sexta-feira, 14 de outubro de 2011

CARTA DA TRÍPLICE FRONTEIRA BOLÍVIA/PERU/BRASIL

Publico a seguir a carta assinada pelos mais de cem participantes do 2º Semonário Internacional de Formação (o primeiro foi realizado ano passado no Acre - BR), promovido pelo Cimi Regional Amazônia Ocidental. O seminário foi momento rico de análise e formação onde se pôde aprofundar temas relacionados ao modelo de desenvolvimento que atinje todos os píses da América do Sul (IIRSA) e suas várias obras de destruição que impedem o "Bem Viver" e atentam contra a soberania dos povos e comunidades.



Amazônia para o bem-viver e não para o lucro e para a morte!

A Amazônia, em geral, e a triplice fronteira Bolívia/Peru/Brasil, em particular, tiveram seu território reordenado de forma mais profunda a partir do último quarto do seculo XIX. Esse processo de  territorialização  e re-territerritorialização esteve/está subordinado a satisfazer  as demandas de matérias-primas requeridas pelo processo de acumulaçao capitalista em nível internacional. Depois da  borracha natural como materia prima mais buscada, nos ultimos 50 anos a “cesta de produtos” vem aumentando: minerais, hidrocarbunetos, madeiras nobres, pecuaria extensiva e monocultivos.

Objetivando acelerar esse tipo de exploração, desencadeou-se, no período recente, a construção de grandes projetos de infraestrutura, como rodovias, hidrelétricas e hidrovias, que compõem a “denominada “Iniciativa para  Integraçao Regional Sul Americana” (IIRSA). Além de intensificar a expropriaçao de  povos indígenas, ribeirinhos e camponeses e agravar a  miséria e a violencia rural e urbana, esse processo tem provocado, no seu rastro, forte destruição ambiental. 

Ao contrário das promessas de emprego e melhoria de vida, a “integração sul-americana” posta em marcha por governos nacionais e locais tem resultado em desintegração de territórios e dos povos que neles vivem, além de agravar a destruição ambiental. Aumentam rapidamente a delinquência e o narcotráfico, e a vida está ameaçada por todos os lados. Para agravar ainda mais a situação, o aprofundamento da mercantilização da natureza, embutido na chamada “economia verde” (especialmente a instituição do pagamento de serviços ambientais e REDD), longe de resolver, tende a aprofundar a espoliação, também na Amazônia Continental.

A “VIII Gran Marcha Indígena por la Defensa del TIPNIS, por la Vida, la Dignidad y los Derechos de los Pueblos Indígenas”, que partiu de Trinidad para La Paz en  15 de agosto pasado, revela com todas as cores as transgressões dos direitos dos povos que vivem nesses terriórios. A imposição da estrada projetada pela IIRSA para atravessar o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure – TIPNIS, a ser construída pela empresa brasileira OAS com financiamento do BNDES, não deve ser entendido como “fato isolado”. O mesmo tipo de transgressão se passa em outras partes da Amazônia, como é o caso das hidreletricas do rio Madeira, Xingu, Tapajós e outras tantas previstas para serem construidas na Amazônia peruana no acordo energético firmado entre Brasil e Peru.

Em razão disso, nós, lideranças indígenas e camponesas, movimentos sociais da Bolívia, Peru, Brasil e organizações de apoio, por ocasião do II Seminário Internacional de Formação, realizado no período de 28 a 30 de setembro de 2011, na Universidade Amazônica de Pando (Cobija/Bolívia), sob o tema: “Sonhos e realidade frente ao modelo de desenvolvimento”, vimos a público expressar nossa veemente oposição a esses projetos e iniciativas em curso na Amazônia continental e manifestar nossa solidariedade à VIII Marcha e a todos que nesse momento lutam contra esse “destroço” na Amazônia e no mundo. Juntamente com os indígenas, manifestamos nosso repúdio à violência da polícia contra os manifestantes da VIII Marcha Indígena e solicitamos ao governo de Evo Morales o respeito ao Direito de Consulta, livre, prévia e informada. Defendemos, antes e acima de tudo, a integridade dos territórios, o direito de usufruir deles segundo o modo de vida e os valores de cada povo. Queremos a Amazônia para o Bem Viver e não para o lucro e para a morte.

      Assumimos a proposta de:

    Lutar para garantir o direito à terra, sem a qual não há Bem Viver e do qual dependem todos os outros aspectos da nossa vida: nossa cultura, tradições, costumes, culinária e rituais;

    Aprimorar nossas formas de mobilização, superando as fronteiras, para repercutir nossas lutas, mudar o quadro de mal viver e denunciar a criminalizacão das nossas lideranças;

    Desenvolver ações de impacto para fazer valer as nossas reivindicações em prol de políticas públicas de qualidade conforme o nosso Bem Viver;

    Fortalecer o Bem Viver enquanto visão contrária ao capitalismo, considerando eixos comuns de luta, a Mãe Terra e a Vida Plena, em sintonia e somando com as experiências de outros povos, segmentos e movimentos sociais de cada país, da América Latina e do Mundo.
     
Saímos desse seminário tendo bebido da espiritualidade presente na memória ancestral e na vida dos povos indígenas, seringueiros e ribeirinhos e do Evangelho de Jesus de Nazaré e, por isso, fortalecidos na decisão de descolonizar a vida e a história. Juntamente com todos os povos sofridos da Amazônia presente em nossos países, queremos caminhar na busca do Bem Viver, colaborando, assim, com a construção de um mundo justo.

Cobija, Bolívia, 30 de Setembro de 2011


Participantes do II Seminário Internacional de Formação “Sonhos e realidade frente ao modelo de desenvolvimento”.

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