sábado, 3 de agosto de 2013

O Acre, o seu povo e uma verdadeira economia sustentável

*Jorge Natal

Quando o espanhol Luiz Galvez aportou por estas paragens, despertou-se nos acreanos um sentimento de altivez e um espírito libertário que contribuíram muito para a formação da identidade do nosso povo e do nosso Estado. Em querer criar uma nação independente, sabia ele que as nossas terras eram boas, tínhamos gente trabalhadora e uma posição estratégica na geografia político-econômica do mundo.
Alguns tempo depois, isso pôde ser confirmado: nossa região já havia sido incorporada pelo Brasil. Sendo “o filho mais novo”, já enchemos a nossa pátria de orgulho. No início do século passado, a extração do látex gerou muitas divisas para o Brasil. A borracha chegou a ser o segundo produto mais exportado do país, ficando atrás apenas do café.
É se a cultura cafeeira gerou a sua aristocracia nós, os borracheiros, também formamos a nossa.  O renomado historiador Leandro Tocantins conta, em seu livro Formação Histórica e Econômica do Acre, que os barões da borracha ganhavam tanto, mas tanto dinheiro, que acendiam charutos com notas de 100 contos de réis.
Mesmo com a desleal concorrente borracha asiática e o descaso/ingratidão do governo federal, a nossa produção gomífera continuou sendo a principal atividade extrativista da região. A deflagração da Segunda Guerra Mundial e o conseqüente retorno da produção em alta escala provaria o que Galvez já havia preconizado: o Acre era viável.
Se a história não se repete, não como farsa ou tragédia, como bem disse o pensador alemão Karl Marx, aconteceu a segundo imigração de nordestinos para a nossa região, desta feita em maior contingente. Os nordestinos que vieram para o Acre, chamados arigós, travaram e venceram a batalhada da borracha. Porém, a mentira do governo federal logo veio à baila. Prometeu-se que os valorosos combatentes ficariam ricos e retornaria para o sertão. Isso jamais foi cumprido. Ocorreu o contrário. Eles foram abandonados à própria sorte na selva. O beribéri, a malária, os animais silvestres e a melancolia dizimaram milhares deles, constituindo o que podemos chamar de hecatombe social.
Dissabores e adversidades à parte, formamos um povo e um território. Os ideais de autonomia, no entanto, nunca saíram do imaginário coletivo dos acreanos e, em 1962, transformamo-nos em um ente federativo, remontam-se, daquela época, também, as políticas do governador Guiomard Santos, que ousou investir na agricultura e pecuária, na tentativa de criar alternativas para substituir a então combalida produção extrativista.
Década de 70
“O Acre é um sul sem geada, um nordeste sem seca”. Com este apelo, o jornalista Amaral Neto promovia, na imprensa nacional, uma série de anúncios convidando os empresários da área do agronegócio a se instalar no Acre. Não agia só. Amaral era um aplicado garoto-propaganda bancado pelo governo do Estado do Acre, que na época era administrado por Francisco Wanderlei Dantas, professor oriundo de uma família de abastados seringalistas, interessados em transformar as terras acreanas num celeiro de grãos e num pasto de boi que geraria uma carne tipo exportação.
A propaganda de Amaral Neto funcionou. Durante o governo de Francisco Wanderlei Dantas (1971 a 1974), o Acre foi loteado por fazendeiros oriundos de vários estados brasileiros. Enormes faixas de terras eram adquiridas a preços correspondentes a uma palma de banana. A fertilidade, a abundância e o preço ínfimo de terras atraíram ao Acre centenas, em alguns momentos milhares de fazendeiros e outros empresários ligados ao agronegócio. Oriundo de diversos estados da federação, no Acre logo receberam o apodo de “paulistas”, numa clara alusão ao contraste entre os recém-chegados e a população nativa.
A produção pecuarista, que nunca ultrapassou 5% de arrecadação para o Estado, ainda gerou conflitos entre os fazendeiros e a população cabocla. Os novos donos das terras acreanas, com o apoio dos governos federal e estadual, pretendiam promover a limpeza das florestas, com a derrubada de homens e da mata, para a transformação do solo em área de pastagens. Começava ali a substituição da floresta pelo capim e do homem pelo boi. E o extrativismo, notadamente a borracha e a castanha, mesmo desprezado pelo poder público e concorrência desleal do agronegócio, continuou sendo a principal fonte de arrecadação do estado.
Válvula de escape
Para conter os problemas socioeconômicos causados no campo e na cidade, ao mesmo tempo em que criava uma alternativa econômica para o estado, o governo subseqüente, o de Geraldo Gurgel Mesquita, implantou os Núcleos de Apoio Rurais Integrados, os Nari´s. Foi a primeira e única política agrícola arrojada implantada no Acre desde a sua constituição.
A abertura política no final da década de 70 e redemocratização das instituições nos anos seguintes foram, para a nossa gente, a esperança de dias melhores. Os acreanos esperavam mudanças estruturais, mas elas não vieram. Do governo de Nabor Júnior ao de Orleir Cameli, como disse o poeta, nada de novo surgiu nos rugir das tempestades.
 O governo petista
Capitaneada pelo PT, que projetou ficar no poder por 20 anos, a Frente Popular já está no quarto mandato. A sua longevidade acontece por vários fatores. Comecemos ao analisar como ela chegou ao governo do Estado. Fora as habilidades individuais do principal líder, o então candidato a governador Jorge Viana, o grupo se aproveitou da seguinte conjuntura favorável: os desgovernos de seus antecessores e a apropriação de um discurso político-ideológico, que encontrou ressonância na sociedade.
