terça-feira, 4 de setembro de 2012

O ecumenismo para a fulguração da unidade entre os cristãos

José Oscar Beozzo faz uma retrospectiva do contexto histórico, social e eclesial, de cinquenta anos atrás, que proporcionaram a convocação do Concílio Vaticano II por João XXII

Por: Cleusa Andreatta, Graziela Wolfart e Luis Carlos Dalla Rosa

Os pontos nodais das discussões do Concílio Vaticano II em torno ao esquema relativo à Igreja, na opinião de José Oscar Beozzo, foram quatro: “a definição da Igreja como povo de Deus, a afirmação de que esta se encontra a serviço do reino de Deus, a doutrina da colegialidade episcopal e de que junto com Pedro, o colégio episcopal detém o supremo poder sobre a Igreja. Finalmente, o reconhecimento de que há uma única Igreja de Jesus Cristo que subsiste na Igreja católica, mas que se encontra presente nas outras Igrejas”. Na entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line Beozzo esclarece que “define-se, portanto, o ecumenismo como tarefa imprescindível para que se restabeleça e fulgure a unidade entre todos os cristãos, como semente da unidade entre todos os seres humanos, que foram parte da única família da qual Deus é o Pai comum”.

José Oscar Beozzo é padre, teólogo e coordenador geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular – Cesep. Tem mestrado em Sociologia da Religião, pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, e doutorado em História Social, pela Universidade de São Paulo – USP. Faz parte do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina – CEHILA/Brasil, filiado à Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe – CEHILA. Também é sócio-fundador da Agência de Informação Frei Tito para a América Latina – Adital. É autor de inúmeros livros, entre os quais A Igreja do Brasil (Petrópolis: Vozes, 1993) e A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965 (São Paulo: Paulinas, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que o senhor destaca como os principais aspectos do contexto histórico, social e eclesial, de cinquenta anos atrás que proporcionaram a convocação do Concílio Vaticano II por João XXII? Como isso repercute na preparação e realização do Concílio?

José Oscar Beozzo -
João XXIII assinalou três “sinais dos tempos” aos quais o Concílio devia estar atento, respondendo a eles positivamente:

- o de dezenas de povos que acediam na África e Ásia à sua independência política, alguns deles depois de séculos do colonialismo europeu;

- o da ascensão das classes trabalhadoras como atores sociais e políticos nas sociedades industrializadas;

- o da emancipação das mulheres que faziam seu ingresso no trabalho profissional e na vida pública.

A guerra fria criou um mundo bipolar, em que opunham ideológica, econômica, politica e militarmente, Estados Unidos e União Soviética, nações líderes do campo capitalista e socialista. A Conferência de Bandung na Indonésia (1955) reuniu países da África e da Ásia, recém-descolonizados e desejosos de escapar do alinhamento automático com um dos blocos. Esses 29 países, 23 da Ásia e 06 da África se denominaram não alinhados e tentaram criar sob a liderança de Nehru da India, de Sukarno da Indonésia e de Nasser do Egito, um espaço de manobra mais autônomo, extraindo, quando possível, vantagens dos dois lados em confronto. As propostas da conferência levaram à criação do movimento dos países não-alinhados (1961). Ao conflito entre ocidente e oriente, Bandung acrescentou a percepção de um conflito de interesses e de visões entre o norte e o sul do mundo, entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. A problemática ali delineada inspirou em parte a Gaudium et Spes (1965) e, de modo direto, a Populorum Progressio de Paulo VI, logo após o Concílio (1967). Bandung introduziu o conceito de Terceiro Mundo, situado entre o Primeiro mundo desenvolvido (Estados Unidos, Europa ocidental e Japão) e o Segundo Mundo (União Soviética e países socialistas do leste europeu e Ásia). A China participou de Bandung e seguiu com um pé no movimento dos não-alinhados e outro no campo socialista liderado pela URSS.

