Publico na íntegra o manifesto dos servidores da Funai porque considero justas as reivindicações mas não posso deixar de manifestar , mais uma vez, meu repúdio pela forma como a coordenação regional da Funai do Acre vem tratando os indígenas. Se não há meios adequados para o trabalho, o correto mesmo é exigir as condições e não simplesmente negar ajuda ou mesmo o puro cumprimento de obrigações. No caso do Acre, a coordenação optou por desmerecer os indígenas e seus apoiadores, negando que as reivindicações apresentadas pelos indígenas durante o abril indígena fossem (e são) justas. Nós, indígenas e apoiadores, fomos naquele evento, tratados com desdém e o que se viu da coordenação foi um falsear de verdades e muita arrogância. Agora o que se espera é que a Funai cumpra pelo menos com o que prometeu diante da justiça no dia 21 de maio. Estamos de olho! (os grifos são meus)
MANIFESTO DOS SERVIDORES E SERVIDORAS EM GREVE DA FUNAI AOS POVOS INDÍGENAS
Brasília/DF, 03 de julho de 2012
Comunicamos
aos povos indígenas, suas organizações e associações que os/as
servidores/as da Funai sede, em Brasília, deflagraram greve por tempo
indeterminado no dia 21 de junho, após deliberação em assembleia. As Coordenações
Regionais e respectivas Coordenações Técnicas Locais estão,
paulatinamente, aderindo ao movimento, cujo objetivo é atingir a adesão
nacional.
A
greve da Funai vem se somar ao movimento de greve nacional dos
servidores públicos federais, em defesa do serviço público de qualidade e
da valorização das respectivas carreiras.
A
questão indígena não tem sido uma prioridade para o Estado Nacional e
menos ainda para o atual governo. Nesse cenário, a luta na Funai passa
pela valorização da instituição e pela aplicação da política
indigenista. Política esta que passa por uma reviravolta a partir do
marco constitucional de 1988[1], em que, pela primeira vez, a
perspectiva assimilacionista e assistencialista do Estado foi deslocada
em direção ao respeito à multiplicidade étnica e às diversas formas de
territorialidade dos povos indígenas.
Porém,
essa luta ainda está em processo, uma vez que os direitos não estão
garantidos em sua plenitude, com destaque para a defasagem na
regularização fundiária dos territórios indígenas. Ao
longo da história, quase 90% do território nacional foi sendo
expropriado dos povos indígenas. Dos 12% atualmente reconhecidos como
territórios indígenas pelo Estado, menos de 60% estão regularizados e
boa parte desse total não se encontra na posse plena das populações
indígenas, gerando graves problemas de desestruturação socioambiental e
cultural.
Da
mesma forma, é preciso repensar o lugar que ocupam a saúde e a educação
indígenas, dois direitos conquistados durante longas décadas de
discussões e lutas do movimento indígena, e que ainda não foram
implementadas de forma efetiva e adequadas às especificidades dos povos
indígenas.
Entendemos
que a Funai deva exercer um papel mais atuante no desenvolvimento de
ações complementares e diferenciadas, fortalecendo as ações dos órgãos
diretamente responsáveis pelas políticas de educação e saúde, bem como
das outras Políticas de Estado voltadas aos povos indígenas.
Além
disso, enquanto órgão indigenista, a Funai deve apoiar os povos
indígenas para o exercício do controle social sobre essas Políticas para
que as mesmas sejam adequadas às suas especificidades e interesses.
No
contexto das questões levantadas acima, a Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI[2] passa a ser um
instrumento importante de reconhecimento da autonomia e protagonismo dos
povos indígenas por meio da gestão que fazem de seus territórios. A
Política foi conquista de um intenso debate e mobilização do movimento
indígena, que demandou do Estado brasileiro o reconhecimento da
importância dos modos de vida tradicionais e do manejo e conservação da
biodiversidade nos territórios ocupados.
Entretanto,
esse instrumento jurídico ainda carece de garantia orçamentária e
política por parte dos órgãos responsáveis para sua aplicação.
Ressalta-se que a execução dessa Política dependerá decisivamente de uma
Funai que consiga trabalhar de forma eficiente junto aos indígenas em
seus territórios. Para tanto, é fundamental que se tenha estrutura
administrativo-financeira, pessoal qualificado e definição das normas e
procedimentos internos ao órgão.
A
Funai, historicamente, vem sofrendo um processo de sucateamento que
reflete o desinteresse do Estado brasileiro com relação à política
indigenista, fundiária e ambiental. A Funai há quase três anos passa por
um processo de reestruturação que ainda não se deu na prática,
acarretando a inexistência ou a existência precária de várias
Coordenações Técnicas Locais, Frentes de Proteção Etnoambiental e até
mesmo de Coordenações Regionais.
Os/As
servidores/as são submetidos a condições degradantes de trabalho, sem
condições mínimas de logística para atendimento às demandas dos povos
indígenas; sem acesso a meios de comunicação com as outras unidades,
inclusive com a Funai sede; com procedimentos burocráticos ultrapassados
que implicam a extrema dificuldade de acesso aos recursos e execução
das atividades junto aos povos indígenas. Somam-se a esses problemas o
contigenciamento de recursos imposto pelo Governo Federal e o baixo
efetivo de servidores, sem o suporte institucional adequado de cursos de
formação para as funções exercidas.
