terça-feira, 11 de outubro de 2011

A financeirização da crise climática e o capitalismo verde

Com o tema “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”, a Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais realizou um debate público ontem à noite em Rio Branco, no Acre, que contou com a participação de cerca de 150 pessoas. Estudantes, pesquisadores, representantes de organizações, movimentos sociais, povos indígenas, seringueiros e políticos do Acre, de outros estados da Amazônia e do Brasil, além de convidados da Alemanha, Inglaterra, Holanda e Estados Unidos, também participaram do lançamento da terceira edição da revista Contra Corrente, que aconteceu após o debate. A proposta do debate, também presente nos artigos da revista, foi a de expor as contradições das políticas climáticas e da chamada “economia verde” e seus reais impactos sobre os povos tradicionais da Amazônia.
Elder Andrade de Paula, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC) falou sobre a forçada aceitação social da ideologia do desenvolvimento sustentável que, agora, tem no capitalismo verde e seus instrumentos de mercantilizacao da natureza um modus operandi sofisticado. “Não acreditamos nesta ideologia que pretende conciliar desenvolvimento e preservação da natureza com o lucro, e não vamos nos resignar com o menos pior. A crença que temos é naqueles que tem vontade de manter seus modos de vida e sua dignidade”, afirmou ele.
A partir de uma análise que abarcou a propriedade da terra, a propriedade intelectual sobre as sementes e as inovadoras modalidades de títulos de crédito de carbono (previstos na Lei Nacional sobre Mudancas Climáticas), de reserva ambiental (prevista no Código Florestal) e de pagamento por serviços ambientais (PSA), previstos em dois projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, Larissa Packer, advogada da Terra de Direitos, fundamentou sua fala.
Segundo ela, estas são leis que colocam as populações tradicionais e a natureza no mundo dos contratos e das bolsas de valores para compensar a poluição e a degradação ambiental das grandes corporações. Larissa alertou que o Projeto de Lei 792 (sobre serviços ambientais) transforma em mercadorias diversos componentes da biodiversidade, como a água, as abelhas e, até mesmo, valores culturais e espirituais. “A propriedade privada é o direito de excluir o acesso e a propriedade de todos os demais ao bem. As políticas públicas não podem excluir os cidadãos dos bens que são comuns por direito. Temos que decidir se queremos ser excluídos daquilo que garante a sobrevivência de cada um”, declarou ela.
Osmarino Amâncio, seringueiro da Reserva Extrativista Chico Mendes, chamou de “ pochete miséria” as bolsas verdes incorporadas nas políticas estadual e nacional. “As populações tradicionais têm os recursos por elas preservado, durante décadas, agora mapeados, e recebem 100 reais por mês para não mais fazer seu roçado de subsistência, que estaria ‘degradando’ o meio ambiente. Por outro lado, no estado do Acre há 1 milhão de hectares concedidos para manejo florestal madeireiro ‘sustentável’ em áreas de reserva onde estas comunidades vivem”, denunciou.
As contradições dos bancos públicos que vêm se capitalizando com a financeirização da natureza foi o foco da apresentação feita por João Roberto Lopes Pinto, do Instituto Mais Democracia e da Plataforma BNDES. Ele afirmou que “na lógica do ganha-ganha, o BNDES financia a destruição da Amazônia com bilhões para projetos como Belo Monte, e gerencia fundos de alguns milhões para atividades de preservação que trazem consigo o mapeamento e controle de estoques de carbono, em preparação para um novo mercado financeiro a partir de ativos ambientais”.
Encerrando a noite, Lucia Ortiz, do Amigos da Terra Brasil e da coordenação da Rede Brasil afirmou que esta edição de Contra Corrente é uma contribuição no sentido de romper o silêncio sobre a apropriação corporativa do discursos climático e ambiental. A revista traz, por exemplo, casos de conflitos territoriais decorrentes de políticas climáticas no litoral do Paraná, no Amazonas e em Moçambique. Através de projetos “ambientais”, as comunidades são expropriadas de suas terras e passam a ser privadas de viver com dignidade e compartilhar a sabedoria e legitimidade que possuem para apontar soluções reais para as atuais crises da humanidade.
A programacao integrou uma semana de visitas a campo e oficinas promovidas pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, CDDHEP - Centro Defesa Direitos Humanos Educação Popular e Fundação Heinrich Boell no Acre entre os dias 3 a 7 de outubro de 2011.

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