Gangorra política
A
FPA apequena a “oposição” para crescer sobre ela. O “outro” tem que
ficar por baixo para que o “um” fique por cima. Tal como numa gangorra.
Os representantes daquela coalizão realçam os avanços dos governos
petistas. E, num tom de quase-terror, perguntam se queremos
“retroceder”, “voltar ao tempo em que o crime organizado mandava no
estado”, “em que o salário do funcionalismo público atrasava” e os
“desmandos políticos” imperavam.
Quem
bem observou percebeu que nas últimas eleições foi assim. Ao bom
observador também não deve ter fugido o fato de a FPA usar a palavra
“oposição” como um termo fetiche, que, sejamos francos, mais obscurece
do que ilumina as coisas.
Na
verdade, “oposição” e FPA (“situação”) não representam blocos
monolíticos, contendo um todas as virtudes e o outro, todos os vícios.
São, isto sim, grupos políticos flexíveis e com patentes tensões
internas[2].
Dependendo dos acordos ou desacordos, os indivíduos transitam entre um e
outro sem pudores, sem preocupações maiores com programas de governo ou
ideologias.
Petecão
(PSD) e Fernando Melo (PMDB), antes situação, agora são oposição. César
Messias e Narciso Mendes, antes oposição, agora são situação. Embora
continuem os mesmos homens, agora são apreciados segundo o grupo
político a que aderiram. Sinteticamente: nem a oposição nem a FPA de
ontem são as mesmas de hoje.
As coisas às avessas
Durante
bom tempo, apequenar a oposição rendeu bons e abundantes frutos à
situação. O desgaste político da oposição era tão grande que ser ligado a
ela era - em grande medida - ser associado a tudo de quanto ela era
acusada. Tivesse culpa ou não o indivíduo.
Doutra banda, as esperanças que a FPA encarnava eram tão grandes, tão bem sucedida ela em seus primeiros anos de governo[3], que ser associado a ela permitia - também aqui em grande medida - gozar de tudo quanto ela inspirava.
Hoje,
as coisas caminham de modo diferente. Como dissemos em textos
anteriores, o projeto de “desenvolvimento sustentável” esbarrou em seus
limites. Suas contradições estão expostas. As figuras maiores da FPA,
benquistas para além das fronteiras da coalizão, perderam popularidade.
As esperanças empalideceram. A frustração e a indignação ganharam corpo.
Declinando
em legitimidade e popularidade a FPA, já não é de todo bom ser
associado a ela. Quase toda semana há denúncias ou casos polêmicos
envolvendo-a. Nas últimas semanas, quatro casos de grande monta tomaram
conta dos meios de comunicação alternativos, onde a influência do
governo é menor.
O primeiro foi a proposição de novo referendo para decidir sobre a hora oficial do Acre (ver aqui). O segundo foi o caso envolvendo Irailton (ver aqui).
O terceiro foi o TCE ter aprovado as contas do Estado, mesmo tendo,
dentre outras coisas, dezenas de passagens áreas “inexplicáveis” (ver aqui). E, por último, o “jogo da solidariedade”.
Comenta-se
que o governo se negou a receber os donativos recolhidos pelo jogo,
dizendo não serem mais necessários. O resultado foi catastrófico para o
governo. Popó e Romário, ícones do esporte brasileiro e mundial, não lhe
pouparam críticas. Em pouco tempo, o vídeo em que Popó critica
duramente o governo do estado teve mais de setenta mil acessos.
Reagindo,
o governo montou verdadeira operação, não para evitar os estragos, mas
para diminuí-los ao máximo. A militância petista organizou um “Ato de
Desagravo”. A base dos deputados aliados manifestou-se na Assembleia
Legislativa do Acre. O governador deu entrevistas. Em uma delas,
apareceu com a Bíblia e lamentou os “ataques” de que era alvo.
Para
a oposição, o resultado não poderia ter sido melhor. Especialmente para
Petecão, que colheu todos os louros possíveis. Já manifestamos em texto
outro o que pensamos de Petecão (ver Eleições 2010: um olhar a partir “dos de baixo”). Mas convém reiterar a fim de explicitar as implicações políticas do que estamos a discutir.
Símbolo
maior da velha política clientelista no Acre, Petecão chegou a senador
como candidato de projeto nenhum. Fanfarronice. Foi o que ele muito fez
nas propagandas eleitorais. Em certo sentido, ele é “nosso Tiririca”.
Para evitar interpretações equívocas: com isso estamos querendo dizer
que, longe de uma alternativa, sua eleição expressa insatisfação e
cansaço com o que está posto.
Há
anos na vida pública, inclusive ocupando cargos importantes como forte
apoiador do grupo político que hoje ele critica, que marca Petecão
deixará na política? Ele que se afirma “filho da 6 de Agosto”, que disse
do fato de a polícia, sob as ordens de Tião Viana, ter jogado bombas de
efeito moral e atirado balas de borracha em moradores do bairro? Que
fez ou faz ele em relação a essa barbárie?
Promover
o “jogo da solidariedade” no Acre foi, muito provavelmente, o que de
mais inteligente ele fez em sua vida pública. Conseguiu conjugar num só
ato duas coisas boas: a ajuda aos atingidos pela “alagação” e a vinda de
personalidades demasiado queridas de nosso esporte.
O
fato de o governo não ter recebido os donativos do jogo apenas
robusteceu os ganhos de Petecão. Este saiu do episódio como generoso,
ponderado e perseguido. Heroi e vítima ao mesmo tempo. Por seu turno, o
governo saiu como intolerante, omisso e perseguidor.
Então,
no momento, as coisas se nos aparecem às avessas. A oposição se
engrandece em virtude do auto-apequenamento da situação, enquanto esta
se afunda num atoleiro de denúncias e trapalhadas sem fim. O “um” se
rebaixa, elevando no mesmo movimento o “outro”. Tal como numa gangorra.
De seu lado, Perpétua (PC do B) ensaia um distanciamento estratégico[4]
da FPA. Foi assim no caso da hora oficial do estado e no “jogo da
solidariedade”, ao qual a deputada compareceu. Algo inteligente de sua
parte já que, na atual conjuntura, ser associado à situação tem lá seus
inconvenientes. Caso o barco afunde...
[1]
Cientista Social, Membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e
Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO) e do Movimento
Anticapitalista Amazônico (MACA).
[2]
Para dar apenas dois exemplos. A abortada pré-candidatura de Perpétua à
prefeitura da capital acriana mostrou isso no seio da FPA. No seio da
oposição, vimos isso na articulação daquele grupo que foi chamado de
“nova oposição” (ver aqui).
Ainda que não vá adiante o movimento, ele foi suficiente para, no
âmbito da oposição, tornar visíveis duas coisas: 1) a despreocupação em
amadurecer - ou mesmo a ausência de - um projeto de governo e 2) a
desesperada pressa em dividir espólios de um adversário ainda não
vencido.
[3]
Bem sucedida, sobretudo, em termos de popularidade. O que corresponde,
basicamente, aos governos de Jorge Viana. Mais destacadamente ao
primeiro de seus governos: 1999-2002.
[4] Esse distanciamento estratégico
tem permitido à Perpétua tirar proveito mesmo de suas “derrotas”.
Conquanto não tenha saído como candidata à prefeitura de Rio Branco,
propor-se como pré-candidata, além de desgastar a FPA, serviu para
consolidar sua fama - significativa em setores para além das fronteiras
da coalizão a que hoje ela pertence - de mulher de fibra, com opiniões
próprias, que sequer se submete aos intentos dos irmãos Vianas.
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