segunda-feira, 30 de maio de 2011

Dourados - Trocar a bala pela fala

Por Egon Heck


No final do Seminário sobre a demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul, os Kaiowá Guarani tomaram conta do palco para mais uma vez abençoar o esforços pelos seus direitos e pela paz. O purahei, ritual de invocação e agradecimento, mostrou que com sua paciência história, sabedoria e persistência, estão contribuindo para encontrar os caminhos da solução do grave problema fundiário e de violência em decorrência da não demarcação de suas terras.

Enquanto os indígenas faziam o ritual de encerramento do Seminário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), emocionados, no palco estavam os representantes de uma comissão, a quem se outorgou a missão de começar, o quanto antes, a solucionar os conflitos originados pela não demarcação das terras indígenas no estado. Ou seja, devolver as terras aos índios, indenizando os proprietários com títulos de boa fé. Um final esperançoso. Na platéia um pouco mais de uma centena de indígenas e uns poucos produtores rurais que permaneceram até o final.

Vozes da intolerância e o diálogo possível e necessário

O segundo dia do seminário iniciou com uma mesa de autoridades locais, estaduais e nacionais. A tônica das falas foi da busca de um diálogo para enfrentar a situação de conflito, com a busca de garantia dos direitos, dos índios e dos produtores rurais.

Porém também houve falas que não contribuem com o diálogo necessário. O subprocurador Eugenio Aragão, indignado com o que ouvira nas falas das autoridades exigiu mais respeito aos Guarani Kaiowá, refutando os discursos de ódio.

O desembargado Luiz Carlos chegou a propor saídas como a dos indígenas dos Estados Unidos, que abrigam cassinos e depósito de lixo nuclear em seus territórios. Porém a vozes convergiram para a necessidade de um diálogo e vontade política para começar a resolver a questão da demarcação das terras indígenas. E o caminho mais viável vislumbrado é o da indenização dos títulos de boa fé.

A ministra Eliana Calmon, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ressaltou que veio para Dourados parra ajudar a encontrar solução para o grave problema da questão fundiária. “Não será com algumas sentenças que se irá solucionar o problema, mas com sábias decisões, que levem a um denominador comum e à construção de consensos”.  Destacou que este é um momento histórico e conclamou a todos para que caminhem num só sentido para resolver o problema fundiário que há tantos aflige as comunidades indígenas do MS.

Mentiroso é você

Quem protagonizou novamente as pérolas de cunho autoritário e de intransigência foi o governador André Pucinelli. Com sua boa memória desfilou os muitos contatos e feitos pelas comunidades indígenas do estado. Deu a entender ser profundo conhecedor da realidade indígena.  Foi então contestado por uma indígena Kaiowá, que gritou: “mentiroso”.  Ao que ele respirou fundo e respondeu: “mentiroso é você!”. Silêncio constrangedor! E continuou “conheço sim! Desconheço os bagunceiros, os que invadem terras, os que fecham estradas”.

Pucinelli continuou seu discurso afirmando as inúmeras vezes que procurou ajudar a resolver a questão das terras indígenas, mas não teve êxito. Deu o exemplo de Cachoeirinha, onde havia conseguido a ampliação da terra, através de compra pelo estado e contribuição dos fazendeiros, de três mil e quinhentos hectares, mais ações assistenciais. Já havia conquistado os caciques, mas acabou não sendo possível. Falou que tinha quatro sugestões para resolver o problema das terras, e que já foram feitas por ele em outra ocasião. Dentre elas a de transferir os Kaiowá Guarani para as terras do Reverendo Moon, às margens do rio Miranda, no município de Jardim. Arrancou aplausos dos fazendeiros presentes.  Em especial quando categoricamente afirmou: “Expropriação não! Pague-se”.

Já o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcio Meira , indignado com algumas das afirmações e acusações do  governador, mostrou como ele tinha respondido aos compromissos assumidos e exigiu respeito e consideração para com o órgão indigenista, que  já existe há mais de cem anos. Disse que ficou triste ao ouvir o governador, que em nada contribui com o diálogo. Refutou a afirmação feita por Pucineli de que existe uma única verdade. “A verdade é múltipla, e quando você afirma que é única, se julga dono dela.” Aproveitou para desfazer as falácias ditas no Mato Grosso do Sul, como as afirmações de que vão demarcar 12 milhões de hectares para os índios, de que vão inviabilizar 26 municípios. ”Mentira! Quem afirma isso é porque não quer resolver os conflitos”.  Meira apoiou ainda a sugestão de se criar uma Comissão que chegue a soluções concretas.

Deixar as balas que assassinaram inúmeras lideranças indígenas, para usar a fala, o diálogo, a busca conjunta de soluções para a grave situação fundiária já é um bom começo. Porém, da intenção para a ação tem séculos de opressão, discriminação e racismo a serem vencidos. É isso que deve ser superado com espaços de diálogo como o criado pelo Conselho Nacional de Justiça.

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