Nota do CTI sobre a atividade petroleira ao sul da TI Vale do Javari: mais um atropelo aos direitos dos povos indígenas em processo de licenciamento de empreendimento
Por CTI
A
década de 2000 assistiu a um crescimento expressivo da presença da
indústria petroleira na Amazônia Ocidental. No Peru, a política de
governo do ex-presidente Alan Garcia agraciou com inúmeras vantagens o
setor, levando ao loteamento de mais de 70% da superfície da Amazônia
peruana para a exploração de petróleo e gás, mediante um sistema de
concessões – apenas entre 2003 e 2009, o incremento da área amazônica
loteada passou de 15% para 72% da superfície do bioma no país. A alta do
preço do petróleo no mercado internacional e a ação conjugada de
incentivos a investimentos privados e ataques aos direitos dos povos e
populações afetados por tais empreendimentos levou ao acirramento de
tensões e a graves conflitos em toda a Amazônia peruana nos últimos
anos. No Brasil, durante o governo Lula, o lobby do setor petroleiro
logrou aportes financeiros no Programa de Aceleração do Crescimento para
que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) contemplasse em seu Plano
Plurianual o investimento em pesquisas sobre o potencial petrolífero da
Bacia Sedimentar do Acre, na região do alto Juruá.
Neste
contexto, em 2007 a ANP dá inicio a uma série de pesquisas, contratando
a aquisição de dados aerogeofísicos e geoquímicos da Bacia do Acre. A
estas atividades foram dispensados licenciamentos e elas foram
executadas sem quaisquer esclarecimentos sobre sua realização aos povos e
comunidades que habitam a região. Os resultados das pesquisas tampouco
foram divulgados localmente. Mesmo com as seguidas manifestações
públicas feitas pelas organizações indígenas da região e outros atores
da sociedade civil contra a falta de transparência e diálogo, a ANP,
entusiasmada pelos resultados preliminares, dá continuidade às
pesquisas, licitando em 2009 a contratação das atividades de prospecção
sísmica no alto Juruá ao longo de 12 linhas, que totalizam 1.017 km.
As
linhas sísmicas foram estrategicamente traçadas pela ANP a fim de
distarem no mínimo 10 km de TIs e UCs, alegando assim tratar-se de uma
atividade de impacto indireto às áreas protegidas e, com isso, evitar um
demorado e custoso processo de licenciamento ambiental. Com isso, a
empresa contratada para o serviço, a GEORADAR, recebeu a dispensa de
elaboração de EIA-RIMA e obteve mediante a apresentação de um Plano de
Controle Ambiental (PCA) - no qual justifica a inexistência de
obrigatoriedade de realizar qualquer ação de comunicação junto aos povos
indígenas da região - a Licença de Operação (LO) e a Autorização para
Supressão Vegetal (ASV), emitidas pelo IBAMA em fevereiro e maio deste
ano, respectivamente.
Entretanto,
ocorre que em meados de 2011, antes da obtenção da LO e ASV, a Funai é
informada pela empresa sobre a realização do empreendimento e sobre a
suposta ausência de impactos sobre os povos indígenas da região. Na
época a Coordenação Geral de Gestão Ambiental (CGGAM) era a instância
técnica do órgão indigenista responsável por acompanhar os processos de
licenciamento de empreendimentos e, para tanto, deveria dialogar com
outras instâncias do órgão, como por exemplo a Coordenação Regional do
Vale do Javari (CRVJ) – o que não aconteceu – e a Coordenação Geral de
Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), em função de haver
referências de índios isolados na região.
Prontamente
a Funai, por meio da CGIIRC, manifesta-se apontando, dentre outros
pontos, a necessidade de levantamento prévio por parte de especialistas
da Funai nas áreas onde seriam abertas as picadas necessárias para
efetuar o levantamento sísmico nas áreas próximas aos limites sul da TI
Vale do Javari, por se tratar de áreas em que há informações sobre a
presença de índios isolados. Além disso, verifica-se que o traçado de
uma das linhas (a linha 08) atravessa um varadouro utilizado
historicamente pelo povo Marubo, e que, portanto, a eles deveria ser
elaborado um Plano de Comunicação específico sobre a realização das
atividades.
Ciente
destas informações desde 2011 e em meio a tratativas junto ao órgão
indigenista, a empresa GEORADAR realiza em meados deste ano as
atividades de levantamento sísmico na linha 08 (o que envolve a
movimentação de grupos de trabalhadores, a abertura de picadas e
clareiras, o trânsito helicópteros e a detonação subterrânea de
explosivos) sem observar os pontos apontados pela Funai e sem o
conhecimento e acompanhamento por parte do órgão. Ainda mais grave é o
fato de os povos indígenas do Vale do Javari não terem sido informados a
respeito do empreendimento previamente à realização das atividades.
