Incoerência e oportunismo
barato elevados ao cubo. Assim os posicionamentos de Jorge Viana (PT-AC) no
Senado. Parece que ninguém segura esse “menino do PT”...
Não faz muito, quando
começaram as manifestações de rua que tomaram conta do Brasil no mês de junho
do ano passado, ele alarmou: “Nossa população não pode ser tratada como
bandida”.
O senador falava isso em
razão da truculência com que a polícia estava tratando manifestantes e
jornalistas. A agressão era tão gratuita e desmedida que mesmo a grande imprensa
- a seu modo e segundo seus interesses - começou a condená-la.
Jorge Viana viu ali a
possibilidade de aparecer como defensor da democracia. Em um texto (A democracia de Jorge Viana), dizíamos
que nem parecia aquele em cujo governo a polícia deteve e reprimiu vários
manifestantes em 7 de setembro de 2005. Concluíamos o texto dizendo que a
democracia que o senador defendia para o Brasil não era a mesma que ele queria
para o Acre.
Passados alguns poucos meses
apenas, aquele mesmo “defensor da democracia” veio defender a aprovação de uma
“lei antiterrorismo”. Claro. O sujeito aqui em questão tenta “surfar” na
comoção - midiaticamente – alimentada pela morte do cinegrafista Santiago
Andrade[2]. Resta, porém, que suas supostas
inclinações democráticas mostram-se cada vez mais insustentáveis.
Deixando o senador de lado,
por enquanto, cabe perguntar o que representa para a democracia a proposta por
ele defendida. Comecemos com a definição de “terrorismo” e os problemas daí
advindos.
Tratando do problema em mais
amplo âmbito, Domenico Losurdo (A
linguagem do império: léxico da ideologia estadunidense) argumenta que “não
há nenhum esforço para esclarecer o que significa o termo terrorismo”. Trata-se
de algo proposital, pois quanto “mais vaga a acusação, tanto mais fácil para
sua validade se impor de modo unilateral e tanto mais inapelável se torna a
sentença pronunciada pelo mais forte” (LOSURDO: 2010, 15).
O mesmo autor argumenta que
“seria ingênuo esperar equilíbrio na utilização das categorias, chamadas, na
realidade, para rotular o inimigo e seus cúmplices e, portanto, empunhadas e
brandidas como armas de guerra” (LOSURDO: 2010, 14).
Trilhando caminho similar,
Noam Chomsky (O império americano:
hegemonia ou sobrevivência) destaca que o “termo terrorismo (itálico do autor) é extremamente difícil de definir”,
considerando-o “particularmente obscuro” (CHOMSKY: 2004, 190).
Assim como Losurdo, Chomsky ressalta
como o modo vago de definir o termo é uma estratégia usada pelos de cima a fim
de que, desse modo, possam manuseá-lo a seu talante contra aqueles que os
ameaçam ou simplesmente a eles não se submetem. Não surpreende que mesmo Nelson
Mandela tivesse sido acusado de “terrorismo” ao lutar pelo fim da segregação
racial na África do Sul.
Sabe-se que, historicamente,
quando dada ordem encontra-se em crise, os que nela dominam costumam apontar “inimigos”
(reais ou não), atribuindo a eles toda culpa pelos problemas atravessados e
declarando-lhes guerra sem trégua. Há anos atrás, tais “inimigos” eram os
comunistas. Hoje - e inclusive no Brasil! - são os “terroristas”.
O resultado disso é a
emergência de um escancarado “estado de exceção”[3] em que são “enquadrados”
os “inimigos” e os “não integráveis ao sistema político”. Como alertou Giogio
Agamben (Estado de exceção), em
razão das crises, das resistências populares (das mais diversas colorações
ideológicas e das mais diversas opções de luta) e das reações dos de cima, o
“estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como paradigma de
governo dominante na política contemporânea”. Ele vem deixando de ser “uma
medida provisória e excepcional” para ser uma “técnica de governo” (AGAMBEN:
2004, 13).
Ao “anular radicalmente todo
estatuto jurídico do indivíduo”, o estado de exceção se configura, não como um
“direito especial”, mas como “suspensão da própria ordem jurídica” (AGAMBEN:
2004, 14-15). Por essa razão, o estado de exceção se apresenta como um “patamar
de indeterminação entre democracia e absolutismo” (AGAMBEN: 2004, 14).
Sintetizando: o estado de
exceção vem se tornando uma técnica de governo, usada permanentemente. A atual
crise[4] impõe ao governo (se este
assume a defesa da ordem - por carcomida e antidemocrática que esta seja - como
sua principal tarefa) que a utilize. E a vaguidade da definição do termo
“terrorismo” e a suspensão da ordem jurídica permitem que ele a utilize quase sem
peias.
Em verdade, a proposta do
senador acreano e consortes mostra como andam aparvalhadas as elites brasileiras
diante das manifestações que elas não conseguem domesticar. Mostra igualmente
como hoje os petistas entendem e tratam a democracia. Se lhes convém,
defendem-na; se lhes incomoda ou ameaça, atacam-na sem medir palavras ou
esforços. E assim as elites e seus representantes no Congresso preparam sua
reação contra as “ruas”.
Acreanizar o Brasil! Ao que
tudo indica, essa é a contribuição política que Jorge Viana quer dar ao país.
Pois aqui, em nossa terrinha, faz tempo o “estado de exceção” é a regra. Quanto
a isso e dado que a democracia não lhe cheira bem,
dificilmente poderiam encontrar arauto mais credenciado.
[1]
Cientista Político e Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade
Federal do Acre – UFAC.
[2]
Para tratar o assunto aqui em foco a partir desse ponto, recomendo os textos Jorge Viana revisita o passado ao defender
projeto de lei anti-terrorismo, Legislador
faz terrorismo com o terrorismo e Terrorismo
faz senador confundir papel do buchuchu e da urtiga.
[3]
Embora nos valendo aqui de Giogio Agamben, conjugamos suas reflexões com as de
Walter Benjamin. Este tem uma noção historicamente mais ampla de estado de
exceção, colocando no centro de suas análises a opressão e a exploração de
classe. Para mais sobre o pensamento deste autor último ver Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma
leitura das teses “Sobre o conceito de história”. Nesta obra, o leitor
encontrará as teses sobre história (onde ele formula seu conceito de estado de
exceção) do próprio Walter Benjamin acrescidas de comentários de Michael Löwy.
[4]
No calor das manifestações de rua ano passado, alguns passaram a falar de
“crise de representatividade”. Além dos autores já citados, recomendamos a
leitura de Para além do capital, do
filósofo István Mészáros, obra em que o autor fala da “crise estrutural” pela
qual vem passando o sistema capitalista.
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