Editorial de O Globo de 21/07/2012
O fato de magistrados se rebelarem contra uma lei e
decidirem contrariar determinação do órgão de controle da Justiça lembra
atitudes de corporações sindicais. Tão ou mais grave que o fato em si é a
motivação dele: os rebelados se opõem à aplicação nos tribunais da Lei de
Acesso à Informação, passo importante no processo de democratização do país.
São contra a transparência no destino dado ao dinheiro do contribuinte — pelo
menos nas Cortes —, um requisito de qualquer sociedade moderna.
Em reunião realizada na quarta-feira pelo Colégio Permanente
de Tribunais de Justiça, os 24 presidentes dos TJs se colocaram contrários à
resolução do Conselho Nacional de Justiça — cujo presidente é o mesmo do
Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto — que estabeleceu ontem o dia
do esgotamento do prazo para a divulgação da lista nominal de juízes e
servidores do Judiciário, com respectivos salários e adicionais. Como determina
a lei.
Mas, felizmente, não há uma posição monolítica do
Judiciário. O Supremo, no final de junho, divulgou seus dados — não poderia ser
de outra forma, por ser a Corte a última linha de defesa do estado de direito.
Ontem, como determinado pelo CNJ, foi a vez do Superior Tribunal de Justiça
(STJ). As resistências ocorrem nos tribunais regionais, por sinal, como em
outras ocasiões, quando o CNJ atuou na linha da moralização. Por exemplo,
contra o nepotismo. Também partiu dos TJs o movimento, derrotado no STF, para
manietar a corregedoria do conselho. Agora, como das vezes anteriores,
alinha-se aos tribunais a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
A argumentação contrária à divulgação dos rendimentos de
juízes e servidores se baseia na Constituição. Seja na garantia à privacidade
ou em interpretações de que a própria Carta não determinaria uma transparência
tão grande quanto a fixada pela Lei de Acesso. Em carta aberta divulgada ontem,
o presidente do TJ do Rio de Janeiro, desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos
Santos, pede, inclusive, que o plenário do STF decida sobre a divergência. Pode
ser que este seja o destino final da polêmica. Mas é necessário entender o pano
de fundo dela.
Na verdade, o Judiciário passa por um choque cultural desde
a aprovação, em dezembro de 2004, do projeto de emenda constitucional n 45,
base do atual processo de reforma do Poder. A PEC instituiu, entre outras
novidades, o CNJ. E a partir dele os tribunais regionais e todas as Cortes
deixarem de ser “torres de marfim” isoladas, possessões sem qualquer
supervisão. A Lei de Acesso, posta em execução, como tem de ser, pelo STF e
CNJ, é mais um abalo nas fundações destas “torres”.
Não é por coincidência que corporações sindicais de
servidores públicos em geral têm a mesma reação de juízes. O funcionalismo
público como um todo nunca teve qualquer visão ampla de prestadores de
serviços. Também formaram castas, as quais não consideram estar obrigadas a
prestar contas sequer a quem lhes paga o salário, a sociedade. Tanto que várias
categorias se encontram em greve, mesmo em atividades essenciais. A rebelião de
juízes é parte de um todo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário