Alvos de reportagem da Revista Veja no último dia 4, indígenas Guarani e Kaiowá lançaram nesta quarta-feira, 14, uma carta pública
exigindo o direito de resposta na publicação. Afirmam, também, que irão
encaminhar denúncia de racismo e estímulo ao ódio ao Ministério Público
Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS). A carta foi coassinada por
cerca de cinquenta organizações.
A matéria, assinada por Leonardo Coutinho e Kalleo Coura e publicada nas versões impressa e virtual da revista,
foi considerada discriminatória pelos indígenas. Segundo a carta, a
Veja "não perdeu 'a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem
dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não
fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e
truculentos'", afirmam.
Leia o documento na íntegra:
Revista Veja: direito de resposta aos Guarani-Kaiowá já
“A
escrita, quando você escreve errado, também mata um povo”. Assim
afirmaram os professores Guarani-Kaiowá a respeito do que foi publicado
na revista Veja, em 4 de novembro, sobre a luta de seu povo pelos seus
territórios tradicionais.
Sob os títulos de “A ilusão de um paraíso” e "Visão medieval de antropólogos deixa índios na penúria"
(nas versões impressa e virtual, respectivamente), a reportagem parte
de uma visão: i) claramente parcial no que diz respeito à situação
sociopolítica e territorial em Mato Grosso do Sul, pois afirma que os indígenas querem construir “uma grande nação guarani” na “zona mais produtiva do agronegócio em Mato Grosso
do Sul”; ii) deliberadamente distorcida quanto à atuação política dos
grupos indígenas supracitados e dos órgãos atuantes na região,
desmoralizando os primeiros ao compará-los, ainda que indiretamente, a
“massas de manobra” das organizações supostamente manipuladoras e com
uma “percepção medieval do mundo”; iii) irresponsável e criminosa, por
estimular medo, ódio e racismo, como se vê no seguinte trecho: “o resto
do Brasil que reze para que os antropólogos não tenham planos de levar
os caiovás (sic) para outros estados, pois em pouco tempo todo o
território brasileiro poderia ser reclamado pelos tutores dos índios”.
A
reportagem, assinada pelos jornalistas Leonardo Coutinho e Kalleo
Coura, não perdeu "a oportunidade de apresentar, mais uma vez, a imagem
dos Guarani e Kaiowá como seres incapazes, como [se] nós indígenas não
fossemos seres humanos pensantes. Fomos considerados como selvagens e
truculentos", conforme escreveu o Conselho da Aty Guasu, a assembleia Guarani e Kaiowá, em nota pública lançada no último dia 5.
O
documento repudia "a divulgação e posição racista e discriminante" do
texto e reafirma a autonomia organizativa e política Guarani e Kaiowá na
luta pela recuperação dos territórios. "A Luta pelas terras
tradicionais é exclusivamente nossa. Nós somos protagonistas e autores
da luta pelas terras indígenas. [E] nós envolvemos os agentes dos órgãos
do Estado Brasileiro, os agentes das ONGs e todos os cidadãos (ãs) do
Brasil e de outros países do Mundo", afirmou a Aty Guasu. Ali também
denuncia o tratamento difamatório na reportagem, reiterada na nota da
Comissão de Professores Guarani-Kaiowá ao indicar que, propagando o ódio
contra os indígenas, "a matéria quer colocar um povo contra outro povo.
Quer colocar os não-índios contra os indíos. Essa matéria não educa e
desmotiva. Ao invés de dar vida, ela traz a morte".
*
A
conjuntura em que estão inseridos os Kaiowá e Guarani lhes é
extremamente desfavorável. Num momento em que se procura gerar uma
negociação que busque superar os conflitos entre indígenas e fazendeiros
no Mato Grosso do Sul, a revista teima em incendiar os ânimos de seus
leitores ruralistas. A matéria carrega em si uma série de falhas na
apuração das informações, apresentando fatos falsos ou distorcidos:
1. A
reportagem expõe e reforça uma imagem distorcida e estigmatizada dos
indígenas como dependentes de órgãos púbicos e privados, usuários de
drogas e reféns dos interesses de indivíduos ou organizações exógenas às
comunidades. Essa imagem estimula o racismo, o ódio e preconceito
contra indígenas, problema histórico no Brasil, em geral, e no Mato
Grosso do Sul, em particular, podendo intensificar a tensão e a
violência já sofrida pelo povo Guarani-Kaiowá.
2.
Aciona, também, preconceito contra a sociedade não-indígena, quando
afirma que a população apoiadora da causa é manipulada, conforme
explicitado na nota da Aty Guasu: a "(...) REVISTA VEJA considera que
esses cidadãos (ãs) manifestantes seriam ignorantes e não conheceriam as
situações dos Guarani e Kaiowá, os tachando de ignorantes aos cidadãos
(ãs) em manifestação". Há também uma passagem de sexismo sugestivo no
texto, citando mulheres que "não perderam a chance de protestar de peito
aberto diante das câmeras"
3.
Omite a verdade quando ignora de maneira retumbante os posicionamentos
públicos dos indígenas Guarani-Kaiowá organizados em sua assembleia
maior, a Aty Guasu
4.
Deturpa de maneira generalizada o conteúdo da carta dos Kaiowá de
Pyelito Kue, imputando suas denúncias a organizações exógenas e
creditando ao Cimi sua autoria e divulgação. A reportagem, no mínimo,
não atentou às datas de divulgação do carta, escrita de próprio punho
por lideranças de Pyelito Kue e endereçada à Aty Guas no dia 9 de
novembro. Deturpações como essa são usadas para corroborar a tese de que
os Kaiowá são "manipulados" pelo Cimi, pelos antropólogos e pela Funai;
5.