Além
disso, a baixa remuneração dos servidores tem sido um importante fator
de evasão e precariedade dos serviços prestados. Não há política de
capacitação/qualificação, de qualidade de vida no trabalho, tampouco
política salarial. Os concursos para provimento de vagas são pouco
atraentes e mesmo os escassos processos seletivos realizados foram
incapazes de recompor o quadro de servidores. Dos 2.585 servidores
ativos da Funai, 35% poderão se aposentar até o final de 2013, e dos
remanescentes, 47% estarão aposentados até 2020.
Esses
dados reforçam a necessidade premente de novos concursos de provimento
de cargos vinculados a melhorias estruturais e de carreira, de modo que a
instituição construa uma política de valorização, garantindo a
permanência de bons profissionais.
Além
da falta de orçamento, pessoal e condições de trabalho, outro grande
gargalo para a reestruturação do órgão está na ausência de um processo
democrático e participativo dos servidores na construção do Regimento
Interno e em algumas inconsistências relativas à localização das
unidades descentralizadas.
Fica
evidente, portanto, que o Estado não vem oferecendo condições materiais
e humanas para o pleno funcionamento do órgão indigenista, impedindo o
cumprimento da missão institucional da Funai e, assim, o atendimento à
Constituição Federal no que concerne aos direitos garantidos aos povos
indígenas.
Por
isso, trazemos ao debate: a necessidade de que todas as Coordenações
Técnicas Locais entrem em funcionamento para o adequado trabalho junto
aos povos indígenas; de que as Coordenações Regionais sejam dotadas de
estrutura física e de pessoal qualificado para a execução de suas
atribuições; a desburocratização e promoção da autonomia
técnico-administrativas das Coordenações Regionais; a criação de
normativas que aprimorem e agilizem os procedimentos internos da Funai; a
criação e aprovação do Plano de Carreira Indigenista que reconheça e
valorize a real situação na lida diferenciada dos funcionários desta
Fundação com as comunidades indígenas; a participação indígena e de
servidores nas discussões sobre a reestruturação da Funai; a realização
de concurso público para provimento total dos 3100 cargos previstos no
Decreto 7056/09, incluindo a previsão de cotas para indígenas; a
discussão e construção conjunta e participativa do Regimento Interno; e,
que o orçamento da Funai seja compatibilizado às suas demandas, dentre
outras ações estruturantes para a Fundação, como reivindicações a serem
discutidas para além da greve.
Como manifestado pelo movimento indígena[3], repudiamos ais a
impunidade, a violência e a perseguição de lideranças indígenas; os
grandes empreendimentos em territórios indígenas e a falta de poder de
decisão dos povos indígenas sobre a construção desses empreendimentos,
em contradição à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT; a
diminuição dos territórios indígenas; o enfraquecimento da legislação
indigenista e da política ambiental que interfere diretamente na
disponibilidade e na qualidade dos recursos naturais essenciais para a
sobrevivência física e reprodução cultural dos povos indígenas; a
tentativa de, por meio da PEC 215, transferir ao Congresso Nacional a
competência para a demarcação e homologação de terras indígenas.
Repudiamos
ainda a recomendação inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff de
submeter à aprovação do Ministério de Minas e Energia todos os processos
de regularização fundiária de terras indígenas antes da expedição de
decreto homologatório; a morosidade nos processos de regularização
fundiária; o desmonte do Código Florestal; a discussão do projeto de lei
que regulamenta a mineração e o aproveitamento de recursos hídricos em
terras indígenas sem considerar as proposições contidas no novo Estatuto
dos Povos Indígenas, que está em tramitação no Congresso há mais de uma
década; a Portaria 419, que atropela os trâmites técnico-processuais
próprios ao processo de licenciamento ambiental, em favor de maior
celeridade na condução dos empreendimentos de infraestrutura nacionais.
Exigimos
do Estado as condições adequadas para a regularização fundiária e a
proteção dos territórios indígenas; a melhoria dos serviços de saúde
prestados aos povos indígenas; a valorização dos processos educacionais
indígenas e o diálogo intercultural simétrico que respeite as
especificidades étnicas e culturais de cada povo; a participação dos
povos indígenas no planejamento decenal dos setores de infraestrutura e
energético, responsável pelos projetos de empreendimento que afetam
diretamente seus territórios; a aprovação do novo Estatuto dos Povos
Indígenas; a regulamentação do direito de consulta dos povos indígenas,
conforme disposto na Convenção 169 da OIT; ação efetiva dos demais
órgãos afetos a políticas indigenistas, a exemplo do Ministério da
Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, dentre outros;
capacidade administrativa para a Funai coordenar, implementar, executar e
acompanhar toda a política indigenista do estado brasileiro.
Convidamos
os povos indígenas, por meio de suas principais esferas de
representação, como APIB, COIAB, ARPINPAN, ARPINSUL, ARPINSUDESTE,
APOINME, ATY GUASSU, bem como as demais organizações e iniciativas
indígenas de nível local e regional a se juntarem a nós, servidores do
órgão indigenista oficial, na construção conjunta desse movimento que
visa à garantia efetiva dos direitos indígenas e indigenistas.
Servidoras e Servidores em Greve da Funai
[1]
Durante as décadas de 1970 e 1980 há um intenso processo de discussão e
politização do movimento indígena e indigenista não oficial, que
culmina na participação decisiva de algumas lideranças indígenas na
construção do texto constitucional vigente.
[2]
Aprovada por meio de Decreto Presidencial (nº 7.747, de 05 de junho de
2012) e não por meio de um Projeto de Lei, que garantiria maior
segurança e força do ponto de vista jurídico.
[3] Documento Final do IX Acampamento Terra Livre – Carta do Rio
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