Os anos do Concílio estiveram inseridos no contexto das duas décadas de espetaculares avanços técnicos e científicos e da acentuada prosperidade econômica, que se seguiram à grande depressão de 1929 e às ingentes destruições de vidas e bens materiais da segunda guerra mundial (1939-1945). Havia um clima de otimismo, incapaz, porém, de ocultar que a frágil paz entre as superpotências repousava sobre o medo e no assim chamado “equilíbrio do terror”, em que uma ameaçava a outra com o holocausto nuclear. Suas rivalidades foram transferidas para a periferia do mundo, onde intermináveis e sanguinolentos conflitos por elas financiados e armados opunham os dois sistemas nas guerras da Indochina (1946-1954), Coréia (1950-1953), Vietnã (1959-1975) e que se estendeu ao Laos, Camboja, no conflito árabe-israelense (1948 em diante) e do canal de Suez (1956), na guerra da Argélia (1954-1962), nas muitas insurreições pela independência dos países africanos e asiáticos ou na revolução cubana (1956-1959).

João XXIII, perante o aprofundamento das desigualdades e desiquilíbrios entre o norte e o sul do mundo, e sensível ao clamor desses povos, apontava como tarefa da Igreja às vésperas do Concílio:
“Em face dos países subdesenvolvidos, a Igreja apresenta-se – tal qual é e quer ser – como a Igreja de todos e particularmente a Igreja dos pobres” .

Um trabalho missionário comum

No campo religioso cristão, o evento mais significativo foi a confluência de várias iniciativas em favor de um trabalho missionário comum (Conferência Missionária de Edinburgh – 1910); de um testemunho cristão vivo nos ambientes universitários secularizados, do empenho em favor da paz, do combate à fome, às doenças e ao analfabetismo (Movimento Vida e Ação) e da superação das diferenças doutrinais e práticas (Movimento Fé e Constituição), que desembocaram na criação do Conselho Mundial de Igrejas em 1948, em Amsterdam, na Holanda. Convidada, a Igreja Católica deixou de participar ao mesmo tempo em que o Santo Ofício emitia um Monitum (1948), proibindo os católicos de tomarem parte em iniciativas ecumênicas e contrastando com o convite do episcopado holandês para que todas as paróquias católicas orassem pelo êxito da Assembleia ecumênica de Amsterdam.

Pio XII foi um Papa que abriu o diálogo com as ciências modernas; legou-nos a encíclica Mistici Corporis (1943), que ultrapassou a visão meramente jurídica da Igreja; a Mediator Dei (1947), que estimulou o movimento litúrgico. Restabeleceu a Vigília Pascal (1951) e implantou a reforma litúrgica da Semana Santa (1954). Deu-nos a encíclica Divino Afflante Spiritu (1943), a carta magna dos estudos bíblicos no campo católico; estimulou a Ação Católica, inclusive a especializada que floresceu entre os jovens com a JOC (Juventude Operária Católica), JAC (Agrária), JEC (Estudantil), JUC (Universitária); convocou o 1º Congresso Mundial do Apostolado dos Leigos (1951) e, ao término do XXXIV Congresso Eucarístico Internacional do Rio de Janeiro (1955), a primeira Conferência geral do Episcopado Latino-americano da qual nasceu o Conselho Episcopal Latino-americano, o CELAM (1955). Em 1957, fez o apelo para os países da Europa e dos Estados Unidos enviassem como missionários não só religiosos e religiosas, mas também padres diocesanos, às jovens igrejas da África e América Latina.

