Mais uma vez os povos indígenas são vítimas da desassistência e do descaso do governo brasileiro. Depois de terem sido veiculadas as notícias sobre a morte de 13 crianças indígenas Kaxinawá e Kulina, povos que tradicionalmente habitam as regiões do Alto Rio Purus e Rio Juruá, no Estado do Acre, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, “declarou não haver confirmação e que não é a primeira vez que se registram casos de diarréia aguda na região” (Agência Brasil, 18/01/2012). Tal declaração, feita pela mais importante autoridade sanitária do país, é mais uma evidência do descaso para com a vida dos povos indígenas e deve ser considerada como uma cínica confissão da negligente ação do Estado, da falta de políticas preventivas em saúde e, portanto, da responsabilidade direta pela morte destas e de outras crianças.
As notícias veiculadas na imprensa até o momento mostram o trágico quadro que envolve a morte de 13 crianças indígenas em apenas um mês. A causa é a disseminação de um vírus que trás como consequência forte diarréia e vômito e que necessita de tratamento rápido e eficaz, dado o risco de propagação. E o que mais impacta, neste e em outros casos noticiados anteriormente, é a naturalidade com que se afirma que uma dada região do país não está efetivamente resguardada pelas ações de assistência em saúde e pelas políticas em defesa da vida. Tudo isso faz pensar que existiriam, então, áreas do território brasileiro em que os direitos à cidadania valeriam menos, e que a vida da população estaria entregue ao acaso, o que contraria todas as premissas e princípios que rege m o Estado nacional.
Não é possível admitir que tragédias humanas como estas sejam vistas como fatos naturais, previstos em estatísticas, ou considerados como margem aceitável de ineficácia num sistema que deve resguardar a vida de todos os brasileiros. Não é natural que as crianças sejam acometidas por vírus e não recebam tratamento adequado; bem como não é natural que inexistam unidades de saúde suficientes para atender a quem precisa. A morte de 13 crianças indígenas em um mês não é natural! Que o digam as famílias que choram a perda daqueles que são a esperança de futuro, que o digam os povos Kulina e Kaxinawá, que já sofreram tantas violências e genocídios ao longo dos séculos.
E o ministro Padilha, ao reconhecer com tamanha naturalidade que naquela região existe desassistência, admite por extensão que as mortes são esperadas ou, no mínimo, que o Estado assume o risco de deixar morrer, ao invés de fazer viver. Sobre o quadro geral, o ministro parece consciente de que, nas atuais condições, outras vidas serão ceifadas. Nestas circunstâncias se tornam mais contundentes ainda as denúncias que vêm sendo feitas por organizações indígenas da Amazônia de que alguns povos estão em risco de extinção em função do mau atendimento em saúde (mortalidade infantil, doenças como hepatite B, malária, tuberculose tem sido veementemente denunciadas às instâncias responsáveis, sem que ocorram mudanças efetivas). Tal situação resulta na drástica diminuição populacional e numa redução da expectativa de vida.
A manifestação pública do ministro acabou revelando que os povos indígenas (suas crianças, homens e mulheres) são coletividades que não interessam ou não fazem parte das preocupações do Estado Brasileiro. Assim, pode-se dizer que, para os governantes, os indígenas são seres humanos descartáveis (ou residuais, para usar um termo de Zygmund Bauman), num país que se volta exclusivamente para um modelo desenvolvimentista e que se ocupa prioritariamente de interesses do capital. Assim, o foco da administração pública tem sido voltado para a gestão das forças políticas (através de acordos, conchavos, composições), bem como para abafar e escamotear as denúncias de corrupção (que está entranhada na máquina pública e na política partidária), para acomodar apadrinhados em cargos públicos e para assegurar que os mega empreendimentos transacionais se viabilizem. O governo está ocupado demais em gerir esse conjunto de interesses e de circunstâncias políticas, e, portanto sobra pouco tempo e recurso para dedicar ações voltadas à população, quais sejam: as políticas sociais e garantias de sua plena execução; as políticas econômicas e de desenvolvimento que assegurem plena participação da coletividade; o respeito à diversidade étnica e cultural e seus modos de vida; a preservação ambiental e o controle sobre os bens naturais das terras, matas e águas, entre outras.
A denúncia das mortes das crianças Kaxinawá e Kulina veio a público e exigiu que o ministro se posicionasse. Contudo, há dezenas de casos semelhantes que sequer chegam ao conhecimento da sociedade e da mídia, permanecendo ocultos por detrás de tabelas, números e estatísticas elaboradas em gabinetes oficiais.
A omissão também tem sido dolorosamente sentida pelos povos indígenas das regiões Sul e Sudeste do país, em que a maioria das comunidades, em grande parte dos povos Guarani e Kaingang, vive na beira das estradas, sem ter suas terras tradicionais demarcadas, sem água potável, sem saneamento básico. A elas são negadas as condições para assegurar a vida, o exercício da cidadania, o futuro (tanto do ponto de vista físico, quanto cultural). Elas enfrentam a escassez, se tornam dependentes da caridade, das políticas assistenciais que não se convertem em alternativas de longo prazo, e não respeitam a diferença, a liberdade, a dignidade humana.
As mortes das crianças Kaxinawá e Kulina parecem previstas na lógica de governar da presidente Dilma e de seus ministros, haja vista a caótica situação da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), estrutura montada no Ministério da Saúde e que deveria desenvolver as ações e serviços entre os povos indígenas.
