Israel Souza
Recentemente, quando veio à luz o assombroso enriquecimento de Antônio Palocci, Dilma Rousseff lamentou o fato de a oposição “politizar a questão”. O fato de ele ter multiplicado por 20 vezes o valor de seu patrimônio, em apenas 4 anos, parecia não ser problema para a “dama de ferro” brasileira.
No Acre, os “novos coroneis”, digo, os “meninos do PT” lançaram mão do mesmo argumento. Após o projeto que propõe a volta ao “primeiro horário” no estado ser apreciado nas comissões do Senado, Jorge Viana disse que a oposição “politizou a questão”. E para não apoiar o referendo proposto pelos seus adversários nem votar contra a vontade popular ou contra as forças políticas de que faz parte, resolveu abster-se. Por sua vez, quando alguns sindicatos não aceitaram o reajuste que o governo ofereceu - ou pelo menos não concordaram com o parcelamento em 3 vezes - Moisés Diniz (PC do B), líder do governo na Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC), cantou igual canto. Para ele, a oposição estava “politizando a questão”.
Ora, e podia ser diferente? Como não tratar politicamente uma “questão” que envolve nada menos que o ministro-chefe da Casa Civil, sobre o qual recai a suspeita de tráfico de influência? E no caso acreano, como não tratar politicamente uma “questão” que envolve o respeito à vontade popular manifesta no referendo? Da mesma forma, como não tratar politicamente uma “questão” que, essencialmente, diz respeito a uma “queda de braço” entre o governo e o funcionalismo público?
Paradoxo dos paradoxos! Somente ao custo de muita ignorância ou muita demagogia pode-se querer “despolitizar” questões essencialmente políticas como estas. Mas, partindo do suposto de que não é ignorância (fica por conta do e-leitor decidir sobre a demagogia), o que seria então? O que há por trás disso?
Trata-se de um duplo objetivo. Por um lado, busca-se desqualificar as ações da oposição. E, por outro, proteger-se das críticas e evitar investigações. Pensa-se que, pondo a nu os interesses da oposição em criar dificuldades ao governo e fazer palanque disso, anularia - ou ao menos diminuiria - os ganhos políticos que esta pudesse colher. De igual modo, pensa-se que por esse caminho o governo ficaria menos exposto e evitaria desgastes.
Em parte, isso é compreensível e até legítimo. Porém, há alguns problemas. Pois, dessa forma, o governo combate tanto os interesses da oposição quanto os da população. Acaso não é do interesse do cidadão - que paga seus impostos e quer a res publica sob boa condução - saber se a influência política de Palocci foi “moeda de troca” na relação com as empresas para as quais ele prestou consultoria?
É preciso não ter ilusões quanto às virtudes cívicas da oposição. Mas isso apaga a justeza de se cobrar satisfação do ministro? Não. Em absoluto. Quem assim pensa é porque há muito já confundiu o projeto de poder das forças governistas com os interesses da própria nação.
No caso acreano, convém perguntar: o fato de a oposição ter abraçado a causa da volta do horário significa que a população não tenha interesse nisso? Num tom que muito faz lembrar o de Narciso Mendes quando este esbravejava de raiva da FPA, Jorge Viana vociferou contra os “políticos demagógicos e populistas” que “enganam o povo” para que o Acre fique “atrasado” em relação ao resto do Brasil.
Das duas uma, ou a FPA nunca considerou seriamente o protagonismo do povo - daí considerá-lo incapaz de, por si mesmo, avaliar o impacto duma mudança de horário na sua vida - ou só o considera protagônico quando devidamente tutelado por ela. Ou ainda, terceira hipótese, por força do afastamento das “bases” seus membros hoje ignoram completamente a força popular.
No caso nacional como no estadual, há uma confusão (nada ingênua) entre o projeto de poder das forças governistas e os interesses do povo. Há, em ambos os casos, uma clara orientação para a manutenção do poder. Toda vez que tal manutenção é ameaçada - mesmo que por questões legítimas como a luta por justiça e transparência -, reitera-se o imperativo de prevalência do projeto de poder.
O PT - cujo crescimento eleitoral e moral esteve indissociavelmente ligado às denuncias que fazia - agora se vê coagido pela oposição e, assim, se põe a inventar desculpas as mais esdrúxulas para impedir que seus caciques ou ações governamentais sejam investigados. Justamente ele que, se deixassem, criaria uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) por dia.
Com certa razão, podem dizer que o próprio PT e parte da base governista já começaram a cobrar explicações de Palocci. Dizem que até Dilma faz parte desse coro. Não se pode esconder, porém, que só o fizeram agora que o silencio do ministro mostrou-se incomodamente espinhoso para o governo. Façamos, então, uma distinção. O problema não é o espantoso enriquecimento em si, e sim os embaraços políticos que dele resultaram.
Então, que fazer?, para retomar a sempre inquietante pergunta do velho Lenin. Recuar diante das denúncias para não favorecer a oposição e preservar o governo? Não. A sabedoria popular ensina que “quem não deve não teme”. Então, “politizemos as questões”, demos publicidade a elas, apoiemos as investigações necessárias e, se for o caso, cobremos as devidas punições. E se algo de errado for encontrado e prejudicar o governo? Sigamos a sabedoria popular, outra vez: “Quem for podre que se quebre”.
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