Em declaração pública, a Anistia Internacional considera preocupante opinião de que direitos humanos dos povos indígenas não devem ser tratados com a mesma importância ou seriedade com relação a outras violações. Leia agora o comunicado completo
A Anistia Internacional manifesta profunda preocupação com as declarações do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, em uma entrevista à BBC Brasil, na qual sugere que os direitos humanos dos povos indígenas não devem ser tratados com a mesma importância ou seriedade que a tortura, os desaparecimentos forçados ou outras violações dos direitos humanos ocorridas no passado, e que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) deveria "assessorar" os Estados nessas questões em vez de tratá-las como possíveis violações dos direitos humanos.
Também preocupa à Anistia Internacional que tais declarações pareçam sugerir que a CIDH deva rever as medidas adotadas contra o Brasil no caso de Belo Monte, o que constituiria uma preocupante interferência de um órgão político da OEA na autonomia e na independência do sistema interamericano de direitos humanos. Tais declarações lamentáveis se dão num contexto em que vários Estados, principalmente o Brasil, têm tomado medidas que podem ser interpretadas como represálias contra decisões da CIDH que esses países consideram contrárias a seus interesses.
As normas de direitos humanos reconhecidas internacionalmente protegem os direitos civis e políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e culturais de maneira indivisível. Além de proibir a tortura, por exemplo, as normas de direitos humanos também protegem as pessoas e as comunidades frente aos novos desafios que se apresentam na região, sobretudo o impacto provocado por projetos de empreendimentos econômicos.
Megaprojetos de infraestrutura, tais como a hidroelétrica de Belo Monte, no Brasil, ou mina Marlin, na Guatemala, podem afetar profundamente os direitos humanos das pessoas e das comunidades. Seu impacto pode ser positivo, como, por exemplo, quando criam postos de trabalho e aumentam a arrecadação fiscal, contribuindo para o desenvolvimento social. Entretanto, esses megaprojetos também podem ocasionar violações de direitos humanos, como quando provocam danos ao meio ambiente, algo que, geralmente, afeta de modo desproporcional os mais pobres e marginalizados. Em diversos países da região, os povos indígenas estão sendo obrigados a abandonar suas terras, perdendo seus meios de subsistência e submergindo na pobreza em consequência direta de projetos relacionados à exploração de petróleo, gás e minérios. Esse risco é ainda mais agravado pela influência crescente que as empresas interessadas em executar tais projetos exercem sobre as instâncias decisórias dos Estados.
Por esta razão, o direito internacional dos direitos humanos elaborou uma série de normas e de mecanismos para proteger os direitos humanos das comunidades locais, especialmente dos povos indígenas. Em 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que conta hoje com o apoio da totalidade de seus Estados-membros. Esse instrumento complementa a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.
O relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, James Anaya, que dedicou atenção especial ao tema, documentou violações contra os direitos dos povos indígenas e recomendou medidas a serem adotadas pelos Estados a fim de evitar futuras violações. Entre essas medidas está a obrigação dos Estados de promover uma consulta de boa-fé junto aos povos indígenas, antes da aprovação de um projeto, com o fim de obter seu consentimento prévio, livre e informado nas situações em que tal projeto possa afetar substancialmente os direitos desses povos. Esse mesmo padrão foi estabelecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Saramaka vs. Suriname. A Corte estabeleceu que, em se tratando de projetos de desenvolvimento ou de investimentos em grande escala que possam afetar a integridade das terras e dos recursos naturais do povo indígena em questão, o Estado não tem apenas o dever de consultar o povo indígena afetado, como também de obter seu consentimento livre, prévio e informado, segundo seus costumes e tradições.
A medida cautelar emitida pela CIDH no caso de Belo Monte está de acordo com essa tendência do direito internacional e simplesmente lembra o Brasil de que o país deve suspender as obras do projeto até que as devidas consultas sejam realizadas. A Anistia Internacional manifesta-se preocupada com o fato de o Brasil ter qualificado as medidas como "injustificadas e precipitadas", e de que haja retirado seu candidato às próximas eleições para a CIDH. Igualmente preocupante é o fato de o secretário-geral da OEA não apenas não ter condenado a atitude do Brasil, como ter sugerido que, por se tratar de um projeto de tamanha envergadura em um país como o Brasil, a CIDH deveria examinar a situação com “mais calma”, reavaliando se os direitos dos povos indígenas estariam realmente em perigo. Tal atitude é ainda mais incompreensível quando se considera que um ano atrás, por ocasião da abertura do 138º período de sessões da CIDH, e em clara alusão aos ataques dirigidos por outro país à autoridade e legitimidade da CIDH, o mesmo secretário-geral da OEA enfatizou a necessidade de se "acatar" as decisões da OEA a fim de fortalecer essa instituição de direitos humanos, afirmando que isso requer também um “diálogo permanente” com o organismo.
