terça-feira, 29 de maio de 2012

REDD: Mais um cavalo de Troia para os povos indígenas

Do Jornal A Tribuna

Exploração do crédito de carbono em terras indígenas no Acre é questionada por lideranças

O posicionamento do Estado de se preparar para, num futuro próximo, começar a ver resultados positivos no trabalho de exploração de créditos de carbono, através de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd) é questionado por representações dos povos indígenas do Acre.

O diretor do Instituto de Mudanças Climáticas (IMC/AC), Eufran Amaral, afirmou que foram realizadas consultas específicas com lideranças indígenas, todos os riscos são considerados e foi criado um Grupo de Trabalho composto por representantes daqueles povos.

Eufran destacou que qualquer decisão de ter ou não projeto de pagamento por serviço ambiental em terra indígena deverá ser tomada pelos próprios nativos e que estão sendo realizados seminários para que aquelas populações tenham total esclarecimento do assunto.

“Não existe a possibilidade de ter projeto em terra indígena sem ter o que chamamos de consentimento livre prévio informado. O Estado está fazendo sua parte de proteção, várias oficinas foram realizadas. Neste ano, iniciamos o trabalho de formação com produtores privados e queremos começar com produtores familiares e extrativistas. Com os indígenas trabalhamos um tempo maior, de dois anos, e acreditamos que até o segundo semestre do ano que vem eles já possam tomar a decisão se querem ou não entrar na venda de crédito de carbono”, disse Eufran Amaral.

O posicionamento do diretor do IMC/AC, no entanto, é questionado pelo coordenador do Conselho Indigenista Missionário Regional Amazônia Ocidental, Lindomar Padilha, que nega participação massiva dos índios, de seringueiros e cidadãos de reservas extrativistas, ou de seus representantes, no processo de elaboração da Lei 2.038/2010, que criou o Sistema Estadual de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa).
De acordo com Padilha, as discussões aconteceram somente dentro da Assembleia Legislativa. “Foi debatida entre os deputados e aprovada em três dias sem estudo real do assunto. É tanto que essa lei não foi discutida com os índios que agora precisam fazer esses seminários para explica-la”, comentou.

Citando a constituição brasileira, no trecho que fala sobre a utilização de terras indígenas, Lindomar Padilha lembrou que aquelas áreas são de usufruto exclusivo daqueles povos e argumentou que qualquer tipo de contrato firmado por uma empresa com a intenção de utilizar os créditos que aquela mata está gerando, é inconstitucional.

“A Constituição diz ainda que todos os contratos que vise apropriação dos bens gerados nessa terra indígena são nulos, não têm valor jurídico. Não depende dos índios dizerem sim ou não, porque não pode, a Constituição não permite. E foi isso que resultou em uma ação no Ministério Público Federal, para que o órgão acompanhe, analise a constitucionalidade e legalidade, ou não, destes atos. Estamos questionando a constitucionalidade da Lei 2.308/2010, que legisla sobre uma questão que é federal. Não temos um marco regulatório federal para isso e um ente federado não pode ser maior que a federação”, analisou.

Cacique diz que não houve consulta
Cacique Ninawa

O cacique Ninawá Huni Ku afirmou que um indígena, Joaquim Yawanawá, tem participado do processo e recebe pagamento por tal participação. “Por isso, o Estado coloca como se os povos indígenas estivessem participando, o que não é verdade. Participei de uma reunião sobre esse assunto em dois dias. O índio entra não sabendo de nada e saí mais confuso ainda”, comentou.
Segundo Lindomar Padilha, a Fundação Nacional do Índio teria dado uma declaração que foi consultada na aprovação da Lei. “Isso é gravíssimo porque ao fazer isso sem consultar os índios a Funai está descumprido seu dever constitucional”, disse Padilha.
A reportagem de A TRIBUNA tentou conversar sobre o assunto com um membro da Fundação, mas a ocupação da sede do órgão, há duas semanas, pelo manifesto indígena que reivindica resolução de problemas que assolam pelo menos sete etnias do Acre impossibilitou a realização da entrevista.

Cimi pediu apoio do MPF sobre riscos

Lindomar Padilha disse que o Cimi enviou documento ao Ministério Público Federal (MPF), protocolado em 13 de fevereiro deste ano, solicitando que seja exigido da Funai esclarecimento aos povos indígenas dos riscos efetivos a que estão expostos ao negociarem, por meio de contrato, os seus bens.
“E ainda que a Funai suspenda todas as atividades que visem convencer os povos de que os Pagamentos por Serviços Ambientais são legais e bons para eles”, declarou.

Entre outros pontos destacados no documento estão:

# Solicitar da Comissão Pró-Índio do Acre e Forest Trends, os textos, termos e acordos firmados entre eles e o Governo do Estado do Acre, governo brasileiro e outros, que os respaldam enquanto instituições legítimas para viabilizar comercialização de PSA e Redd em terras indígenas. Não havendo o respaldo, que essas instituições sejam proibidas de intermediar junto aos povos indígenas qualquer contrato ou acordo que vise o comércio via PSA.

# Acompanhar e analisar a constitucionalidade e legalidade ou não desses atos e, se for o caso, recomendar a essas instituições que cessem o assédio e omissão da verdade aos povos indígenas.

VIZINHO MODELO

O Projeto de Carbono Florestal Suruí, da tribo dos paiters-suruís, de Rondônia, é o primeiro plano indígena de Redd a receber as duas certificações internacionais (VCS – Verified carbon Standard – e CCB – Climate Comumunity and Biodiversity).

Os selos, emitidos no início de abril deste ano, vão permitir aquela tribo possa fechar contratos para gerar créditos de carbono pelo desmatamento que evitarem em seu território.

Com um modelo certificado ao lado, o Estado do Acre, segundo Eufran Amaral, vai utilizar o projeto suruí como fonte de conhecimento, através do intercambio de informações e práticas efetivas.

“Vamos visitar, conhecer o que esta sendo realizado naquele projeto. Foram expulsas 100 madeireiras que estavam dentro das terras indígenas e o processo aproximou clãs que estavam afastados, além de estabelecer uma certificação internacional. Pretendemos fazer intercâmbio para que os indígenas do Acre conheçam o que está sendo feito naquela terra e observem a expectativa com relação aos riscos, aos povos, benefícios e como podemos reduzir esses riscos no projeto”, explicou o diretor do IMC.

Eufran destacou que a pretensão é ter a compensação por serviço ambiental, ajudando, no caso dos indígenas, cujas terras ocupam 14% do Estado, a conservar ainda melhor, fortalecer a sua cultura e garantir direitos. E, no caso dos produtores, garantir com que tenham renda adicional para continuar produzindo bem.

“O serviço ambiental não pode ser visto como fim, mas um meio para ajudar quem está produzindo e conservando. Nossa iniciativa de criar um arcabouço institucional foi para minimizar os riscos de se atrelar a grupos que não têm compromisso nenhum, tenham projetos mal elaborados e compromissos mal assumidos. Não é algo que vai resolver todos os problemas do universo. É um processo que pode ajudar muito a estratégia de conservação em terras protegidas e também a produção sustentável, desde que feita dentro de uma ação integrada”, concluiu Eufran Amaral.

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