente a questão indígena com a política de desenvolvimento do governo Dilma, buscando contornar conflitos e harmonizar interesses e direitos, antagônicos, de modo a não arranhar a imagem do país. Trata-se, como dizia a imprensa, de um dos “ mais complicados cargos do governo federal”. Concretamente é fazer coro à falida e falaciosa política das “mesas de negociação ou diálogo”, como única ação concebível na concepção do ministro da Justiça . E com a benção da presidente Dilma, evitar qualquer movimento na perspectiva de regularização de terras indígenas.  Tudo deverá ficar absolutamente parado.

A tortuosa política indigenista de Lula e Dilma

No início do governo Lula, a temática indígena era uma questão de honra para o partido. Afinal de contas havia sido elaborado, com o movimento indígena, entidades indigenista e instâncias do PT, um plano de política indigenista, no qual constavam, como prioridades, a realização de uma Conferência Nacional de Política Indigenista, que deveria ocorrer ainda no primeiro ano do primeiro mandato de Lula. Lá já se foram inúmeros carnavais e só para este ano está previsto a realização da mesma.  Também constava nesse programa a criação urgente do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI). Até hoje não se concretizou, ficando restringido à esquálida figura da Comissão. Também constava como urgente a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, o que só aconteceu no segundo mandato. E dentre os compromissos assumidos por Lula, um deles era demarcar todas as terras indígenas até o final do primeiro mandato.

O que vimos de lá para cá foi um festival de violência e impunidade, criminalização de lideranças e comunidades indígenas, redução de terras indígenas, invasões e esbulho dos recursos naturais e uma pífia atuação da Funai ou total omissão do governo.

A carcaça da Funai e seus presidentes

O jornalista Eduardo Almeida, um dos articuladores do programa de política indigenista do governo Lula, permaneceu poucos meses no cargo, sendo derrubado por pressões, como noticiou a imprensa à época: “Pressões dos fazendeiros, políticos , ruralistas e o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi... O governador e os ruralistas querem mais áreas para derrubar cerrado e mata pré-amazônica para ampliar a fronteira agrícola, aumentar os lucros... E as terras indígenas, assim como unidades de conservação, representam um entrave para esse modelo de desenvolvimento a qualquer custo” (Via Ecológica  14/08/2003). O curto mandato de Eduardo foi conturbado, a ponto de ficar 75 dias sem poder entrar em seu gabinete.  Ao ser exonerado, desabafou: “Nunca pensei que seria perseguido na era Lula” (ESP 5/08/2003). Afirmou que o indigenismo brasileiro (governo) estava na UTI e que as instituições do Estado  são herdeiras da tradição colonialista excludente. Grande parte de seu tempo foi dedicado à preparação da Conferência Nacional de Política Indigenista.

Eduardo foi substituído pelo antropólogo Mércio Gomes, sob fortes contestações do movimento indígena e indigenistas. Sua nomeação para o cargo foi considerado um desprezo aos povos indígenas. Diante de uma Funai sucateada e sem dinheiro,  ressuscitou a teoria de que “os índios dever produzir excedente para  que possam vender e não precisem mais pedir ajuda. Não temos dinheiro nem para  a assistência indígena e nem para a demarcação”. E nesse embalo ressurgiram as propostas da municipalização e estadualização da questão indígena.

Sua permanência na presidência do órgão foi tumultuada e cheia de tensões e contradições.  Condenou os povos indígenas à invisibilidade política, insignificância na agenda, e destituída dos recursos mínimos necessários.

Da Funai de generais a antropólogos,  de apadrinhados políticos a indigenistas militantes, o que caberá a João Pedro, ex Senador, como 36º presidente do órgão indigenista do governo? Em um momento de investida massiva contra os direitos dos povos indígenas, um mínimo que os povos esperam é um diálogo permanente e decisão firme de lutar pelo não retrocesso ou retirada de direitos e reinício imediato do processo de regularização das terras indígenas. Os povos indígenas e seus aliados estão mobilizados para exigir, no mínimo, o cumprimento da Constituição e os direitos inscritos na legislação internacional, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos Indígenas, da ONU. Não acreditarão mais em promessas, exigem ação imediata.

Egon Heck
Cimi Secretariado Nacional
Brasília 17 de junho de 2015

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