Por outro lado, Pio XII reprimiu a Nouvelle Théologie (Encíclica Humani Generis, 1950), colocando no ostracismo teólogos do porte de Yves Congar, Henri de Lubac ou pensadores reconhecidos nos meios científicos, como Teilhard de Chardin. Proibiu igualmente o movimento dos padres operários, deixando um grande trauma na Igreja da França. Seus esforços pela paz foram dificultados de um lado pela virulenta perseguição religiosa nos países comunistas e, de outro, pelo alinhamento quase automático da Santa Sé a um dos lados da guerra fria, o campo ocidental. Ao não substituir o secretário de estado, Cardeal Luigi Maglioni à sua morte (1944); ao perder seu auxiliar mais direto, Mons. Giovanni Baptista Montini, substituto da Secretaria de Estado, nomeado arcebispo de Milão (1954), ao não criar novos cardeais desde então e ao não substituir os postos vacantes à frente dos dicastérios romanos, os últimos anos de seu pontificado foram marcados por estagnação, intrigas e desânimo. A partir de 1961, com a peça de teatro, o Vigário, lançou-se uma sombra sobre sua figura pelo alegado silêncio durante a II Guerra Mundial, frente ao Holocausto, em que pesem sua decidida atuação para oferecer abrigo e proteção nos conventos e mesmo no Vaticano a milhares de judeus perseguidos na Itália e o ativo papel de núncios e delegados apostólicos, como Roncalli na Turquia, responsável pelo salvamento de dezenas de milhares de crianças judias retiradas dos países ocupados pelos nazistas no leste europeu e encaminhadas para o então Protetorado britânico da Palestina.


IHU On-Line - Dada a situação eclesial naquele contexto histórico, quais os principais desafios para por em prática, no Concílio, o desejo de João XXIII de um aggiornamento eclesial e de uma abertura pastoral ao mundo contemporâneo?

José Oscar Beozzo -
Havia desafios de ordem interna e externa. Internamente, um longo percurso histórico havia levado a uma crescente centralização eclesiástica. Perdeu-se na Igreja latina, ao consumar-se a ruptura entre o oriente e ocidente cristãos (1054), o contrapeso da tradição oriental de caráter mais sinodal e não monárquico.

As reformas de Gregório VII (1073-1084) desiquilibraram em favor dos clérigos e em detrimento dos leigos a balança do poder na Igreja.

A contrarreforma católica no Concílio de Trento (1545-1563) enrijeceu a doutrina tanto do lado católico quanto do protestante. Empobreceu de certo modo ambas as tradições. As afirmações centrais da reforma (só a escritura, só a graça, só a fé, só o Cristo e glória somente a Deus), todas elas justas, salvo em sua ênfase exclusivista, colocavam em cheque o papel da tradição, de outra autoridade que não fosse a das Escrituras, do papel das obras como concretização na ordem prática da fé e da graça, do papel da comunidade eclesial de ser sinal na palavra e nos sacramentos da presença viva do Cristo. 

No plano eclesial, o Concílio Vaticano I havia levado a um exacerbamento da autoridade pontifícia em detrimento daquela própria do colégio dos bispos e de cada pastor em sua diocese; do centralismo romano em prejuízo da legítima autonomia das igrejas particulares; a uma exaltação da Igreja latina em desfavor das Igrejas católicas orientais, submetidas a constante pressão para se “latinizarem”.

Na ordem externa, a Igreja esta confrontada com a modernidade. Retomo as palavras do atual Papa, teólogo no concilio e que assim descreve esta problemática:

