Por Bárbara Arisi
Imagem capturada do Facebook |
A Funai costuma se congratular por realizar uma política indigenista inovadora, propagandeada como sendo única no mundo, destinada a proteger os povos indígenas que vivem em isolamento (ou isolamento voluntário como o movimento indígena prefere referi-los).
A verdade é, porém, que essa política não tem sido efetiva para proteger os “isolados”. Mas tem sido eficaz em ignorá-los e jogar o problema de sua sobrevivência e autonomia para debaixo do tapete.
Os povos indígenas que vivem em isolamento estão em situação de extrema vulnerabilidade e risco, numa floresta que vem sendo devastada por grandes projetos financiados com dinheiro público.
No caso do Vale do Javari, no Amazonas, isso ocorre tanto no lado brasileiro, quanto no peruano da fronteira, além da exposição de ambos a incursões do narcotráfico. Os governos dos dois países não têm políticas de defesa dos interesses indígenas, embora sejam considerados “de esquerda”.
O governo brasileiro tem apenas promovido, de forma assistencialista, mais dependência por parte dos povos indígenas em relação ao Estado. Além disso, os governos de Dilma Rousseff e de Evo Morales, na Bolívia, investem no que vendem como “desenvolvimento” da região às custas da extração de madeira e petróleo, o que vem causando desmatamento, especialmente acelerado no Peru de Ollanta Humala.
No Vale do Javari, rio que divide Peru e Brasil, está localizada a segunda maior terra indígena brasileira, com 8,5 milhões de hectares, próxima à tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Colômbia.
Trata-se de uma vasta área de floresta bastante preservada onde vivem cerca de 5.750 índios que têm contato com os demais brasileiros e também onde se encontra a maior população de índios considerados “isolados” do mundo.
Nesse cenário de extrema beleza natural – onde foram gravados diversos documentários para canais internacionais como National Geographic e BBC – vem sendo travada uma guerra entre dois povos que possuem uma longa história em comum: os Matis e os Korubo.
Ambos os povos são conhecidos internacionalmente e popularizados, graças aos diversos filmes e reportagens feitos a seu respeito.
Os Matis mantém contato com o governo brasileiro desde 1976, quando a Funai auxiliou a Petrobrás a realizar perfurações para avaliar a existência (ou não) de petróleo na região. A frente de atração na época foi de tal forma improvisada que sequer o motor do peque-peque funcionava. Nessa ocasião, estima-se que dois terços da população matis tenha morrido como decorrência do contato.
Em 1996, os Matis aceitaram participar de outra frente de atração, dessa vez destinada a contatar os índios Korubo que viviam próximos ao local onde a Funai planejava instalar um frente de vigilância da terra indígena na confluência dos rios Ituí e Itacoaí, para evitar invasão de caçadores e madeireiros.
Hoje, os Matis e outros povos indígenas trabalham em situação de penúria administrativa de recursos e precariedade, junto a outros servidores do governo brasileiro, nessa frente de proteção, onde também é realizado o atendimento de saúde para o pequeno grupo de índios Korubo contatado em 1996.
O ano de 2016 começou intenso no Vale do Javari. Nessa última semana, o movimento indígena ocupou a sede da Funai no município de Atalaia do Norte e exigiu a renúncia do responsável local, a fim de conseguir o diálogo entre o órgão federal e os índios.
Como é costume, os servidores que estão na ponta do atendimento sofrem as consequências de uma política pública mal planejada e gerida a partir de Brasília, distante das bases.
Os índios Matis querem ser ouvidos pela Funai, sobretudo porque dois homens de seu povo foram mortos pelos isolados em dezembro de 2014, possivelmente ocasionando a morte de outros tantos Korubo que ainda viviam em isolamento.
É hora da política de ignorar os índios voltar a ser aquilo que foi conquistado pelos sertanistas e servidores da Funai em 1987. Uma política que não ignora os índios, mas protege os povos em isolamento. Os Matis querem participar das decisões sobre os vizinhos Korubo, de quem são também parentes.
O movimento indígena pede agora que exista um diálogo efetivo dos servidores de Brasília e das coordenações locais com o movimento indígena. O diálogo parece ser o primeiro passo para o fim de uma política de “índios ignorados”.
Fonte: Carta Capital
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