Não foram checadas informações e acusações. As organizações citadas no
texto, notadamente o Conselho Indigenista Missionário, nunca foram
questionadas pela reportagem sobre as informações e acusações;
6.
Uso de fonte questionável. O antropólogo citado na matéria, Edward Luz,
não é pesquisador dos Guarani e Kaiowá, sequer do Mato Grosso do Sul.
É, sim, missionário evangélico, membro do Conselho Consultivo do
Instituto Antropos, diretor da Associação das Missões Transculturais
Brasileiras (AMTB), vinculada à Missão NovasTribos do Brasil, o braço
brasileiro da ONG internacional New Tribes Mission, organização que já
foi expulsa ou impedida de entrar em diversas aldeias indígenas pelo
órgão indigenista oficial brasileiro, a Fundação Nacional do Índio. É a
mesma fonte, também, de outras matérias na revista com o mesmo teor
antiíndigena;
7.
Houve ma-fé no uso de informações desmentidas há tempos. As informações
destacadas no mapa sobre a dita "Nação Guarani" - que revisaria limites
territoriais nacionais e internacionais - e a demarcação contínua das
terras do sul do Estado do Mato Grosso do Sul já foram desmentidas por
indígenas e posteriormente por antropólogos e pela própria Funai, e
novamente pelos indígenas durante as agendas de audiências públicas no
Congresso Nacional na última semana.
8.
Uso de apenas uma linha de entrevista, de maneira descontextualizada,
com um único indígena - mesma fonte da matéria anterior sobre os Kaiowá e
Guarani - no sentido de sugerir concordância com o texto conclusivo da
matéria.
9.
Exposição indevida da imagem de crianças indígenas em fotografia
utilizada para ilustrar reportagem preconceituosa, com contornos
sensacionalistas, ofensivos e que faz juízo de valor depreciativo de sua
comunidade.
Dessa
forma, o Conselho da Aty Guasu, grande assembléia dos povos Guarani
Kaiowá, em conjunto com as demais organizações signatárias, vem a
público denunciar a postura criminosa da Revista Veja.
A
Aty Guasu Guarani e Kaiowá e a Comissão de Professores Guarani e Kaiowá
exigem a investigação rigorosa e punição cabível dos responsáveis, bem
como o direito de resposta aos Guarani e Kaiowá na revista Veja. Tais
demandas também farão parte de Representação ao Ministério Público
Federal para que este, dentro de suas competências constitucionais, tome
as medidas necessárias. A imprensa é livre para se posicionar da forma
que bem entenda - no entanto, os "fatos" que norteiam a reportagem
citada são falsos. Não se trata de uma questão de opinião, e, sim, de
irresponsabilidade. Os povos Guarani e Kaiowá já foram vitimados
suficientemente por irresponsabilidades.
Dourados, 14 de novembro de 2012
Conselho Aty Guasu (Grande Assembleia do povo Guarani e Kaiowá)
Comissão de Professores Kaiowá e Guarani
Campanha Guarani
Coassinam:
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, MG e ES (APOINME)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET)
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR)
Ação Nacional de Ação Indigenista (ANAÍ-BA)
Amigos da Terra Brasil
Associação Aritaguá
Associação de Moradores de Porto das Caixas
Associação Socioambiental Verdemar
Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Conselho Federal de Psicologia (CFP)
Conselho Indígenista Missionário (Cimi)
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)
Central Única das Favelas (CUFA-CEARÁ)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA)
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Coordenação Nacional de Juventude Negra
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES)
Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT)
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
CRIOLA - RJ
EKOS - Instituto para a Justiça e a Equidade - São Luís - MA
Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)
Fase Amazônia
Fase Nacional - Núcleo Brasil Sustentável
Frente em Defesa da Amazônia (FDA)
FIOCRUZ
Fórum Carajás - São Luís - MA
Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará
FUNAGUAS - Terezina - PI
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
Grupo Pesq. em Sustentabilidade, Impacto e Gestão Ambiental (UFPB)
Grupo Pesq. em Educação Ambiental da (GPEA/UFMT)
Grupo Pesq. Historicidade do Estado e do Direito (UFBA)
Justiça Global
IARA - RJ
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto para a Justiça e a Equidade (EKOS)
Instituto da Mulher Negra (GELEDÉS)
Instituto Nacional de Estudos Sócio-Econômicos (INESC)
Instituto Búzios
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Instituto Terramar
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Inst. Nac. de Ciência e Tec. de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI)
Justiça Global
Mestrado Prof. em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Indígenas (CDS/UnB)
Movimento Brasil pelas Florestas
Movimento Cultura de Rua (MCR) - Fortaleza - CE
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento Cultura de Rua (MCR)
Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser)
Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS)
Movimento Wangari Maathai
Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) – São João del-Rei – MG
Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) – Fortaleza – CE
Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego – Macaé – RJ
Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais) – Aracajú – SE
ONG. GDASI – Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá – Mangaratiba – RJ
OcupaBelém
OcupaSampa
Opção Brasil – São Paulo – SP
Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra – São Paulo – SP
Plataforma Dhesca Brasil
Projeto Recriar – Ouro Preto – MG
Rede Axé Dudu – Cuiabá – MT
Rede Matogrossense de Educação Ambiental – Cuiabá – MT
Rede Jubileu Sul Brasil
Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP)
Sociedade de Melhoramentos do São Manoel – São Manoel – SP
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH)
Terra de Direitos - Organização de Direitos Humanos
TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental – PR
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