Marcelo Pellegrini
Carta Capital
O estado do Acre foi garoto-propaganda do governo federal na Rio+20.
Usado como exemplo de experiência em desenvolvimento sustentável numa
das áreas mais delicadas da Amazônia, o conceito de “economia verde”
implantado na terra de Chico Mendes e Marina Silva virou vedete para
estrangeiro ver e é hoje um dos principais trunfos políticos da família
Viana, no poder local desde o fim dos anos 1990.
Poucos sabem explicar exatamente do que se trata, mas o modelo foi
assim empregado durante a gestão Jorge Viana (1999-2002), hoje senador
pelo PT. É vitrine agora do governo de seu irmão, o também petista Tião
Viana, e ajudou a eleger aliados na maioria das cidades do estado – 10
das 22 prefeituras acrianas são administradas pelo PT, que tem ainda
dois dos três senadores do estado.
A retórica sobre desenvolvimento sustentável, no entanto, corre o
risco de cair por terra após a apresentação de um dossiê do Conselho
Indigenista Missionário (CIMI) que supostamente desmistifica o conceito
de “economia verde” no Acre. Segundo o documento, o governo acriano
maquia dados e é complacente com os madeireiros e com o avanço do
agronegócio na região. “A ‘economia verde’ no Acre é fazer mais do
mesmo”, disse Lindomar Padilha, presidente do CIMI no estado. Segundo
ele, madeireiros retiram árvores de área indígena e ainda obtêm o “selo
verde” do governo – identificação dada a produtos que não agridem o meio
ambiente. “Muitas comunidades extrativistas, indígenas e ribeirinhas
estão sofrendo com essa ‘cortina verde’ criada pelo governo”, denuncia.
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Outro dado controverso a respeito do desenvolvimento sustentável no
estado está na qualidade de vida da população. Durante as chuvas de
fevereiro, cerca de um quarto da população acriana foi atingida
diretamente pela cheia do Rio Acre. Há exatos 15 anos, um fenômeno de
proporções semelhantes atingiu o estado – naquele ano, porém, o número
de pessoas atingidas foi praticamente a metade do de hoje. “Isso é
consequência da concentração de famílias pobres em áreas de risco, o que
não pode ser entendido como desenvolvimento sustentável ou economia
verde”, argumenta Padilha.
Na contramão do desenvolvimento
Hoje quase metade da população do Acre é beneficiária do Bolsa
Família. “Cerca de 60 mil famílias dependem do benefício para viver.
Isso mostra como o estado do Acre está empobrecido”. Ao mesmo tempo, a
concentração de terras na região aumentou. Em 2003, 67,1% do território
pertenciam a grandes proprietários; em 2010, o índice saltou para 78,9%.
Em compensação, os minifúndios e pequenas propriedades caíram de 27,1%,
em 2003, para 17,1% em 2010, segundo dados do Incra.
Segundo especialistas, o modelo de “economia verde”, que serviria
para frear o desmatamento na região, pouco surtiu efeito. O corte ilegal
da vegetação, segundo o INPE,
apresentou leve crescimento entre a década de 1998 a 2008, em
comparação com a década anterior. “O governo estadual tenta vender uma
idéia de desenvolvimento baseada no manejo florestal com o intuito de
obter investimentos de bancos e linhas de crédito internacionais, como o
Banco Mundial”, opina Padilha.
Não é o que dizem os números oficiais. Em nota, a Secretaria do Meio
Ambiente do Acre informou que, a partir de 2004, 85% da madeira extraída
no estado era retirada por meio de planos de manejo, invertendo a
lógica anterior – a de que a origem da madeira era resultado dos
desmatamentos. O órgão argumenta também que que o governo, junto com o
Ministério Publico Estadual, só autoriza Planos de Manejo em áreas
privadas sem conflitos sociais. Em razão disso, diz o comunicado, muitos
proprietários passaram a titular os posseiros legítimos destas áreas,
uma forma inédita de regularização fundiária com recursos privados.
No entanto, não foi isso o que aconteceu em uma área da bacia
hidrográfica do riozinho do Rola, na região de Rio Branco. A área teve
seu plano de manejo florestal aprovados pelo Instituto do Meio Ambiente
do Acre (IMAC), mas era disputada entre o fazendeiro Mozart Marcondes e
um grupo de 1400 posseiros que viviam do extrativismo florestal.
Apesar da indefinição, Marcondes conseguiu um plano de manejo pelo IMAC e concedeu sua execução a uma empresa chamada Laminados Triunfo Ltda,
que está entre as grandes vencedoras dos planos de manejo na região.
Com o início da execução do plano surgiram as primeiras denúncias de
crimes ambientais. Segundo um relatório da Comissão Pastoral da Terra
(CPT), a Laminados Triunfo obstruiu, com troncos e terra, o fluxo de água do igarapé Vai-Se-Ver, do riozinho do Rolo e São Raimundo.
Com o aterro, peixes começaram a morrer e as nascentes onde as
famílias retiram água pra beber foram prejudicadas, segundo os
posseiros. Há ainda denúncias de retirada de madeira antes do tamanho
estipulado por lei e de madeira de lei (seringueira e castanheira). “O
governo dá a concessão, mas não fiscaliza nada depois”, afirma Darlene
Braga, coordenadora da CPT no Acre.
Após as denúncias, o Ministério Público Federal recomendou que o
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade)
retomasse o estudo sobre a criação de uma reserva extrativista na região
e a concessão de manejo florestal dada à Laminados Triunfo foi interrompida.
Ao que parece, dentro de casa o conceito de “economia verde” soa
diferente da imagem vendida para o mundo. E, em meio às críticas, o
berço político da “economia verde” também enfrenta desgastes: em julho, o
Ministério Público Eleitoral (MPE), por meio de um parecer, pediu ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cassação do governador Tião Viana e
do senador Jorge Viana. A coligação é acusada de ter cometido crimes de
abuso de poder político, econômico e uso indevido dos meios de
comunicação social nas eleições de 2010.
No parecer, o MPE argumenta que “a normalidade e a legitimidade das
eleições foram seriamente afetadas na hipótese dos autos, comprometendo a
igualdade da disputa e o equilíbrio pleito”. Desde que o pedido do MPE
foi encaminhado ao TSE, a Secretaria de Comunicação do governo do Acre
não quis se manifestar, por entender que processo refere-se ao cidadão
Tião Viana e não ao chefe do governo. Já o irmão do governador, por meio
da assessoria, negou as acusações e informou que o processo já foi
julgado e rejeitado, por unanimidade, pelo Tribunal Regional Eleitoral
(TRE) do Acre. A assessoria disse ainda que o senador se defenderá no
TSE para comprovar a inocência.
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