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As novas usinas hidrelétricas do
Rio Madeira estão sendo construídas com a promessa de crescimento econômico
para o Brasil. Mas o que se vê por trás das propagandas é a degradação da
comunidade local, e quem sofre os efeitos mais fortes do abandono são as
crianças e os adolescentes, muitas vezes levados à exploração sexual como única
fonte de renda.
Por Maíra Streit
Revista Forum
Desde as primeiras horas do dia,
é possível encontrar mulheres na frente dos cabarés da principal rua de
Jaci-Paraná, distrito situado a 90 quilômetros de Porto Velho, capital de
Rondônia. Dezenas de bares, conhecidos como “bregas”, mantêm quartos improvisados
para encontros sexuais. A explosão da prostituição é apontada como um dos
sintomas mais evidentes do crescimento desordenado da localidade, cuja
população saltou de 6 para 20 mil habitantes em poucos anos, principalmente em
função da construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira.
O empreendimento atraiu para lá
milhares de operários que, vindos de várias regiões do país, deixaram a família
para se aventurar no oeste amazônico em busca de trabalho. O intenso fluxo
migratório transformou a rotina da comunidade e agravou também outros problemas
como a violência e o tráfico de drogas. Agora, entidades de defesa dos direitos
infanto-juvenis alertam para a situação de vulnerabilidade a que estão
submetidas crianças e adolescentes de Jaci-Paraná. Sem políticas públicas
consistentes, a exploração sexual acaba sendo o caminho encontrado por muitos
jovens como forma de sobrevivência.
Segundo o coordenador de
comissariado do Juizado da Infância e da Juventude de Porto Velho, Raiclin
Lima, a grande concentração de pessoas, predominantemente do sexo masculino, em
um lugar isolado e empobrecido, causou forte impacto. “As meninas, que viviam
de maneira pacata, estavam acostumadas a brincar e a pescar de acordo com os
costumes locais. Depois disso, começaram a ser mais assediadas e a ter contato
com as relações de consumo. Um celular, um iPod e todas essas coisas que
encantam em um primeiro momento tornaram-se instrumentos de troca para as
práticas sexuais”, conta.
Raiclin lembra que, antes da
instalação da usina, as visitas do Juizado ao povoado de Jaci-Paraná se
limitavam a três idas por ano, para palestras educativas. Com o tempo, a equipe
intensificou a fiscalização e, hoje, há um calendário previamente determinado
para as visitas, que são feitas semanalmente ou a cada duas semanas. A ação
ostensiva conseguiu diminuir a presença de adolescentes em prostíbulos, mas os
aliciadores são rápidos na tentativa de burlar a vigilância.
O coordenador revela que a
exploração sexual virou um comércio lucrativo para algumas figuras influentes e
de alto poder aquisitivo da região. Meninas e meninos são trazidos de outros
estados e até da Bolívia para serem expostos em festas promovidas, muitas
vezes, em fazendas distantes dos olhos das autoridades. Para ele, existe uma
rede camuflada, e os agenciadores atuam em locais como a “prainha”, à beira do
rio Jaci, conhecida como uma das parcas alternativas de diversão para os jovens
das redondezas. Lá, é alto o consumo de drogas e bebidas alcoólicas, e as
músicas dançantes seguem embalando garotas de 13, 14 anos madrugada adentro,
cercadas por homens muito mais velhos. Raiclin frisa que todas as denúncias que
chegam ao Juizado são encaminhadas às delegacias especializadas e, dessa forma,
já foram efetuadas prisões de alguns dos aliciadores.
A conselheira tutelar Ângela
Fortes cobra mais atenção dos governantes para a realidade das crianças e dos
adolescentes de Jaci. Ela acredita que a ociosidade e a falta de investimento
em educação fazem dos jovens vítimas cada vez mais fáceis. “Eles estão
extremamente vulneráveis. Uma vez, atendi uma garota e, depois de muita
conversa, ela confessou ser prostituída e disse que aquele era o único lugar em
que se sentia valorizada”, lamenta.
Ângela enfatiza que o problema só
será enfrentado com o fortalecimento do ensino público, da qualificação
profissional e com melhorias nas condições de saúde e moradia. E conta que já
recebeu ameaças, mas não pretende se calar diante das situações que testemunha
todos os dias. Conforme ela, o Brasil precisa conhecer melhor as dificuldades
do povo amazônico. “Quando vamos ao Sul ou ao Sudeste e falamos sobre Rondônia,
eles pensam que é um outro país”, pondera.
Menos prostíbulos e mais escolas
Não é difícil entender o desabafo
de Ângela. As ruas sem asfalto e sem tratamento de esgoto, com seus incontáveis
barracos de madeira, dão a medida da urgência que o assunto requer. Quando o
tema é educação, o cenário pode ser ainda mais desolador. Em visita à Escola
Estadual Maria de Nazaré dos Santos, a reportagem da Fórum encontrou pátios
completamente vazios. Os alunos haviam sido dispensados por causa do calor.
A umidade e as altas
temperaturas, características do clima equatorial, eram intensificadas com
quase 60 alunos espremidos em salas sem ventilação. Muitos passavam mal. Os
funcionários tiveram que trazer seus próprios ventiladores para conseguirem
trabalhar. A carga horária foi reduzida para quatro aulas por dia, de 30
minutos cada. E o que aprendem em tão pouco tempo? “Nada”, respondeu,
indignada, uma aluna que deixava os portões da escola.
