Elementos que ajudam a entender a
Portaria Nº 303,
de 16 de julho de 2012 da AGU
O Advogado Geral da União Luis Inácio Lucena Adams, baixou
a Portaria Nº 303, de 16 de julho de 2012, para dizer que a FUNAI e os outros
órgãos públicos federais devem aplicar as condicionantes decididas pelo Supremo
Tribunal Federal – STF, na Ação Judicial contra a terra indígena Raposa Serra
do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF), a todas as terras indígenas, no país.
Também diz que tudo o que foi feito em relação às terras indígenas depois dessa
decisão do STF, que aconteceu em março de 2009, e que não estiver de acordo com
essas condicionantes precisa ser refeito.
A Advocacia-Geral
da União (AGU), tem status de Ministério. Seu papel é o de defender
todos os poderes da União, bem como prestar consultoria e assessoramento
jurídico ao governo federal.
Principais pontos da Portaria que trazem grandes prejuizos aos povos
indígenas.
1. Ataca a autonomia dos povos
indígenas sobre os seus territórios. Limita e relativiza o direito dos povos
indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas
terras indígenas;
2. Afirma que as terras indígenas
podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções
militares, malhas viárias, empreendimentos hidroelétricos e minerais de
cunho estratégico, sem consulta aos indígenas;
3. Transfere para o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade o controle sobre grande quantidade de
terras indígenas. Terras indígenas sobre as quais indevidamente foram
sobrepostas Unidades de Conservação.
4. Cria problemas para a revisão de
limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o
direito indígena sobre a ocupação tradicional.
5. Determina a revisão das
demarcações em curso ou já demarcadas que não estiveram de acordo com o que o
STF decidiu para a TI Raposa Serra do Sol.
Por que a Portaria é inconstitucinal e afronta os direitos indígenas.
1. Por que a decisão do STF só vale para a TI Raposa Serra do Sol em
Roraima. Recentemente três Ministros do STF reafirmaram esse entedimento.
2. Por que o que foi decidido pelo STF na Ação
Popular contra a Raposa Serra do Sol ainda pode ser mudado. As comunidades
indígenas da Raposa Serra do Sol estão questionando judicialmente a decisão do
STF. Entraram com “Embargos de Declaração”, que ainda não foram julgados.
3.
Por que o Advogado Geral da União não tem poderes para fazer leis que afetem os
povos indígenas. Isso compete ao Congresso Nacional.
4.
Por que coloca condicionantes para
usufruto exclusivo pelos povos indígenas das riquezas naturais existentes em
suas terras para além do que está escrito no artigo 231 da Consituição Federal.
5.
Desrespeita o direito que os povos indígenas tem de serem consultados sobre
medidas ou projetos governamentais que podem afetá-los diretamente como determina
a Convenção 169 da OIT.
Muita atenção para o tamanho do
absurdo!!!
Os artigos 2º e 3º da Portaria questionam a
validade de tudo o que já foi feito em relação à demarcação das terras
indígenas. Isso quer dizer que inclusive as terras já demarcadas, podem ser
revistas. Levantar incertezas sobre a legalidade da demarcação das terras
indígenas é de uma irresponsabilidade absurda. Cria expectativas naqueles
setores que sempre cobiçaram as terras indígenas, estimula a violência e afronta
a memória das numerosas lideranças indígenas mortas pelo latifúndio, que
entregaram a vida para assegurar a terra sagrada para o futuro de seus povos.
A quem interessa a Portaria
A pergunta que as lideranças e organizações
indígenas e os aliados se fazem é sobre os motivos que levaram a Advocacia
Geral da União – AGU, a publicar uma Portaria com implicações tão graves e tão
descaradamente contrárias aos interesses e direitos dos povos indígenas.
É importante se dar conta de que essa portaria
autoritária é baixada justamente no momento em que o governo chama os povos
indígenas para dialogar sobre a promoção e proteção dos direitos indígenas no
âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e no Grupo de
Trabalho Interministerial (GTI) para discutir a regulamentação do direito de
consulta e consentimento livre, prévio e informado, estabelecido pela Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Fica claro que o governo não está
disposto a dialogar sobre o que realmente é importante, como, por exemplo, sobre
os empreendimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que afetam os
territórios indígenas. Sua compreensão é de que os povos indígenas são empecilhos
ao “desenvolvimento” por que dificultam o licenciamento de hidroelétricas, estradas,
linhas de transmissão, etc. e suas terras impedem o avanço da exploração dos
recursos naturais. Por isso, tenta tornar sem efeito as leis que amparam os
direitos indígenas. Assim fica mais fácil empurrar goela abaixo dos povos e
populações afetadas empreendimentos como, a hidrelétrica de Belo Monte.
