Brasília-DF, 05 de setembro de 2012.
Ref.: Posição da APIB sobre a suspensão da Portaria 303 e proposta do governo de criar GT para discutir as condicionantes
Prezados parentes e parentas,
Como
é de conhecimento de todos e todas, o Governo Federal, por meio da
Advocacia Geral da União (AGU), publicou em 17 de julho do corrente ano a
Portaria 303, cujo propósito seria normatizar a atuação das unidades
desta Advocacia em relação às salvaguardas institucionais às terras
indígenas. A Portaria é praticamente a transcrição literal das
condicionantes instituídas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na
Petição 3.388-Roraima (caso Raposa Serra do Sol).
A
reação imediata da APIB foi manifestar publicamente o seu repúdio e
exigência pela revogação imediata e integral deste ato autoritário,
equivocado e inconstitucional do Governo, pois afronta de forma
descarada os direitos originários dos nossos povos, garantidos pela
Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção
169 da OIT, que é lei no país desde 2004, e a Declaração da ONU sobre os
direitos dos Povos Indígenas.
Diversas
instituições, governamentais e não governamentais, personalidades,
organizações e movimentos sociais se manifestaram no mesmo sentido.
Especial repercussão tiveram as distintas manifestações e mobilizações
protagonizadas por povos e organizações indígenas em distintas regiões
do país (Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amapá, Pará, Amazonas,
Maranhão etc.), inclusive em Brasília, onde delegações vindas da Bahia,
Mato Grosso do Sul, Tocantins e Goiás ocuparam a sede da AGU, fatos que
forçaram o governo a conversar com o movimento indígena em vários
momentos. Todas estas delegações se mobilizaram ainda junto aos
seguintes órgãos: Ministério da Justiça, Funai, Ministério da Saúde,
Senado Federal, Câmara dos Deputados e STF.
A estas manifestações somaram-se manifestos das lideranças que compõem o Comitê Diretor do Projeto de Gestão Ambiental em Terras Indígenas
(GATI), antigo Gef Indígena; o Fórum de Presidentes de Conselhos
Distritais (CONDISIs) e a bancada indígena da Comissão Nacional de
Política indigenista (CNPI). O plenário desta Comissão, que inclui a
bancada governamental, aprovou no final dos trabalhos uma resolução em
que recomenda à AGU a revogação da Portaria 303.
Percebe-se,
desta forma, que todas as mobilizações reivindicaram a revogação
integral da Portaria, ignorando a proposta da AGU de suspendê-la
temporariamente, como foi até o dia 24 de setembro.
As lutas, porém, continuam. Muitas outras mobilizações e manifestos devem acontecer ainda no sul, nordeste e norte do país.
Em resposta a estas ações de indignação e pressão dos nossos povos e comunidades visando à revogação, o Governo propõe;
1) A suspensão da Portaria 303 “até o julgamento dos embargos de declaração postos contra a sentença do STF que julgou a ação judicial relativa à Raposa Serra do Sol.”
2)
“A criação de um Grupo de Trabalho composto pelo Ministério da Justiça,
AGU, Funai, e representantes dos povos indígenas, com o objetivo de
discutir as condicionantes estabelecidas na Portaria 303/2012 e outras
formas de viabilização de processos de demarcação de terras indígenas”
Estas
propostas foram formalizadas por escrito pelo próprio ministro da
justiça a uma delegação de lideranças de Mato Groso na sexta feira, 31
de agosto.
A Posição da APIB, reunida em Brasília de 03 a 06 de setembro é profundamente contrária a estas propostas pelas seguintes razões:
1)
Somente a suspensão da Portaria não resolve absolutamente nada, pois
manterá latente os riscos de conflitos fundiários generalizados no país.
Isto é, não implicará no fim da insegurança jurídica, política e social
patrocinada pelo latifúndio, o agronegócio e outros setores econômicos
(mineradoras, empreiteiras, setor energético) interessados nos nossos
territórios e suas riquezas. A suspensão tampouco levará à redução das
expectativas dos invasores de continuar ou retornar às nossas terras,
inclusive aquelas já homologadas e desintrusadas.
A
APIB entende que a suspensão só favorece o governo, que busca preservar
a imagem do ministro da AGU, Luis Inácio Adams, que é forte candidato a
ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
2)
A criação de um GT para discutir a redução dos nossos direitos,
especialmente territoriais, é um absurdo. Para que discutir as
condicionantes, se além de terem sido criadas para o caso específico da
Raposa Serra do Sol, são claramente prejudiciais e não podem ser
generalizadas a todas as terras indígenas do país. Além do mais, o STF,
ao julgar os embargos de declaração da Raposa Serra do Sol, ainda poderá
esclarecer e até alterar as condicionantes.
Por
outro lado, a criação de um GT constitui uma incoerência total desse
governo, pois como é que ele pretende nos consultar, se a própria
Portaria determina que nem as nossas comunidades ou a própria Funai
precisam ser consultadas a respeito da ocupação dos nossos territórios
por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias,
empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico. Nem mesmo
o processo de discussão sobre a regulamentação dos mecanismos de
consulta estabelecidos pela Convenção 169 da OIT faz sentido neste
momento.
Dessa
forma, prezados parentes, a APIB considera que devemos seguir nos
mobilizando e lutando pela revogação integral da Portaria 303 da AGU.
Esperamos e confiamos no bom censo de todos para nos manter unidos em
torno desta causa comum.
Pela defesa do direito territorial dos nossos povos.
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
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