As 13 crianças indígenas parecem não importar para o governo e para seus órgãos oficiais que ainda investigam a origem das mortes. As 13 crianças precisam ser lembradas como vítimas deste governo, de sua omissão, intolerância e arrogância. Elas merecem mais do que palavras de conformismo do Senhor Ministro da Saúde.
Porto Alegre, RS, 20 de janeiro de 2012.
Roberto Antonio Liebgott
Cimi Sul - Equipe Porto Alegre
As notícias veiculadas na imprensa até o momento mostram o trágico quadro que envolve a morte de 13 crianças indígenas em apenas um mês. A causa é a disseminação de um vírus que trás como consequência forte diarréia e vômito e que necessita de tratamento rápido e eficaz, dado o risco de propagação. E o que mais impacta, neste e em outros casos noticiados anteriormente, é a naturalidade com que se afirma que uma dada região do país não está efetivamente resguardada pelas ações de assistência em saúde e pelas políticas em defesa da vida. Tudo isso faz pensar que existiriam, então, áreas do território brasileiro em que os direitos à cidadania valeriam menos, e que a vida da população estaria entregue ao acaso, o que contraria todas as premissas e princípios que rege m o Estado nacional.
Não é possível admitir que tragédias humanas como estas sejam vistas como fatos naturais, previstos em estatísticas, ou considerados como margem aceitável de ineficácia num sistema que deve resguardar a vida de todos os brasileiros. Não é natural que as crianças sejam acometidas por vírus e não recebam tratamento adequado; bem como não é natural que inexistam unidades de saúde suficientes para atender a quem precisa. A morte de 13 crianças indígenas em um mês não é natural! Que o digam as famílias que choram a perda daqueles que são a esperança de futuro, que o digam os povos Kulina e Kaxinawá, que já sofreram tantas violências e genocídios ao longo dos séculos.
E o ministro Padilha, ao reconhecer com tamanha naturalidade que naquela região existe desassistência, admite por extensão que as mortes são esperadas ou, no mínimo, que o Estado assume o risco de deixar morrer, ao invés de fazer viver. Sobre o quadro geral, o ministro parece consciente de que, nas atuais condições, outras vidas serão ceifadas. Nestas circunstâncias se tornam mais contundentes ainda as denúncias que vêm sendo feitas por organizações indígenas da Amazônia de que alguns povos estão em risco de extinção em função do mau atendimento em saúde (mortalidade infantil, doenças como hepatite B, malária, tuberculose tem sido veementemente denunciadas às instâncias responsáveis, sem que ocorram mudanças efetivas). Tal situação resulta na drástica diminuição populacional e numa redução da expectativa de vida.
A manifestação pública do ministro acabou revelando que os povos indígenas (suas crianças, homens e mulheres) são coletividades que não interessam ou não fazem parte das preocupações do Estado Brasileiro. Assim, pode-se dizer que, para os governantes, os indígenas são seres humanos descartáveis (ou residuais, para usar um termo de Zygmund Bauman), num país que se volta exclusivamente para um modelo desenvolvimentista e que se ocupa prioritariamente de interesses do capital. Assim, o foco da administração pública tem sido voltado para a gestão das forças políticas (através de acordos, conchavos, composições), bem como para abafar e escamotear as denúncias de corrupção (que está entranhada na máquina pública e na política partidária), para acomodar apadrinhados em cargos públicos e para assegurar que os mega empreendimentos transacionais se viabilizem. O governo está ocupado demais em gerir esse conjunto de interesses e de circunstâncias políticas, e, portanto sobra pouco tempo e recurso para dedicar ações voltadas à população, quais sejam: as políticas sociais e garantias de sua plena execução; as políticas econômicas e de desenvolvimento que assegurem plena participação da coletividade; o respeito à diversidade étnica e cultural e seus modos de vida; a preservação ambiental e o controle sobre os bens naturais das terras, matas e águas, entre outras.
A denúncia das mortes das crianças Kaxinawá e Kulina veio a público e exigiu que o ministro se posicionasse. Contudo, há dezenas de casos semelhantes que sequer chegam ao conhecimento da sociedade e da mídia, permanecendo ocultos por detrás de tabelas, números e estatísticas elaboradas em gabinetes oficiais.
A omissão também tem sido dolorosamente sentida pelos povos indígenas das regiões Sul e Sudeste do país, em que a maioria das comunidades, em grande parte dos povos Guarani e Kaingang, vive na beira das estradas, sem ter suas terras tradicionais demarcadas, sem água potável, sem saneamento básico. A elas são negadas as condições para assegurar a vida, o exercício da cidadania, o futuro (tanto do ponto de vista físico, quanto cultural). Elas enfrentam a escassez, se tornam dependentes da caridade, das políticas assistenciais que não se convertem em alternativas de longo prazo, e não respeitam a diferença, a liberdade, a dignidade humana.
As mortes das crianças Kaxinawá e Kulina parecem previstas na lógica de governar da presidente Dilma e de seus ministros, haja vista a caótica situação da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), estrutura montada no Ministério da Saúde e que deveria desenvolver as ações e serviços entre os povos indígenas.
As 13 crianças indígenas parecem não importar para o governo e para seus órgãos oficiais que ainda investigam a origem das mortes. As 13 crianças precisam ser lembradas como vítimas deste governo, de sua omissão, intolerância e arrogância. Elas merecem mais do que palavras de conformismo do Senhor Ministro da Saúde.
Porto Alegre, RS, 20 de janeiro de 2012.
Roberto Antonio Liebgott
Cimi Sul - Equipe Porto Alegre
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