Quem saiu em defesa da Portaria,
como não poderia deixar de ser, foram representantes do agronegócio. Segundo
eles essa iniciativa do governo dá mais segurança jurídica aos “proprietários”
que se apossaram de terras indígenas, por que não serão mais obrigados a
devolvê-las aos povos indígenas e ainda têm a possibilidade de estenderem seus
latifúndios sobre as terras indígenas já demarcadas. São os mesmos que
promoveram as mudanças no Código Florestal para facilitar a exploração da
natureza e que estão mobilizados para aprovar a PEC 215, que põe em risco as
terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer demarcação futura.
O que fazer?
Como deu para perceber a portaria
303 atenta contra a vida e os direitos dos povos indígenas. Coloca em risco
tudo o que já foi alcançado em termos de demarcação de terras indígenas. É
necessário espalhar essa má notícia para todas as aldeias indígenas. Muitas
organizações indígenas e entidades aliadas já se manifestaram publicamente
repudiando a Portaria. A luta deve ser por sua revogação pelos motivos
apresentados acima. Com a mobilização é possível vencer essa batalha e reunir
forças para enfrentar com sucesso outras ameaças antiindígenas como a PEC 215.
Posicionamentos de algumas organizações
indígenas e aliados.
APIB - Articulação do Povos
Indígenas do Brasil.
“ A APIB
repudia esta medida vergonhosa que aprofunda o desrespeito aos direitos dos
povos indígenas assegurados pela Constituição Federal e instrumentos
internacionais assinados pelo Brasil. Entre outras aberrações jurídicas, a
Portaria relativiza, reduz e diz como deve ser o direito dos povos indígenas ao
usufruto das riquezas existentes nas suas terras; ignora o direito de consulta
assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
reduz o tratamento dos povos indígenas à condição de indivíduos, grupos tribais
e comunidades; afirma que são as terras indígenas que afetam as unidades de
conservação, quando que na verdade é ao contrário, e, finalmente, enterra,
ditatorialmente, o direito de autonomia desses povos reconhecido pela
Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas”.
CIMI – Conselho Indigenista
Missionário
“O
absurdo é tamanho que o Executivo chega ao ponto de determinar que sejam
“revistos” os procedimentos em curso que estejam em desacordo com a portaria,
bem como, que sejam “revistos e adequados” até mesmo os procedimentos já
“finalizados”. Em momento algum os Ministros do STF deram qualquer indicação de
que as “condicionantes” teriam essa extensão. O Cimi, junto com os povos
indígenas do Brasil, fará uso de todos os meios jurídicos possíveis para
demonstrar a ilegitimidade e a ilegalidade desta portaria”.
ABA – Associação Brasileira de
Antropologia
“Por seu
primarismo e incongruência, buscando restringir e amesquinhar os direitos
indígenas presentes na CF-1988, a ABA considera a portaria 303 um instrumento
jurídico-administrativo absolutamente equivocado e pede a sua imediata
revogação”.
CDHM - Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados
“A
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados vem a público
manifestar seu veemente repúdio contra a Portaria 303 da Advocacia Geral da
União. Conclamamos as entidades de direitos indígenas e direitos humanos a se
manifestarem e conjugarem esforços em prol da imediata revogação da Portaria e
em favor das regras constitucionais que garantem os direitos fundamentais das
populações indígenas”.
Funai – Fundação Nacional do
Indio (posição Nacional)
“Entendemos
que a medida restringe o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas,
especialmente os direitos territoriais, consagrados pela Constituição Federal,
ao adotar como parâmetro decisão não definitiva do Supremo Tribunal Federal
para uniformizar a atuação das unidades da Advocacia-Geral da União”.
Servidoras e servidores da Funai
em greve (também posição Nacional)
“Entre
outras aberrações jurídicas, a Portaria relativiza, reduz e define os direitos
dos povos indígenas ao usufruto das riquezas existentes nas suas terras; ignora
o artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e o direito de consulta assegurado
pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e enterra,
ditatorialmente, o direito de autonomia desses povos, reconhecido pela Declaração
da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas”.
José Afonso da Silva – jurista
“A decisão do Supremo diz respeito a um caso
específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma. Pode ser que, no
futuro, o STF afirme alguma outra coisa, mas, até lá, um caso único e
específico pode até criar um precedente, mas não uma jurisprudência. O que a
AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros
decidiram em 2009, estender para todas os outros casos a decisão”
Paulo Machado Guimarães –
advogado
“A
decisão do STF ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem
sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em parte. Portanto, considerar
que essas condicionantes são afirmações definitivas do tribunal é,
tecnicamente, um equívoco”.
DIZER NÃO À PORTARIA 303 É DIZER SIM À DEMOCRACIA E À VIDA!
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