terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

MENSAGEM DE DOM PEDRO CASALDÁLIGA


Do Blog dos 40 anos do Cimi

O Cimi e a CPT têm sido, concretamente no Brasil, principalmente no continente da América Latina, pastorais de fronteira, pastorais proféticas, pastorais do arrisco. É bom sempre recordar nas assembleias do Cimi e da CPT. Não se tratam de pastorais específicas, que não podem seguir módulos das tradicionais pastorais. Aliás, todas as pastorais deveriam se renovar e responder aos sinais dos tempos de outros modos.
O Cimi foi uma resposta aos sinais dos tempos. Um dos sinais era a reunião de antropólogos em Barbados, no Caribe. Darcy Ribeiro estava lá também e cobrava dos missionários católicos uma nova e diferente evangelização. O Cimi se viu no desafio de mudar radicalmente o modo de evangelização. Mas de fazer evangelização nova. Já desde o primeiro momento teve o respaldo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Dom Ivo Lorsheiter era o secretário-geral da CNBB. Estava tramitando, no Congresso Nacional, o Estatuto do Índio. Pediu a um grupo de missionários encontro na fundação no Instituto Antrophos, em Brasília. O secretário das atas da fundação foi monsenhor Sigoud, que depois me denunciou como comunista. Por certo que eu escrevi para ele. Como resposta eu recebi um cartão carinhoso, com ele pedindo desculpas.
O Cimi nascia então num ambiente quente: sonhador, utópico, de pós Concílio Vaticano II (1962-1965). Agora incomodava porque cobrava. Muitos bispos de várias dioceses ou prelazias nem sabiam que tinham índios no seu espaço hierárquico. Discutia-se não apenas o modo de evangelização, mas se deveríamos evangelizar. E não discutia isso o Cimi, discutia isso um grupo de antropólogos, de políticos, de pensadores, de intelectuais que, cansados de ver as consequências de uma colonização supostamente evangelizadora, pediam que de uma vez por todas a igreja se retirasse.
Desde o primeiro momento, o Cimi encontrou outras igrejas nas áreas. Aprendemos a dialogar ecumenicamente. O Cimi é nesse sentido também uma pastoral de fronteira, agora reconhecida, abençoada. Algumas figuras deram o testemunho com o próprio sangue. A característica material do Cimi é mais do que evidente: se poderia dizer que o Cimi deu, sobretudo, o sangue, mais do que palavras, mais do que gestos. Foi e é uma pastoral de testemunhas.
Não se pode fazer uma pastoral esquecendo as outras pastorais. O Cimi e a CPT estão em cheio na pastoral da mulher marginalizada, na pastoral da criança, na pastoral da saúde, na pastoral da educação. Um aspecto que muitas vezes tem sido criticado é de que oramos pouco. O pessoal não é espiritualista. Preocupamos-nos muito com os problemas de terra, problemas técnicos e problemas de língua.
O Papa, o Cimi e os índios

O próprio Papa Bento XVI perguntava se os índios da Prelazia de São Gabriel eram todos católicos e se confessavam. Em uma das visitas ad limina, o Papa perguntou se os índios sabiam escrever. Gente da igreja do Brasil não tem noção da situação dos índios e não se distingue os vários estágios dessa situação, quando ela se revela de alguma forma.

Se é uma missão de fronteira, a pastoral do Cimi é também uma missão muito realista, que deve, inclusive, cada vez mais aproveitar a contribuição das ciências antropológicas, das ciências sociais e que deve procurar assessoria técnica, alta assessoria e cada vez mais com a participação protagonista dos próprios povos indígenas.
Agora se deve reconhecer, depois de anos de dificuldade, de aproximação, que praticamente todas as lideranças indígenas destacadas no Brasil reconhecem o trabalho do Cimi e até pedem colaboração. Uma contribuição importante do Cimi é para a Ameríndia. Dioceses e prelazias de ‘Nossa América’ têm se aproveitado da presença dos trabalhos, do testemunho do Cimi. Isso tem sido essencial para a continuidade da vida de nossas causas.
Eu digo sempre que o continente ameríndio, Nossa América, como diziam os libertadores, só se salvará se todos se salvarem. Não pode ser os países isolados, cada um por conta esquecendo que somos uma mesma história de massacre e colonizações, mas também de levante, criatividade e resistência. Somos uma série de países formando uma pátria superior.
A esperança não pode faltar

O princípio de todos os horizontes, de todos os caminhos é a esperança. Chegamos ao cansaço, à decepção. Sentimos que a força dentro da própria igreja não colabora; às vezes, o próprio trabalho nos angustia. Achamos que os índios não deveriam entrar tão precipitadamente na cultura moderna, no consumismo. Falta-nos um pouco de compreensão, um pouco de paciência histórica e um pouco de confiança no futuro.

A palavra é esperança. Pode falhar tudo, mas a esperança não falha. Uma esperança creditada com a prática, com a conduta, com as ações não pode ser uma esperança fútil. Esmeramos-nos nas utopias realizáveis. Como dizia um soldado espanhol, somos soldados derrotados de uma causa invencível.
Poderá falhar tudo, mas essa causa não falha, a causa é o Reino de Deus. Esse Reino de Deus que é indígena, que é negro, que é camponês, que é latino americano, que é asiático. O Reino de Deus que é o sonho de Deus para o universo inteiro.

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