No exercício do cargo, Jorge Viana se desvencilhou de aliados incômodos [“os problemáticos”], formou alianças com políticos e empresários inescrupulosos e controlou/cooptou os partido, inclusive o PT. Ele também amordaçou a imprensa e perseguiu os seus profissionais, investindo maciçamente em propaganda para promover a sua imagem. Tudo isso com as condescendências de membros do Ministério Público Estadual (MPE) e Poder Judiciário.
Se o ex-governador institucionalizou novamente o estado, o fez para servir aos seus próprios interesses, criando um regime autoritário jamais visto. Senão, vejamos: instituiu insígnias; criou e articularam uma rede de agentes políticos em todos os seguimentos socais; traficou influência; grampeou adversários; uso o aparato do Estado para perseguir quem não submetia aos seus ditames, lavou dinheiro de corrupção; enriqueceu ilicitamente, perseguiu o funcionalismo público. Em síntese, implantou o “estado do medo”, no qual quem não se enquadrasse era acusado de não gostar do Acre, numa alusão ao ufanista Ame-o ou Deixe-o, de triste memória, legada pelo Regime Militar.
Culto à personalidade
Não obstante à lavagem de dinheiro operada pelas agências de publicidade, toda a propaganda do governo de Jorge Viana era para cultuar a sua imagem e difundir um engodo que responde pela alcunha de florestania. Apropriado indevidamente, o termo é uma metáfora alusiva à história bonita do povo acreano, que começou com os nossos ancestrais povos indígenas, passando pelos revolucionários nordestinos, e terminando com resistência dos seringueiros (empates) nas décadas de 70 e 80.
A tal florestania sentenciou os acreanos a quase duas décadas de atraso econômico e social. A chamada economia sustentável, principalmente o extrativismo nas reservas, impediu as populações tradicionais de melhorar de vida, obrigando-as a viver de programas sociais como o Bolsa Família e o Bolsa Verde , dentre outros. Sem escolas e assistência em saúde de qualidade, todo o futuro de uma geração ficou comprometido.
Enquanto o Imac e o Ibama davam autorização aos poderosos, os pequenos produtores rurais eram perseguidos com multas confiscatórias. Portanto, além de ser um retumbante fracasso enquanto alternativa econômica, incapaz de gerar riquezas e distribuí-las, aflorestania só beneficiou os grandes proprietários. Que o digam os pecuaristas e madeireiros.
Enquanto isso, nas cidades, a miséria e a violência campeiam. De acordo com recentes estatísticas do IBGE, quase 135 mil pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Em recente pesquisa sobre IDH do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), dois municípios acreanos estão entre os piores para se viver. Sem emprego e sem perspectivas, a juventude está sendo tragada pelo consumo e tráfico de drogas. Não é por acaso que temos, proporcionalmente, a maior e mais jovem população carcerária do país.
 Enquanto o abismo entre ricos e pobres aumenta, o grupo do PT, aliado a uma elite predatória, desvia tanto dinheiro que criou uma casta de novos milionários. Para se ter uma idéia apenas na construção da BR 364, já existe uma condenação na Justiça Federal e sete inquérito sendo investigados pelos órgãos de controle e Polícia Federal.
A agricultura como alternativa
Quando o caçador-coletor homem da caverna enterrou algumas sementes, a humanidade, dali em diante, passaria a conviver com a agricultura. Assim, milênio após milênio, passou a fazer parte da história do homem. Das antigas civilizações, passando pela a Idade Média, Moderna e Contemporânea, o setor primário sempre foi vanguardista. Nenhum povo ou nação atingiu etapas de desenvolvimento sem investir maciçamente neste setor.
O Brasil, mesmo fazendo parte do Novo Mundo, tem parte considerável de seu PIB oriundo do agronegócio. De dimensões continentais, o nosso território tem as condições naturais para se tornar a maior potência mundial na produção e exportação de alimentos. Esse caminho é quase inevitável e já pode ser percebido na expansão das nossas fronteiras agrícolas.
O Acre, por sinal, é o único estado da federação que ainda não entendeu o quanto esse setor é estratégico. Saímos do combalido extrativismo para o nada. O saudoso economista e escritor, Celso Furtado, defendia que a agricultura chegasse aos rincões para desenvolvê-los de forma exógena (de fora para dentro), ou seja, do interior para os grandes centros urbanos.
Assim dizia o velho mestre: “Se tivermos uma grande produção agrícola, nos alimentaremos melhor e o excedente vai para a exportação”. Óbvio que Furtado formulou uma bem definida cadeia produtiva, chamando-a de autodesenvolvimento ou agroindustrialização.
Concomitantemente, podemos investir naquilo que temos em abundância.  O Vale do Silício, na costa oeste americana, desenvolve-se no meio do deserto. Eles montaram um parque industrial para empresas de tecnologia no meio do nada. Estamos em uma das regiões de maior biodiversidade de planeta. Podemos criar o “Vale Bio”, onde empresas das ramos de fármacos e cosméticos possam se instalar.
*Jorge Natal é jornalista e atua atualmente no município de Cruzeiro do Sul

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