O escrutínio internacional da situação interna dos direitos humanos nunca é agradável para os países envolvidos. Porém, os Estados criaram a Comissão Interamericana como órgão principal e autônomo da OEA porque compreenderam a importância de existirem órgãos competentes e independentes para supervisionar o cumprimento das obrigações de direitos humanos que tais Estados voluntariamente adotaram. Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, os membros da CIDH são eleitos pelos próprios Estados-membros da OEA, em sua Assembleia Geral, sendo eles pessoas de "alta autoridade moral e reconhecido saber em matéria de direitos humanos" (artigo 34), os quais servem à Comissão "em caráter pessoal" (artigo 36.1).
A atitude do Estado brasileiro frente à medida cautelar emitida pela CIDH no caso Belo Monte compromete a força e a efetividade de um sistema que historicamente tem demonstrado ser um elemento catalisador da efetiva proteção dos direitos humanos na região. O sistema de proteção regional deixou de questionar os abusos dos governos ditatoriais e passou a fazer advertências sobre as falhas estruturais e os abusos que ocorrem nas democracias. Os novos desafios de direitos humanos, sobretudo com relação a projetos de desenvolvimento econômico, devem ser encarados com a mesma seriedade que os demais.
Nas últimas décadas, o Continente Americano tem avançado em matéria de proteção dos direitos humanos. Porém, mesmo com esses avanços, ainda falta muito para que os direitos dos mais pobres e marginalizados sejam protegidos. A proteção dos direitos humanos e a promoção do desenvolvimento econômico não se excluem mutuamente, e sua harmonização se constitui em um dos maiores desafios da região. É fato que as normas de proteção dos direitos humanos se refletem cada vez mais nas políticas e nos parâmetros que norteiam os empréstimos das instituições financeiras internacionais.
Seria extremamente preocupante que se estivesse considerando sacrificar os direitos humanos dos povos indígenas e de outros grupos vulneráveis em nome do desenvolvimento econômico. A Anistia Internacional exorta todos os governos da região, e os funcionários nomeados por tais governos para servirem no sistema regional, a se comprometerem publicamente com a proteção de todos os direitos humanos, especialmente nos projetos de desenvolvimento, e a cumprirem, de boa-fé, as recomendações e as sentenças do sistema interamericano de direitos humanos.
Também preocupa à Anistia Internacional que tais declarações pareçam sugerir que a CIDH deva rever as medidas adotadas contra o Brasil no caso de Belo Monte, o que constituiria uma preocupante interferência de um órgão político da OEA na autonomia e na independência do sistema interamericano de direitos humanos. Tais declarações lamentáveis se dão num contexto em que vários Estados, principalmente o Brasil, têm tomado medidas que podem ser interpretadas como represálias contra decisões da CIDH que esses países consideram contrárias a seus interesses.
As normas de direitos humanos reconhecidas internacionalmente protegem os direitos civis e políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e culturais de maneira indivisível. Além de proibir a tortura, por exemplo, as normas de direitos humanos também protegem as pessoas e as comunidades frente aos novos desafios que se apresentam na região, sobretudo o impacto provocado por projetos de empreendimentos econômicos.
Megaprojetos de infraestrutura, tais como a hidroelétrica de Belo Monte, no Brasil, ou mina Marlin, na Guatemala, podem afetar profundamente os direitos humanos das pessoas e das comunidades. Seu impacto pode ser positivo, como, por exemplo, quando criam postos de trabalho e aumentam a arrecadação fiscal, contribuindo para o desenvolvimento social. Entretanto, esses megaprojetos também podem ocasionar violações de direitos humanos, como quando provocam danos ao meio ambiente, algo que, geralmente, afeta de modo desproporcional os mais pobres e marginalizados. Em diversos países da região, os povos indígenas estão sendo obrigados a abandonar suas terras, perdendo seus meios de subsistência e submergindo na pobreza em consequência direta de projetos relacionados à exploração de petróleo, gás e minérios. Esse risco é ainda mais agravado pela influência crescente que as empresas interessadas em executar tais projetos exercem sobre as instâncias decisórias dos Estados.
Por esta razão, o direito internacional dos direitos humanos elaborou uma série de normas e de mecanismos para proteger os direitos humanos das comunidades locais, especialmente dos povos indígenas. Em 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que conta hoje com o apoio da totalidade de seus Estados-membros. Esse instrumento complementa a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.
O relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, James Anaya, que dedicou atenção especial ao tema, documentou violações contra os direitos dos povos indígenas e recomendou medidas a serem adotadas pelos Estados a fim de evitar futuras violações. Entre essas medidas está a obrigação dos Estados de promover uma consulta de boa-fé junto aos povos indígenas, antes da aprovação de um projeto, com o fim de obter seu consentimento prévio, livre e informado nas situações em que tal projeto possa afetar substancialmente os direitos desses povos. Esse mesmo padrão foi estabelecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Saramaka vs. Suriname. A Corte estabeleceu que, em se tratando de projetos de desenvolvimento ou de investimentos em grande escala que possam afetar a integridade das terras e dos recursos naturais do povo indígena em questão, o Estado não tem apenas o dever de consultar o povo indígena afetado, como também de obter seu consentimento livre, prévio e informado, segundo seus costumes e tradições.
A medida cautelar emitida pela CIDH no caso de Belo Monte está de acordo com essa tendência do direito internacional e simplesmente lembra o Brasil de que o país deve suspender as obras do projeto até que as devidas consultas sejam realizadas. A Anistia Internacional manifesta-se preocupada com o fato de o Brasil ter qualificado as medidas como "injustificadas e precipitadas", e de que haja retirado seu candidato às próximas eleições para a CIDH. Igualmente preocupante é o fato de o secretário-geral da OEA não apenas não ter condenado a atitude do Brasil, como ter sugerido que, por se tratar de um projeto de tamanha envergadura em um país como o Brasil, a CIDH deveria examinar a situação com “mais calma”, reavaliando se os direitos dos povos indígenas estariam realmente em perigo. Tal atitude é ainda mais incompreensível quando se considera que um ano atrás, por ocasião da abertura do 138º período de sessões da CIDH, e em clara alusão aos ataques dirigidos por outro país à autoridade e legitimidade da CIDH, o mesmo secretário-geral da OEA enfatizou a necessidade de se "acatar" as decisões da OEA a fim de fortalecer essa instituição de direitos humanos, afirmando que isso requer também um “diálogo permanente” com o organismo.
O escrutínio internacional da situação interna dos direitos humanos nunca é agradável para os países envolvidos. Porém, os Estados criaram a Comissão Interamericana como órgão principal e autônomo da OEA porque compreenderam a importância de existirem órgãos competentes e independentes para supervisionar o cumprimento das obrigações de direitos humanos que tais Estados voluntariamente adotaram. Segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos, os membros da CIDH são eleitos pelos próprios Estados-membros da OEA, em sua Assembleia Geral, sendo eles pessoas de "alta autoridade moral e reconhecido saber em matéria de direitos humanos" (artigo 34), os quais servem à Comissão "em caráter pessoal" (artigo 36.1).
A atitude do Estado brasileiro frente à medida cautelar emitida pela CIDH no caso Belo Monte compromete a força e a efetividade de um sistema que historicamente tem demonstrado ser um elemento catalisador da efetiva proteção dos direitos humanos na região. O sistema de proteção regional deixou de questionar os abusos dos governos ditatoriais e passou a fazer advertências sobre as falhas estruturais e os abusos que ocorrem nas democracias. Os novos desafios de direitos humanos, sobretudo com relação a projetos de desenvolvimento econômico, devem ser encarados com a mesma seriedade que os demais.
Nas últimas décadas, o Continente Americano tem avançado em matéria de proteção dos direitos humanos. Porém, mesmo com esses avanços, ainda falta muito para que os direitos dos mais pobres e marginalizados sejam protegidos. A proteção dos direitos humanos e a promoção do desenvolvimento econômico não se excluem mutuamente, e sua harmonização se constitui em um dos maiores desafios da região. É fato que as normas de proteção dos direitos humanos se refletem cada vez mais nas políticas e nos parâmetros que norteiam os empréstimos das instituições financeiras internacionais.
Seria extremamente preocupante que se estivesse considerando sacrificar os direitos humanos dos povos indígenas e de outros grupos vulneráveis em nome do desenvolvimento econômico. A Anistia Internacional exorta todos os governos da região, e os funcionários nomeados por tais governos para servirem no sistema regional, a se comprometerem publicamente com a proteção de todos os direitos humanos, especialmente nos projetos de desenvolvimento, e a cumprirem, de boa-fé, as recomendações e as sentenças do sistema interamericano de direitos humanos.
Fonte: anistia Internacional
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