"Diante do exposto e por reconhecer a legitimidade da Defensoria Publica da União para propor ação civil pública em favor das populações indígenas, sabidamente hipossuficientes, defiro o pedido de liminar para suspender a CPI desencadeada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, através do Ato nº 06/15 do Gabinete da Presidência"
Principal articuladora do movimento anti indígena no MS Foto capturada da internet |
Instalada no dia 29 de setembro de 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que se dizia investigar as ações do Cimi - Conselho Indigenista Missionário em Mato Grosso do Sul e ficou conhecida como CPI do Cimi, não fez outra coisa a não ser dar palanque para os invasores de terras indígenas e, claro, aos políticos ligados aos fazendeiros e grileiros, como é o caso da propositora da CPI a Deputada Mara Caseiro do PMB daquele estado.
Desde o primeiro momento sabia se tratar de uma tentativa de encobrir os reais crimes, estes praticados pelos fazendeiros com apoio explícito de políticos e outros setores do poder público daquele Estado. De outro lado, a CPI deve ser entendida também no contexto do avanço de proposições anti indígenas tanto nas casas legislativas federais, Senado e Câmara dos Deputados, como em proposições e portarias do próprio poder executivo bem como em decisões oriundas do judiciário flagrantemente em ataque aos direitos dos povos indígenas.
A verdadeira CPI que deveria se instalar no Brasil, não só do MS, é a CPI do genocídio indígena. Afinal, quantos fazendeiros invasores foram mortos até hoje? porque será que somente os indígenas são barbaramente assassinados? Quem financia a matança, o genocídio? Essas questões é que deveria ser respondidas. De sorte que a CPI contra o Cimi é na verdade mais um instrumento contra os povos indígenas e seus apoiadores.
Veja em seguida a decisão da Justiça Federal, um bom começo para desmascarar de vez a farsa montada por esses criminosos genocidas.
DECIDO.Preliminarmente, rechaço a alegação de existência de conflito federativo alinhada pelo Estado de Mato Grosso do Sul, porquanto a União e a FUNAI não pugnaram pela intervenção no feito, enquanto que a DPU não atua na defesa de interesses da União, mas da comunidade indígena.Ainda que diferente fosse, tal conflito, em ordem a ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal, só se configura quando presente relevância suficiente para fragilizar os laços de harmonia da Federação (STF - ACO 1606 AGR/MS), o que não é o caso. Sem desmerecer a gravidade da denúncia, pretende-se com a CPI apurar simplesmente se um órgão de caráter privado tem contribuído de forma ilícita em invasões de terras pelos indígenas.
Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal tem afastado a existência de conflito federativo nas questões agrárias envolvendo interesse indígena até mesmo quando o Estado, a União e a FUNAI figuram no processo.Cito um precedente:AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA. FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI. DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS. ETNIA GUARANI-KAIOWÁ. FAZENDA BRASÍLIA DO SUL. ÁREA ALIENADA PELO ESTADO DE MATO GROSSO. QUESTÃO SOBRE OCUPAÇÃO DAS TERRAS POR INDÍGENAS NA DATA DA ALIENAÇÃO. PEDIDO DE INGRESSO NO FEITO PELO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. ALEGADO RISCO RESPONSABILIZAÇÃO COMO SUCESSOR DO ALIENANTE ORIGINÁRIO. INTERESSE MERAMENTE PATRIMONIAL. CONFLITO FEDERATIVO NÃO CONFIGURADO. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL (ART. 102, INC. I, AL. F, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.(ACO 1606 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 27-11-2014 PUBLIC 28-11-2014)Ademais, reconheço a competência da Justiça Federal para apreciar e julgar a presente ação, na forma do art. 109, XI, da CF: compete aos juízes federais processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas.
Note-se, conforme tem decidido o Supremo Tribunal Federal (RHC 117097, RICARDO LEWANDOWSKI), que a competência da Justiça Federal em relação aos direitos indígenas não se restringe às hipóteses de disputa de terras, eis que os direitos contemplados no art. 231 da Constituição da República são muito mais extensos.No caso, a Assembleia Legislativa decidiu pelo desencadeamento de CPI tendo como objeto apurar, em síntese, se o CIMI incita e financia invasões de propriedades particulares por indígenas.Ora, a peça inaugural da CPI já admite que os beneficiários dos possíveis financiamentos são indígenas. Estes também estariam sendo alvo dos incitamentos.De forma que não é possível apurar os fatos atribuídos ao CIMI de forma isolada, desconsiderando as pessoas dos respectivos beneficiários.
É óbvio, destarte, que a comunidade indígena radicada neste Estado tem o lídimo direito de contestar as propaladas práticas ou, se admitidas, defender a sua lisura. Acrescente-se que as ações consideradas ilícitas no ato de proposição da CPI estão ligadas a disputa de terras.
Nessas circunstâncias considero que a Justiça Federal é competente para processar e julgar a presente ação, independentemente da manifestação da FUNAI negando-se a participar do feito e da omissão da UNIÃO quando lhe foi dada oportunidade de intervir ou não no processo. É que a competência não está sendo reconhecida com fundamento no art. 109, I, da CF, mas no art. 109, XI.
Por outro lado, não restou caracterizada a litispendência que aventei quando tomei conhecimento de outra ação versando sobre o mesmo tema.
