Por Paulo Sanda
Para que vocês saibam, vim aqui, eu que represento a voz de Cristo. E por isto convém que prestem toda atenção, não uma qualquer, mas a de seus corações, e sentimentos, ouçam a maior novidade que jamais ouviram, a mais áspera e dura, a mais espantosa e perigosa, que jamais imaginaram que ouviriam.
Esta é a voz que todos estais em pecado mortal, e nele vivem e morrem, por causa da crueldade e tirania que usais com estas pessoas inocentes.
Digam, com que direito e com que justiça, tratam em tão cruel servidão esses índios?
Com que autoridade, fazem estas coisas detestáveis com essa gente, que estavam em suas terras mansas e pacíficas, onde tão infinitas delas, com mortes e estragos nunca ouvidos, vocês os tem consumido?
Como os oprimem e exaurem, retirando sua comida, e meio de vida? Como podem tratá-los desta forma, até que eles morram? Ou melhor até que vocês os matem?
Tudo isto para conseguir o ouro de cada dia?
Eles não são homens? Não tem almas racionais?
Não somos obrigados a amá-los como a nós mesmos?
Não entendem isto?
Não percebem isto?
Como dormem tão profundamente neste sono tão letárgico?
Quem adivinha onde foi proferido este sermão? Talvez um padre ou um pastor, o tenham feito em algum lugar na floresta amazônica? Ou talvez no pantanal?
Sim poderia ser, é bastante atual.
Mas não, ele pode até ter sido utilizado, em algum culto, missa, ofício, etc. Aliás acredito que deveria ser sim, pregado em muitos lugares, ou melhor pelo mundo todo, e para todos ouvirmos.
Mas este sermão, foi feito pelo padre dominicano (da ordem de São Domingos) Antônio Montesinos, em 1511. Este sermão foi proferido sobre “Ego vox clamantis in deserto” / Eu sou a voz que clama no deserto, do evangelho de Mateus, no trecho que fala de João Batista.
Tratava-se de uma denúncia sobre a forma de dominação, que os espanhóis impunham aos indígenas que habitavam na ilha de Cuba.
Não é preciso muita pesquisa ou imaginação, para saber o que se passava. Os espanhóis tomaram a terra dos índios, os escravizavam e massacravam.
Passados 500 anos, continuamos a fazer isto.
Escrevi aqui, este sermão na esperança que o “vocês” usado por Montesinos, possa ser lido como:
Você Dilma.
Vocês todos políticos.
Vocês todos empresários.
Vocês todos brasileiros.
Enfim, que cada um de nós possa ouvir este eco do passado, que reverbera no grito agonizante destas culturas, destes povos, destas pessoas que massacramos em nome do “desenvolvimento”.
Da natureza que devastamos em nome do “bem maior”.
O nome deste “bem maior”, deste “desenvolvimento” é dinheiro, capital.
Alguns podem pensar, em emprego, transporte, saúde, educação, enfim bem estar e justiça social.
Sinto amigo, não é isto, o capital só serve ao capital. Todo o resto é cortina de fumaça.
Não fosse assim, com certeza, não estaríamos investindo milhões em um estádio de futebol em São Paulo, pelo menos não antes do transporte, educação e saúde estivessem no estado da arte.
Não investiríamos bilhões em obras faraônicas, como as usinas hidroelétricas, sem antes atentar para as necessidades das pessoas, na justiça social e nos direitos humanos.
Não haveriam pessoas que dizem que precisamos da energia que teoricamente será gerada por Belo Monte, pois antes pensaríamos na vida.
Aliás, se a vida estivesse em primeiro lugar, não usaríamos tanto a palavra CUSTO.
Sim, pois tudo custa, mas o que primeiro custa, é o dinheiro.
O capital, desenvolvimento e dinheiro não são ferramentas para humanização, nem para preservação da vida como um todo.
Mas a vida, é ferramenta para o desenvolvimento do capital.
Será que não percebemos isto?
Será que não entendemos isto?
Como podemos continuar neste sonho letárgico que a humanidade será possível, se continuarmos a seguir este caminho?
Obrigado pelo recado padre Montesinos.
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