A situação se arrasta desde o
início do ano. Mas, segundo a diretora Cláudia Setúbal, já foi pior. Em 2011,
os estudantes eram divididos em quatro turnos, para revezarem o espaço e os
professores disponíveis. Algumas séries funcionavam apenas no horário de
almoço. Para acabar com esse corre-corre que, segundo ela, era desgastante para
todos, o jeito foi sobrecarregar o número de pessoas por sala e extinguir as
turmas do meio-dia.
A Escola Maria de Nazaré dos
Santos possui, ao todo, 1,3 mil alunos do Ensino Fundamental e do Médio. É o
único colégio estadual de Jaci-Paraná; os outros dois são da prefeitura. As
três instituições de ensino tentam, precariamente, manter a atenção dos
estudantes em uma região que, de acordo com levantamento da Delegacia de
Proteção da Criança e do Adolescente (DPCA/RO), conta com 68 pontos de
prostituição.
Na opinião da diretora, o assédio
às alunas ficou incontrolável. “Veio uma quantidade exorbitante de homens para
cá por causa das obras. As meninas já aprenderam, inclusive, a diferenciar os
cargos mais elevados pela cor do uniforme que eles usam”, afirma. Cláudia
relata que costuma vigiar a movimentação em torno da escola e anota a placa dos
carros que, constantemente, buscam as adolescentes. “Elas preferem os
engenheiros”, revela.
Os filhos das usinas
Solange* tem 15 anos e desistiu
das salas de aula quando fazia a antiga 4ª série. Sonhos? “Tenho não, senhora”,
diz. Pela primeira vez, ela começa a se preocupar com o que será do amanhã. A
menina está grávida de três meses, fruto do envolvimento rápido com um dos
milhares de “camargueiros” – como são chamados, na região, os operários da
construtora Camargo Corrêa. O namorado paraense chegou a Rondônia com o pai,
tios e primos para tentar emprego na Usina de Jirau. Quando soube do bebê,
disse que não era dele e se negou a ajudar. Solange pensa em voltar para a
escola, mas admite que, a partir de agora, será tudo mais difícil.
A amiga Daiane* vive um drama
parecido. Ela conta que os “homens da firma” conquistam as garotas oferecendo
bebidas, drogas, dinheiro e até comida em troca de favores sexuais. Com 15
anos, já foi casada duas vezes, e o último relacionamento, com um ex-funcionário
das obras, acabou em decepção. Ela tem quase certeza de que está grávida. Ainda
não teve coragem de fazer o teste, mas diz que sente muito sono e enjoo e, por
isso, não consegue mais ir à aula. Se confirmar a suspeita, já decidiu pelo
aborto.
O rapaz que a engravidou tem dois
filhos em Manaus, um em Rio Branco, e abandonou outra menina grávida em um
distrito vizinho. Provavelmente, não assumiria também o filho de Daiane.
Enquanto isso, ela acaba cedendo às ofertas de outros “camargueiros” para pagar
as contas da casa que divide com uma colega, já que nunca se entendeu com o
padrasto; a mãe, dependente de drogas, tampouco pôde ajudá-la.
Histórias como essas são cada vez
mais comuns. De acordo com dados da Maternidade Municipal de Porto Velho, a
gravidez na adolescência apresentou um aumento significativo nos últimos anos.
Atualmente, o índice de partos realizados em meninas de 10 a 19 anos está em
torno de 28% do total de atendimentos. A diretora da unidade, Ida Perea, afirma
que a menor taxa registrada foi de 25%, em 2010, após uma campanha massiva de
prevenção. Porém, em pouco tempo, o número voltou a subir e alcançou o pico de
31%.
Ida explica que a Região Norte
lidera o ranking de mães adolescentes, seguida do Centro-Oeste, Nordeste,
Sudeste e Sul. Em Porto Velho e áreas adjacentes, a principal preocupação é com
as garotas abaixo de 14 anos, pois é nessa faixa etária que o crescimento do
número de casos de gravidez tem sido mais expressivo. A médica lembra que, pela
lei, manter relações sexuais com pessoas menores de 14 anos é considerado
estupro de vulnerável, mesmo que o adulto alegue que houve consentimento.
“Nesse caso, podemos apontar para um aumento no número de estupros na região”,
observa. Ela chama a atenção, ainda, para o fato de que boa parte dessa nova
geração de porto-velhenses está nascendo sem qualquer apoio do pai. “A criança
já vem ao mundo sem um direito básico, elementar, que é de ter a identidade
paterna reconhecida”, aponta.
O juiz titular do Juizado da
Infância e da Juventude de Porto Velho, Dalmo Bezerra, diz que, com a grande
quantidade de homens chegando e saindo do estado, fica difícil, muitas vezes,
encontrar os autores da violência sexual. “Aqui eles são conhecidos como o
‘goiano’, o ‘paulista’, o ‘piauí’. Não têm sobrenome. Quando fomos procurar,
existiam dezenas de pessoas com esses mesmos apelidos que já tinham ido
embora”, ressalta.
Dalmo destaca que os
“barrageiros” percorrem o País atrás de trabalho em grandes obras, como as
hidrelétricas do rio Madeira, e não costumam ficar muito tempo no mesmo lugar.
Por isso, é preciso que a cidade esteja preparada para os impactos do grande
fluxo migratório e, principalmente, para as consequências que virão quando a
construção dos empreendimentos acabar. Para ele, entre os principais efeitos
está a elevação do desemprego, a violência, a incidência de doenças sexualmente
transmissíveis (DSTs) e a gravidez precoce. O número de crianças sem registro
do pai nos documentos também é apontado como um alerta. Ele lembra que a
maioria dos jovens envolvidos, hoje, com a criminalidade não possui pai
reconhecido. “Isso deve querer nos dizer alguma coisa. Vamos ter reflexo,
ainda, por muitos anos”, finaliza.
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