Ativistas lançam o dossiê "O Acre que os mercadores da natureza escondem"
para evidenciar que as polÍticas governamentais no Estado, em vez de
representarem um exemplo bem-sucedido para a implementação da economia verde
na Amazônia, exemplificam justamente a falência deste modelo,
revelando-o como ambientalmente destrutivo e socialmente excludente.
POR MICHAEL F. SCHMIDLEHNER
Ativistas lançam o dossiê "O Acre que os mercadores da natureza escondem"
para evidenciar que as polÍticas governamentais no Estado, em vez de
representarem um exemplo bem-sucedido para a implementação da economia verde
na Amazônia, exemplificam justamente a falência deste modelo,
revelando-o como ambientalmente destrutivo e socialmente excludente.
"O
Acre está pronto para REDD", "O Acre é exemplo de economia verde". "O
Acre possui um histórico de luta em defesa do meio ambiente, desde os
movimentos sociais de base, a importância de Chico Mendes, até culminar
na atual política de Estado pautada na valorização do ativo ambientalflorestal."
Afirmações como estas, que projetam o Acre como modelo da economia
verde vem sendo divulgadas com frequência nos últimos anos por ONGs
multinacionais, instituições ligadas à ONU e pelo próprio governo deste
estado.
Como
o Acre chegou a servir de exemplo para estes mecanismos mercadológicos
que vem sendo apresentados no âmbito da Rio+20 como soluções para as
múltiplas crises que a terra e a humanidade vem enfrentando? Qual
realidade social, ambiental e econômica
encontramos, quando olhamos mais de perto para o Acre, alem das frases
propagandistas? O que se esconde atrás da imagem verde do Acre?
Em
novembro do ano passado, um documento intitulado "Carta do Acre", foi
elaborado no Acre por representantes de trinta organizações da sociedade
civil. Este manifesto trouxe pela primeira vez uma critica radical da
politica governamental acriana por parte da sociedade civil, revelando
abertamente praticas de destruição ambiental e repressão social,
apontando os interesses capitalistas que de fato dominam esta política e
rejeitando a mercantilização da natureza
que ela em ultima consequência promove. A Carta do Acre surtiu fortes
reações por parte de instituições ligadas ao governo do estado.
Organizações que haviam assinadas o manifesto, posteriormente se
sentiram pressionadas para retirar sua assinatura.
Não
obstante, um pequeno grupo composto por pesquisadores, ativistas e
trabalhadores extrativistas acrianos ousam levar adiante as criticas,
levantar mais detalhadamente os fatos que contradizem a sustentabilidade
e participação social reivindicados pelos governantes do seu estado. O
grupo compromete-se a analisar mais afundo o jogo de interesses que
impulsiona a construção discursiva de uma determinada "identidade" do
povo acriano que estaria agora se auto-realizando por meio da economia
verde.
O
dossiê "O Acre que os Mercadores da Natureza E$condem" revela - por
meio de cinco textos complementares e uma entrevista com a presidente do
STR de Xapuri Dercy Teles - chocantes detalhes da vida dentro das
florestas acrianas, das represálias que seus moradores sofrem por parte
de órgãos ambientais, do sofrimento de comunidades indígenas que não tem
voz para denunciar a invasão de suas terras e os descasos de saúde e
educação nas suas comunidades.
O
dossiê levanta quais foram as condições históricas que possibilitaram a
consolidação da hegemonia no Acre no contexto de uma geopolítica
capitalista da ONU, do Banco Mundial e das dominantes ONGs. como a
imagem de Chico Mendes foi manipulada ao ponto de servir como "patrono"
da economia verde, enquanto a tutelagem dos povos da floresta viabiliza a
implementação dos ambiciosos planos de manejo madeireiro, e facilita o
comercio de carbono e de "serviços ambientais", gerando lucros para
empresas e ONGs.
O
dossiê evidencia, na entrevista com Dercy Teles, como as comunidades
chamados "beneficiários" de tais programas de fato vem sendo inibidos em
exercer a autogestão dos seus territórios e recursos: "E essas bolsas
que tão sendo disponibilizadas nem que fosse de um milhão de reais, mas
ninguém vive parado num canto porque a vida perde a razão, né, você vai
se sentir inútil, né, não tem como a pessoa viver parada só comendo e
olhando pra mata sem poder fazer tudo aquilo que ele cresceu fazendo,
pescando, caçando, andando, fazendo sua roça, etc."
Ao
analisar o entrelaçamento dos interesses exploratórios nos níveis
global e local, os autores conseguem evidenciar como o governo acriano
consegue para fora produzir o discurso verde blindando-se por dentro
contra qualquer critica, e como os bancos internacionais conseguem
justificar suas politicas em âmbito internacional através da "vitrine"
acriana e em contrapartida, financiam o sistema de poder local.
A
inexorável análise do caso do Acre leva os autores a renunciar de
concepções amplamente compartilhados por organizações da sociedade
civil. Descartando a possibilidade de manejo madeireiro em florestas
primárias como uso sustentável, a possibilidade de melhorar a qualidade
de vida e autonomia dos povos da floresta através do comercio de carbono
ou serviços ambientais, os autores apontam as experiências da
implementação da economia verde no Acre como importante exemplo a não
ser seguido. O dossiê pretende servir para alertar os povos das
florestas e os movimentos sociais no mundo afora sobre as armadilhas do
discurso capitalista "esverdeado" e incentivá-las a questionar de forma
mais radical seus pressupostos e paradigmas.
O dossiê esta disponivel para download a partir do site do Conselho Indigenista Missionário
e foi lançado oficialmente por meio de uma conferencia de imprensa em Rio de Janeiro, nos dias da Rio+20.
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