Em meu Post anterior, questionei duramente a posição da direção da Assembléia Legislativa do Acre em relação aos atos violentos contra brasileiros que se encontravam, e se encontram, cumprindo pena em território boliviano. Reitero minhas palavras e acrescento "provincialismo" da imprensa, sugerido por Leandro Altheman.
Essa postura, dos deputados e das ruas por causa dos deputados, afronta os direitos da pessoa porque vem carregada de medíocre xenofobia e preconceito. O preconceito aos bolivianos, neste caso, não se limita a apenas os bolivianos. Revela, antes, um preconceito contra os menos afortunados começando pelos povos indígenas. Aliás, na própria manifestação do preconceito encontramos frases do tipo: "também, boliviano é tudo caboclo (índio)".
Não tenhamos ilusões, esse tipo de discurso é prepotente e a prepotência é próprio dos despreparados e arrogantes. Mas a prepotência é o inverso da potência. Todo prepotente pensa que pode (a partir da potência), mas é justamente o contrário: o poder, a potência é sempre superior à prepotência e à arrogância.
Deixando a dialética de lado, leiam o texto de Sergio de Carvalho publicado hoje no Página 20.
Sobre fronteiras e prisões
Por Sérgio de Carvalho
A Bolívia é um país incrível, não tenho outra maneira de definir este país, com toda sua contradição social, sua beleza natural – e coloca beleza nisso! – além de um povo, quando não tímido e introspectivo, festeiro e, sobretudo, guerreiro. Como o Brasil, com as cicatrizes da cruel colonização.
A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina, consequentemente, carrega em sua sociedade e política todas as mazelas advindas da miséria econômica. Não muito diferente da gente, olhando de perto, os problemas sociais estão por toda parte, em maior ou menor grau, a corrupção, problemas de saúde, problemas nas prisões.
Por falar em prisões, lamentável o fato ocorrido no presídio da Vila Bush (irônico este nome, no mínimo), no departamento de Pando, contra presos brasileiros: violação total á dignidade e aos direitos humanos, sem dúvida, incontestável. Antes de prosseguir queria lembrar as decapitações ocorridas no presídio de Rondônia, o Urso Branco, das pessoas queimadas vivas nas favelas cariocas ou mesmo no homem inocente assassinado por policiais, em plena Gameleira, por puro despreparo ou sei lá o quê. Exemplos não faltam.
Aonde quero chegar? A violência não é um problema exclusivamente boliviano, compreendo e apoio a indignação frente ao cruel assassinato do preso brasileiro, devemos, sem sombra de dúvidas, posicionar-nos, cobrar atitude do país vizinho, enfim, se opor a brutalidade que fere a dignidade humana, seja ela de qual nacionalidade for.
Porém, lamento ainda mais a nossa incapacidade de administrar e refletir pró-ativamente a situação, percebe-se, mascarado de indignação, a sombra do xenofobismo, expressada no boca a boca do povo, e, o mais triste, em discursos rasos de parlamentares.
Questões como esta, quando ocorrem, trazem á tona preconceitos em potenciais, reprimidos ou não, a violência desapercebida no julgamento e na visão deturpada do “outro”. O outro, no caso, é o nosso vizinho, mais próximo do que qualquer paulista, mineiro ou carioca.
Frases como: “Boliviano é tudo preguiçoso; Boliviano é sujo ou safado” que já é comum nas ruas, tornam-se ainda mais fortes e raivosas, as pessoas falam com tanta propriedade que acaba por generalizar a difamação. Triste. Reforçam-se os estereótipos maldosos. Sinto-me envergonhado e ofendido pelas dezenas de queridos amigos bolivianos .
O que dizer sobre o parlamentar acreano ,que no calor das discussões, acusa Evo Morales de estar transformando a Bolívia em um país de Narcotraficantes, por conta de sua cultura pró folha de coca, que é o produto mais tradicional e sagrado dos andinos?! Que fique claro, não sou nem pró nem contra Evo, assunto complexo demais para um não boliviano emitir opinião, principalmente, quando não dedicou o tempo necessário para estudar o assunto. Só temos de ser cautelosos, denegrir superficialmente a cultura de um outro país é um erro grave, que só aumenta a aversão.
Iniciativas como Nomadas Peru, Fest Cineamazonia, Pachamama-Cinema de Fronteiras e outras que se dedicam a fomentar o intercambio e a integração cultural são essenciais nestas regiões fronteiriças. A arte tem a capacidade de revelar o “outro” em suas singularidades e semelhanças, a cultura é a força motriz para ultrapassar fronteiras e discutir um mundo mais solidário.
Espero que toda esta questão torne-se pano de fundo para uma discussão firmada em bons valores e que não sejamos nós, brasileiros e acreanos, os algozes de todo um povo, cometendo o grande erro do julgamento precipitado e alimentando em nós as sementes do xenofobismo.
Parafraseando o Galeano, as veias de nossa América Latina continuam abertas e sangrando.
* Sérgio de Carvalho é escritor, produtor de audivisual
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