Cratera de 15 metros de profundidade causada por garimpo ilegal na terra indígena Sararé, Mato Grosso. Foto: José Luis Medeiros/Arquivo Cimi. |
O
Conselho Indigenista Missionário, Cimi, vem a público manifestar
extrema preocupação e absoluto repúdio frente à proposta de substitutivo
ao Projeto de Lei 1610/96, que dispõe sobre a exploração e o
aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, disponibilizada
pelo deputado federal Édio Lopes (PMDB/RR), relator da Comissão
Especial da Câmara que trata do tema.
O
Cimi entende que a tramitação açodada da matéria e o teor do
substitutivo em questão seguem na mesma esteira de um conjunto de
instrumentos legislativos e administrativos que vem sendo intensivamente
usados pelos setores anti-indígenas e pelo governo brasileiro para
invadir, explorar e mercantilizar as terras indígenas. O intuito é um
só: implementar o desenvolvimentismo agro-extratitivista exportador e
aprofundar a territorialização e a acumulação do capital.
O
Cimi considera o substitutivo apresentado pelo deputado Édio Lopes
flagrantemente inconstitucional, um acúmulo de equívocos e
arbitrariedades que desconstroem os direitos dos povos e beneficiam
exclusivamente as empresas potenciais mineradoras das terras indígenas.
Dentre os inúmeros absurdos do substitutivo, chamamos a atenção para os seguintes aspectos:
1-
“Qualquer interessado” poderá requerer ao Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM) o direito de minerar qualquer terra indígena no
Brasil. Este elemento associado à anulação de todos os direitos
minerários em terras indígenas, concedidos antes da promulgação da nova
lei, deverá provocar uma verdadeira “corrida” de não-índios às terras
indígenas do país.
2-
O direito de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas é
reduzido a mero ato formal, denominado “consulta pública”. Inclusive às
comunidades indígenas presentes na terra pretendida para exploração
mineral “poderão participar” da consulta. No entanto, a vontade dos
povos não terá qualquer influência sobre a continuidade do processo de
exploração mineral na própria terra.
3-
Junto com o desrespeito ao direito de Consulta e na contramão dos
preceitos Constitucionais, o substitutivo reaviva a figura da tutela
sobre os povos indígenas. Caso não haja concordância “das comunidades
indígenas” na realização das atividades de exploração mineral nas terras
por eles ocupadas, o processo será encaminhado a uma “Comissão
Deliberativa”, sem participação indígena, que “decidirá”, dentre as
propostas apresentadas, “qual a melhor” para as comunidades indígenas
afetadas.
4-
A autorização a ser emitida pelo Congresso Nacional para a exploração
mineral em terras indígenas constituir-se-á em puro formalismo
jurídico-legal. A mesma se dará após já ter sido feita a escolha da
“melhor proposta” e respectiva empresa mineradora.
5-
A “consulta pública” da qual os indígenas “poderão participar”, a
escolha da “melhor proposta”, a autorização do Congresso Nacional e a
outorga, pelo DNPM, ao “detentor da proposta vencedora para a exploração
de recursos minerais em terras indígenas” serão inócuas, pois se darão
“às escuras”, antes de se saber o que realmente irá ser explorado e qual
a dimensão da exploração na respectiva terra indígena. Isso porque a
“pesquisa de bens minerais” na respectiva área indígena será feita, pelo
“outorgado”, que terá até três anos para realizar mesma.
6-
Nenhuma salvaguarda constitucional é respeitada pelo substitutivo. A
exploração mineral poderá ocorrer em todo e qualquer espaço no interior
da terra indígena. Não há qualquer referência explícita, no
substitutivo, que proíba a lavra de recursos minerais incidentes sobre
monumentos e locais históricos, culturais, religiosos, sagrados, de
caça, de coleta, de pesca ou mesmo de moradia dos povos. Isso, como é
evidente, oferece risco incalculável à sobrevivência física e cultural
dos povos.
7-
A mineração poderá ocorrer até mesmo em terras cujos procedimentos
administrativos não estiverem conclusos. Para isso, bastará que o
governo federal considere que exista na terra algum minério estratégico
para a “segurança nacional” do país. Não há, no substitutivo, qualquer
definição sobre o que pode ser considerado “mineral estratégico para a
segurança nacional”.
8- O “extrativismo mineral ou garimpagem” a ser feito por indígenas organizados em cooperativas se limitará a, no máximo, 100 hectares
da respectiva terra. A multa por possíveis irregularidades cometidas
pelos indígenas poderá ser de até dois milhões e quinhentos mil reais.
9-
O substitutivo incentiva as empresas mineradoras a cometerem todo tipo
de irregularidades no procedimento de exploração mineral em terras
indígenas. Faz isso ao determinar que a multa por “infrações
administrativas”, inclusive no caso de descumprimento, total ou parcial,
da obrigação de pagamento aos povos indígenas, não poderá ser superior a
3% do faturamento bruto da empresa mineradora no período em que tenha
sido constatada a irregularidade. É notório que poderá ocorrer casos em
que uma determinada irregularidade cometida tenha potencial para
acarretar aumento superior a 3% no faturamento da empresa. Nesses casos,
a empresa lucraria cometendo irregularidades.
O
Cimi considera que não existe razão plausível que justifique a pressa
incontida em colocar a matéria em discussão e votação na Câmara dos
Deputados - programada para depois do 2º turno das eleições municipais. O
próprio substitutivo indica que a mineração em terras indígenas será
regida, inclusive, pela legislação mineral do país. Ora, é de
conhecimento público que o governo brasileiro está prestes a enviar ao
Congresso Nacional proposta de um novo “marco regulatório” da mineração
no Brasil. Qual o sentido, então, de se discutir e aprovar uma lei que
regulamenta a mineração em terras indígenas antes de se discutir e a
aprovar a nova legislação mineral do país que afetará, também, a
mineração em terras indígenas?
Além
disso, os Artigos 176 e 231 da Constituição Federal determinam que a
exploração mineral e de riquezas naturais existentes em terras indígenas
somente poderá ser feita em caso de “interesse nacional” e “relevante
interesse público da União, segundo o que dispuser a lei complementar”.
Ocorre que, no Brasil, não existe lei que disponha sobre “relevante
interesse público da União”, nem sobre “interesse nacional”. Qual a
razão, então, de se aprovar uma lei que regulamenta a exploração mineral
em terras indígenas antes de definir em que condições específicas essa
exploração é permitida pela Constituição? O único motivo que salta aos
nossos olhos é o de se afrontar a Constituição, abrindo a possibilidade
de exploração mineral, sem qualquer tipo de limite, em todas as terras
indígenas do país.
O
Cimi se solidariza com os povos indígenas frente a mais este cruel
ataque patrocinado pelos interesses político-econômicos adversos, ao
mesmo tempo em que se associa e reforça a reivindicação histórica do
movimento indígena no Brasil segundo o qual o Congresso Nacional não
deverá legislar, de forma fracionada, sobre temas que lhes dizem
respeito.
Por
fim, o Cimi se compromete a junto com os povos indígenas fazer uso de
todos os meios legítimos para evitar a consumação desta mortífera ferida
aos direitos consagrados e ao futuro dos povos indígenas no Brasil.
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
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