Como mencionei acima, a presente ação foi proposta e distribuída para esta Vara no dia 23 de novembro de 2015. Na mesma data determinei a citação do réu, o que se concretizou no dia 25 daquele mês e ano (f. 25).Por força do art. 219 do CPC, é a data da citação o marco para fins de aferição da prevenção ou litispendência.Por conseguinte, se porventura há litispendência entre esta ação e aquela distribuída para a 2ª Vara Federal - autos nº 00244887220154030000 (fls. 106-23) é aquele processo que deve ser extinto, porquanto, apesar de distribuído em data anterior, 21 de outubro de 2015 (f. 106), nele ainda não ocorreu a citação.
Pois bem.Segundo Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco as Comissões Parlamentares de Inquérito destinam-se a "reunir dados e informações para o exercício das funções constitucionais conferidas ao Parlamento" ... não se controverte que tudo quanto se inclua no domínio da competência legislativa do Parlamento pode ser objeto de investigação. Numa federação, isso permite enxergar uma limitação de competência específica: uma CPI legislativa federal não pode invadir área da competência constitucional dos Estados ou Municípios (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 816-7).
Prosseguindo os doutrinadores transcrevem o art. 146 do Regimento Interno do Senado, que dispõe "não se admitirá comissão parlamentar de inquérito sobre matérias pertinentes: a) à Câmara dos Deputados; b)às atribuições do Poder Judiciário; c) aos Estados".
Acerca dessas limitações ensinou o Ministro Paulo Brossard no voto proferido no HC 71.039:"... de longa data se entende que o poder de investigar é inerente ao poder de legislar e dele ancilar ......a possibilidade de criação de CPI se não duvida, nem se discute; é tranquila, sobre toda e qualquer assunto? Evidentemente, não; mas sobre todos os assuntos de competência da Assembleia; assim, Câmara e Senado podem investigar questões relacionadas com a esfera federal de governo; tudo quanto o Congresso pode regular, cabe-lhe investigar; segundo Bernard Schwartz, o poder investigatório do Congresso se estende a toda a gama dos interesses nacionais a respeito dos quais ele pode legislar.(...)O mesmo vale dizer em relação às CPI estaduais; seu raio de ação é circunscrito aos interesses do Estado; da mesma forma quanto às comissões municipais, que hão de limitar-se às questões de competência do Município. ...Enfim, o poder de investigar é ancilar ao poder de legislar e, por conseguinte, dele coextencivo.
Esta a regra fundamental.... Se a Comissão Parlamentar de Inquérito é uma projeção da Câmara da qual emerge, seus poderes tem nos da Câmara a sua medida; nem mais, nem menos. ... A criatura não é, nem haveria de ser maior que o criador. Desse modo a competência do Congresso, da Assembleia estadual, da Câmara Municipal, é o limite do poder investigatório da comissão federal, estadual ou municipal.... "A competência das comissões de inquérito deve comportar-se no quadro da competência do Poder Legislativo, escreve Raul Machado Horta". " ... a competência do órgão delimita o campo operacional das comissões de inquérito, de modo geral, ... o seu âmbito de investigação está sempre predeterminado pela área de competência atribuída ao órgão legislativo. A natureza instrumental da comissão de inquérito torna de óbvio entendimento a submissão do elemento acessório à competência do órgão que lhe dá vida" (Rev. De Direito Público, V. 5, p. 36....
Assim, se é verdade que a amplitude do poder de investigar acompanha o de legislar, do qual é coextensivo, forçoso será concluir que ele não pode estender-se ao que a lei não pode dispor ... por mais amplo que seja o poder não pode ele transcender a fonte donde promana.
Logo, diante da competência privativa da União para legislar sobre populações indígenas (art. 22, XIV da CF), considero que a augusta Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul não detém competência para desencadear a CPI aludida nestes autos.
Convém lembrar que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são de propriedade da União e destinadas à posse permanente dos ocupantes, na forma do art. 20, XI, da CF e art. 231, 2º, da CF.É importante ressaltar que as invasões de propriedades particulares por indígenas em Mato Grosso do Sul são, com raríssimas exceções, relacionadas a imóveis reconhecidos pela FUNAI como terras tradicionais indígenas, pelo que, se é certo que a FUNAI, União e MPF não avalizam atos de força praticados pelos silvícolas, invariavelmente defendem a permanência deles na área litigiosa.
Como se vê, os financiamentos e incitamentos que animaram os ilustres deputados a instalar a CPI não fazem parte de um contexto do qual só o CIMI participa. Nele devem ser inseridos os beneficiários dessas ações, ou seja, os indígenas, os quais, depois da obtenção da posse dos imóveis têm recebido o apoio de órgãos federais para que ali permaneçam, sempre com fundamento nos referidos arts. 20, XI, e 231, 2º, da CF, o que também reforça o interesse federal.
Segundo o Estado de Mato Groso do Sul seu interesse na CPI estaria ligado à segurança pública.No entanto, por força do art. 144, IV, da Constituição cabe à Polícia Federal exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União, pelo que, aliás, como ressaltou o representante do MPF foi este o órgão encarregado do IPL desencadeado justamente para apurar a atuação no CIMI em invasões de terras por indígenas. O fato de a Polícia Militar ter sido requisitada pela Justiça Federal para auxiliar a Polícia Federal e/ou a Força Nacional nas reintegrações deferidas pela Justiça Federal decorre simplesmente da estrutura no tocante ao quantitativo de pessoal.
Diante do exposto e por reconhecer a legitimidade da Defensoria Publica da União para propor ação civil pública em favor das populações indígenas, sabidamente hipossuficientes, defiro o pedido de liminar para suspender a CPI desencadeada pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, através do Ato nº 06/15 do Gabinete da Presidência.
Intimem-se. Notifique-se. Manifeste-se a autora sobre a contestação apresentada, esclarecendo se pretende produzir outras provas.
Grifos meus.
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