sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Ética e Política, segunda parte


 Marilena Chaui
Modernidade, Ética e Política

É esta esfera que a modernidade vai constituir. A partir da queda do antigo regime, da queda das monarquias por direito divino, da desmontagem do poder teológico-político e do ressurgimento da idéia de República, (primeiro a República oligárquica, depois a República representativa, depois a República Democrática), é que se reconfigura o campo público, da Política. Como o poder estava marcado pela Ética da esfera privada, como o poder estava marcado pela idéia de que o governante é que tinha que ser virtuoso, o que acontece com os pensadores que vão criar a nova idéia de Política, que vão dizer que existe sim a “res publica”(coisa pública, o espaço público)?. O que é que eles vão fazer?

Eles vão dizer que o espaço público, a “res publica”, o poder político, não pode ser regido pelos valores do espaço privado. Portanto pelos valores da Ética. Pelos valores da virtude. E eles vão separar, e esta grande separação é feita por Maquiavel, eles vão separar o público e o privado dizendo que o privado é campo da Ética, o público é o campo da Política. E a Política e a Ética não tem mais nada em comum. O que vai ser dito é que o campo da política não é regido pelas virtudes do governante.

O campo da Política é regido por uma lógica que é a lógica das relações de força. E para que o campo da Política não seja o campo da violência e da guerra é preciso lidar com esse campo de forças, e portanto com os conflitos, com as divisões que caracterizam a sociedade, com essas diferenças, de um modo tal que a Política não seja a guerra. Que a Política não seja a pura força, a pura violência, mas que ela tenha uma lógica das forças que é encarnada no poder político como um polo que simboliza para o todo da sociedade uma unidade que ela própria não tem. E que se realiza através das instituições e através da lei. E portanto o importante é a qualidade da lei e a qualidade das instituições, a qualidade do direito e da justiça, a qualidade das decisões. E não mais se a pessoa ou as pessoas que ocupam o campo político são ou não virtuosas. E a virtude e portanto com ela a Ética se tornam uma coisa própria da vida privada.

Sociedade Civil e Estado

A esfera da sociedade civil que é onde os indivíduos existem, é a esfera da vida privada. Ora, se a sociedade civil é a esfera da vida privada como é que o Estado se constitui como esfera pública. Se o Estado surge a partir da sociedade Civil para regulamentar a Sociedade Civil e comandá-la? Ou seja, a base do Estado são as relações privadas do mercado, baseadas, por exemplo, na lógica da competição.

Então o que se quer dizer é o seguinte: a sociedade moderna ao criar a Sociedade Civil como o mercado dos contratos doe trabalho, da produção de mercadorias e da acumulação do capital, e da propriedade privada, faz com que a esfera pública, que é uma esfera social, seja uma esfera privada. A esfera dos proprietários privados. E portanto nós não sabemos onde o Estado vai nascer para ser propriamente esfera pública.

Assim a separação que dizia: na esfera pública eu tenho a lógica Política e na esfera privada eu tenho a lógica Ética, se complica. Porque eu tenho aí uma esfera que é pública, que é a esfera social, na qual os elementos da vida privada estão presentes.

Nós podemos dizer que há dois motivos principais para essa enorme dificuldade que existe no nosso mundo contemporâneo para separar o público do privado e deixar a Ética em um dos lugares e a Política em outro.

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