Por Fernando Henrique Cardoso
Publicado no Jornal O Estado de São Paulo no último domingo.
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Publicado no Jornal O Estado de São Paulo no último domingo.
Digo eu: Reproduzo aqui o artigo de Fernando Henrique cardos não por que concorde com o que está escrito, mas porque penso que precisamos, nestes tempos de mensalão, aproveitar para passar o Brasil a limpo o máximo que pudermos. Não é possível que PDSB, PT e seus bajuladores e outras legendas de aluguel continuem nos tratando como ibencis.
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A presidenta Dilma Rousseff recebeu uma herança pesada de seu
antecessor. Obviamente, ninguém é responsável pela maré negativa da
economia internacional, nem ela nem o antecessor. Mas há muito mais do
que só o infortúnio dos ciclos do capitalismo.
Comecemos pelo mais óbvio: a crise moral. Nem bem completado um ano
de governo e lá se foram oito ministros, sete dos quais por suspeitas de
corrupção. Pode-se alegar que quem nomeia ministros deve saber o que
faz. Sem dúvidas, mas há circunstâncias. No entanto, como o antecessor
desempenhou papel eleitoral decisivo, seria difícil recusar de plano
seus afilhados. Suspeitas, antes de se materializarem em indícios, são
frágeis diante da obsessão por formar maiorias hegemônicas, enfermidade
petista incurável.
Mas não foi só isso: o mensalão é outra dor de cabeça. De tal desvio
de conduta a presidenta passou longe e continua se distanciando. Mas seu
partido não tem jeito. Invoca a prática de um delito para encobertar
outro: o dinheiro desviado seria “apenas” para o caixa 2 eleitoral, como
disse Lula em tenebrosa entrevista dada em Paris, versão
recém-reiterada ao jornal The New York Times. Pouco a pouco,
vai-se formando o consenso jurídico, de resto já formado na sociedade,
de que desviar dinheiro é crime, tanto para caixa 2 como para comprar
apoio político no Congresso Nacional. Houve mesmo busca de hegemonia a
peso de ouro alheio.
Mas não foi só isso que Lula deixou como herança à sucessora. Nos
anos de bonança, em vez de aproveitar as taxas razoáveis de crescimento
para tentar aumentar a poupança pública e investir no que é necessário
para dar continuidade ao crescimento produtivo, preferiu governar ao
sabor da popularidade. Aumentou os salários e expandiu o crédito,
medidas que, se acompanhadas de outras, seriam positivas. Deixou de lado
as reformas politicamente custosas: não enfrentou as questões
regulatórias para acelerar as parcerias público-privadas e retomar as
concessões de certos serviços públicos. A despeito da abundância de
recursos fiscais, deixou de racionalizar as práticas tributárias, num
momento em que a eliminação de impostos se poderia fazer sem
consequências negativas: a oposição conseguiu suprimir a CPMF, cortando
R$ 50 bilhões de impostos, e a derrama continuou impávida.
É longa a lista do que faltou fazer quando seria mais fácil. Na
questão previdenciária, o único “avanço” não se concretizou: a criação
de uma previdência complementar para os funcionários públicos que
viessem a ingressar depois da reforma. A medida foi aprovada, mas sua
consecução dependia de lei subsequente, para regulamentar os fundos
suplementares, que nunca foi aprovada. As centenas de milhares de
recém-ingressados no serviço público na era lulista continuaram a se
beneficiar da regra anterior. Foi preciso que novo passo fosse dado pelo
governo atual para reduzir, no futuro, o déficit da Previdência. Que
dizer, então, de modificações para flexibilizar a legislação trabalhista
e incentivar o emprego formal? A proposta enviada pelo meu governo com
esse objetivo, embora assegurando todos os direitos trabalhistas
previstos na Constituição, foi retirada do Senado pelo governo Lula em
2003. Agora é o próprio Sindicato Metalúrgico de São Bernardo do Campo
que pede a mesma coisa…
Mas o “hegemonismo” e a popularidade à custa do futuro forçaram outro
caminho: o dos “projetos de impacto”, como certos períodos do
autoritarismo militar tanto prezaram. Projetos que não saem do papel ou,
quando saem, custam caríssimo ao Tesouro e têm utilidade relativa. O
exemplo clássico foi a formação a fórceps de estaleiros nacionais para
produzirem navios-tanque para a Petrobrás (pagos, naturalmente, pelos
contribuintes, seja por meio do BNDES, seja pelos altos preços
desembolsados pela Petrobrás). Depois do lançamento ao mar do primeiro
navio, com fanfarras e discursos presidenciais, passaram-se meses para
se descobrir que o custo não fez jus a tanta louvação. Que dizer dos
atrasos da transposição do São Francisco, ou da Transnordestina, ou
ainda da fábrica de diesel à base de mamona? Tudo relegado aos restos a
pagar do esquecimento.
O que mais pesa como herança é a desorientação da política
energética. Calemos sobre as usinas movidas “a fio d’água”, cuja
eletricidade para viabilizar o empreendimento terá de ser vendida como
se a produção fosse firme o ano inteiro, e não sazonal. Foi preciso
substituir o companheiro que dirigia a Petrobrás para que o País
descobrisse o que o mercado já sabia, havendo reduzido quase pela metade
o valor da empresa. O custo da refinaria de Pernambuco será dez vezes
maior do que previsto; há mais três refinarias prometidas que deverão
ser postergadas ad infinitum. O preço da gasolina, controlado pelo
governo, não é compatível com os esforços de capitalização da Petrobrás.
Como consequência de seu barateamento forçado ─ que ajuda a política de
expansão ilimitada de carros com a coorte de congestionamentos e
poluição ─ a produção de etanol se desorganizou a tal ponto que estamos
importando etanol de milho dos Estados Unidos!
Com isso tudo, e apesar de estarmos gastando mais divisas do que
antes com a importação de óleo, o presidente Lula não se pejou em ser
fotografado com as mãos lambuzadas de petróleo para proclamar a
autossuficiência de produção, no exato momento em que a produtividade da
extração se reduzia. No rosário de desatinos, os poços secos,
ocorrência normal nesse tipo de exploração, deixaram de ser lançados
como prejuízo, para que o País continuasse embevecido com as riquezas do
pré-sal, que só se materializarão quando a tecnologia permitir que o
óleo seja extraído a preços competitivos, que poderão tornar-se difíceis
com as novas tecnologias de extração de gás e óleo dos americanos.
É pesada como chumbo a herança desse estilo bombástico de governar
que esconde males morais e prejuízos materiais sensíveis para o futuro
da Nação.
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