Mesmo agindo de má-fé durante o processo, a GEORADAR insiste diretamente
junto a funcionários da Funai para a realização de reunião para
“informar” os índios a posteriori, demonstrando uma suspeita
preocupação antes inexistente e buscando “cumprir” as exigências
demandadas pela Funai (e desrespeitadas pela empresa) ao PCA do
empreendimento.
O CTI já havia alertado em artigo
publicado em 02/11/2011 para as consequencias do atropelo promovido
pelo Governo Federal em seu ímpeto desenvolvimentista de “acelerar”
processos de licenciamento ambiental de empreendimentos a todo e
qualquer custo. Nada se pergunta aos índios, mas o MME, os diretores da
ANP e parlamentares não escondem o entusiasmo e a expectativa com a
exploração de hidrocarbonetos no alto Juruá. As atividades de pesquisa
do potencial petrolífero previstas no PPA da ANP continuam e já se fala
de incluir a Bacia do Acre na 12ª rodada de leilões (a 11ª está prevista
para o primeiro semestre de 2013). Em outubro deste ano, a ANP
contratou a empresa FLAMOIL para o reprocessamento em laboratório dos
dados sísmicos já coletados em campo pela Petrobrás em bacias
sedimentares terrestres, incluindo a Bacia do Acre. O volume das linhas
sísmicas já pesquisadas na região do alto Juruá é significativamente
mais denso do que as que estão sendo realizadas pela GEORADAR, e a maior
parte incide em áreas que atualmente são TIs e Ucs (ver mapa). A
lembrança dos povos indígenas do Vale do Javari com a presença de
funcionários da Petrobrás durante a prospecção de linhas sísmicas e
perfuração de poços estratigráficos durante os anos 70 e 80 não é boa:
surtos de doenças, incomodo com fumaça, explosões e sobrevoos rasantes e
conflitos com grupos de índios isolados, valendo-se de disparos de
espingarda e bombardeios com os explosivos destinados a prospecção.
Em 2011, a ANP publicou um
documento que reúne e analisa os resultados preliminares das pesquisas
com os dados já existentes sobre a Bacia, e atesta a alta probabilidade
da existência de reservatórios de gás natural viáveis de serem
explorados. Dentre estes possíveis reservatórios, um dos maios
promissores é denominado de “Baixo Batã”, que se estende desde o rio
Batã, na TI Vale do Javari, até o sul do Parque Nacional da Serra do
Divisor. No outro lado da fronteira, no Peru, nas últimas duas semanas a
empresa PACIFIC STRATUS deu início as atividades de prospecção de
linhas sísmicas do lote 135, correspondente a esta região – o CTI já
havia apontado em dezembro do ano as ameaças que estas atividades representam para aos povos indígenas da região.
Os eventos acima descritos ilustram
bem o tipo de atropelo cada vez mais frequente em processos de
licencimento de empreendimentos que afetam povos indígenas no Brasil. Em
primeiro lugar, nota-se a falta de comunicação inter e
intra-institucional entre os órgãos de governo envolvidos. A FUNAI não é
órgão licenciador, e sim o IBAMA, que deveria ter entrado em contato
com o órgão indigenista para que este se manifestasse no processo de
licenciamento, como manda a lei. Internamente à FUNAI, percebe-se que
houve falta de comunicação entre as esferas envolvidas, agravada pela
transição da responsabilidade por acompanhar processos de licenciamento
da CGGAM para a recém-criada Coordenação Geral de Licenciamento (CGLIC).
Como resultado, o processo referente à realização de levantamentos
geofísicos na Bacia do Acre ficou “no limbo”, em evidente prejuízo para
os povos indígenas afetados – sobretudo os povos indígenas do Vale do
Javari, que permaneceram à margem de todo o processo. Neste limbo, a
Georadar deu seguimento a suas atividades sem qualquer consulta aos
povos indígenas do Vale do Javari e sem qualquer acompanhamento por
parte da FUNAI, embora estivesse ciente do posicionamento da CGIIRC a
respeito da necessidade de levantamento prévio e acompanhamento por
parte de técnicos do órgão, sob o risco de afetar índios isolados. É
evidente, portanto, que a Georadar se aproveitou da situação, agindo com
a falta de escrúpulos comum ao setor energético no Brasil.
Acesse o Mapa com as linhas sísmicas em alta resolução AQUI
Nenhum comentário:
Postar um comentário