domingo, 22 de janeiro de 2017

PapaFrancisco adverte Trump e Netanyahu: a Palestina já é um Estado


Papa Francisco colocou um marco. Poucos dias antes da posse do novo presidente estadunidense, Donald Trump, o pontífice recebeu o líder palestino Mahmoud Abbas por ocasião da abertura da Embaixada da Palestina junto à Santa Sé, no dia 14 de janeiro. Um sinal claro de política internacional em vista da imprevidente decisão anunciada por Trump de querer transferir a embaixada dos Estados Unidos em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

A reportagem é de Marco Politi, publicada no sítio do jornal Il Fatto Quotidiano, 18-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

É uma decisão que não representa uma simples transferência, mas constitui o placet da primeira potência do Ocidente à política do governo de Netanyahu de anexação de Jerusalém Oriental e uma aquiescência ao englobamento de territórios palestinos através das chamadas “colônias”. Tudo em contraste com a posição da grande maioria da comunidade internacional, resumida eficazmente na recente resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Francisco fala por sinais. Já por ocasião do tradicional encontro com o corpo diplomático, no dia 9 de janeiro passado, relançando o apelo urgente a um diálogo entre israelenses e palestinos para chegar a uma “pacífica coexistência de dois Estados dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas”, o papa tinha notado quase de relance que, ao longo de 2016, o Vaticano lidou com a plena implementação do Acordo Bilateral (Comprehensive Agreement) “com o Estado da Palestina”.

A relação fraterna de Bergoglio com o judaísmo é de antiga data. Francisco é o único pontífice que já pregou (como bispo) uma meditação em uma sinagoga judaica: a sinagoga de Buenos Aires, do seu amigo rabino Abraham Skorka. Mas o pontífice também é – como João Paulo II – um líder muito consciente da realidade geopolítica e do fato de que resolver a questão palestina com anexações sucessivas baseadas na pura força das armas – como desejado pelos extremistas nacionalistas e pelos fanáticos fundamentalistas do partido dos colonos, que “ditam a agenda” ao governo Netanyahu (copyright do último discurso do secretário de Estado estadunidense, Kerry) – não vai fazer bem nem a Israel, nem aos palestinos, nem ao Oriente Médio.

O marco simbólico que Francisco quis colocar antes da decisão de Trump consiste em frisar que a Palestina já é um Estado, aliás, admitido nas Nações Unidas como “Estado observador” em novembro de 2012 com 138 votos a favor, nove contrário e 41 abstenções. Não cabe a Israel decidir se a Palestina tem direito de ser um Estado, nem como deve ser, nem quais são os seus territórios. Isso, naturalmente, se se quiser seguir o caminho do direito. Se contar a lei do mais forte, será outra história. Mas a história ensina que a violência produz violência.

Não há dúvida de que Israel é a única democracia no Oriente Médio ou, melhor, uma grande democracia em funcionamento, capaz de submeter a rigorosas investigações policiais até mesmo os próprios presidentes e primeiros-ministros, se acusados de crimes. Mas uma democracia – como recordam as histórias da ocupação francesa da Argélia – também pode ser opressiva contra outro povo.

Há um ponto histórico fundamental que os nacionalistas e fundamentalistas religiosos em Israel fingem ignorar, cegados pela presunção de poderem dispor da terra da Palestina à vontade, quase em nome de um mandato divino: Jerusalém Oriental e Cisjordânia não são israelenses, porque os árabes, os muçulmanos não são gente de passagem, hóspedes ilegais naquela que popularmente chamamos de “Terra Santa”.

Jerusalém e a Palestina fizeram parte de um Estado muçulmano de 637 d.C. até o fim da Primeira Guerra Mundial. Mil e trezentos anos, mais do que o triplo da existência política dos antigos Estados da Judeia e da Samaria. O espaço geopolítico da Terra Santa, portanto, é necessariamente um espaço compartilhado, onde a única regra não pode consistir em uma suposta “herança” divina, mas apenas no bom senso do direito internacional. E o direito internacional já definiu as fronteiras entre Israel e Palestina.

Francisco deixou a sua marca antes que Trump implemente a sua decisão potencialmente subversiva do equilíbrio sobre o qual se baseia a “solução pacífica dos dois Estados”.

Muito vai depender agora da atitude da Europa. Não há dúvida de que, sob pressão estadunidense, poderá haver nações europeias dispostas a se somar e a não perturbar mais o manipulador Netanyahu, que conseguiu superar com sucesso os oito anos do governo Obama, sabotando toda retomada autêntica das negociações de paz.

Velho Continente tem uma dívida com Israel depois da tragédia da Shoá: garantir a existência do povo judeu na sua pátria reencontrada. É uma dívida de honra que diz respeito às suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Mas não terras arrancadas de outros.

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