“No grande debate sobre o homem, que distingue o tempo moderno, o Concílio (segundo Paulo VI) devia dedicar-se de modo particular ao tema da antropologia. Devia interrogar-se sobre a relação entre a Igreja e a sua fé, de um lado, e o homem e o mundo de hoje, de outro (Discurso de encerramento do Concilio, pp. 1066ss.). A questão torna-se ainda mais clara, se em vez do termo genérico de "mundo de hoje" escolhêssemos outro mais exacto: o Concílio devia determinar de modo novo a relação entre a Igreja e a era moderna. Esta relação tinha tido um início muito problemático com o processo a Galileu. Rompeu-se depois totalmente, quando Kant definiu a "religião no contexto da pura razão" e quando, na fase radical da revolução francesa, se difundiu uma imagem do Estado e do homem que para a Igreja e para a fé praticamente não desejava conceder qualquer espaço. O conflito da fé da Igreja com o liberalismo radical e também com as ciências naturais que pretendiam envolver com os seus conhecimentos toda a realidade até aos seus extremos, propondo-se insistentemente de tornar supérflua a "hipótese de Deus", tinha provocado no Século XIX, sob Pio IX, por parte da Igreja ásperas e radicais condenações de tal espírito da era moderna. Portanto, aparentemente não havia mais qualquer espaço aberto para uma compreensão positiva e frutuosa, e eram igualmente drásticas as rejeições por parte daqueles que se sentiam os representantes da era moderna. Enquanto isso, porém, também a era moderna conheceu desdobramentos. Percebia-se que a revolução americana tinha oferecido um modelo de Estado moderno diferente daquele teorizado pelas tendências radicais originadas na segunda fase da revolução francesa. As ciências naturais começavam, de modo sempre mais claro, a refletir sobre o próprio limite, imposto pelo seu próprio método que, mesmo realizando coisas grandiosas, todavia não era capaz de compreender a globalidade da realidade. Assim ambas as partes começavam progressivamente a abrir-se uma à outra. No período entre as duas guerras mundiais, e ainda mais depois da segunda guerra mundial, homens de Estado católicos demonstraram que pode existir um Estado laico moderno, que porém não é neutro em relação aos valores, mas vive haurindo das grandes fontes éticas abertas pelo cristianismo. A doutrina social católica, pouco a pouco desenvolveu-se e tornou-se um modelo importante entre o liberalismo radical e a teoria marxista do Estado. As ciências naturais, que sem reserva professaram um método próprio no qual Deus não tinha acesso, percebiam cada vez mais claramente que este método não compreendia a totalidade da realidade e abriam portanto novamente as portas a Deus, sabendo que a realidade é maior do que o método naturalista e daquilo que ele possa abranger. Poder-se-ia dizer que se formaram três círculos de perguntas, que agora no momento do Vaticano II, esperavam uma resposta. Antes de mais, era preciso definir de modo novo a relação entre fé e ciências modernas; isto dizia respeito, finalmente, não apenas às ciências naturais mas também à ciência histórica pois numa determinada escola, o método histórico-crítico reclamava para si a última palavra na interpretação da Bíblia e, pretendendo a plena exclusividade para a sua compreensão das Sagradas Escrituras, opunha-se em pontos importantes da interpretação que a fé da Igreja tinha elaborado. Em segundo lugar, era preciso definir de modo novo a relação entre a Igreja e o Estado moderno, que abria espaço aos cidadãos de várias religiões e ideologias, comportando-se em relação a estas religiões de modo imparcial e assumindo simplesmente a responsabilidade por uma convivência ordenada e tolerante entre os cidadãos e pela sua liberdade de exercer a própria religião. A isto, em terceiro lugar, estava ligado de modo geral o problema da tolerância religiosa uma questão que exigia uma nova definição sobre a relação entre a fé cristã e as religiões do mundo. Em particular, diante dos recentes crimes do regime nacional-socialista e, em geral, num olhar retrospectivo a uma longa e difícil história, era preciso avaliar e definir de modo novo a relação entre a Igreja e a fé de Israel” .

A lacuna nesta visão e a percepção de que a modernidade e o século das luzes na Europa produziram em outras partes do mundo um implacável colonialismo que dizimou e submeteu politicamente e explorou economicamente povos em todos os quadrantes do mundo, das Américas à Ásia, passando pela África de onde foram tirados e transportados para a América cerca de 12 milhões de escravos. Esta face obscura da modernidade emergiu de maneira fragmentada e menor no Concilio, embora fosse resgatada no Grupo Igreja dos Pobres que conclui o Concílio com o célebre Pacto das Catacumbas. Parte da angústia e clamor desses povos aparece em alguns pontos da Gaudium et Spes e encontra-se no entro da encíclica Populorum Progressio (1967) e nos documentos de Medellín (1968).

IHU On-Line - Sabe-se que nas 10 Comissões preparatórias dos trabalhos do Concílio, mesmo havendo presença internacional, a maioria dos participantes era europeia. Como isso incidiu no desenvolvimento do Concílio e para a presença e atuação dos bispos provenientes do Terceiro Mundo, em ascensão naquele momento?

José Oscar Beozzo -
O grande feito de João XXIII foi determinar, ao contrário do que sucedeu no Vaticano I, uma ampla consulta para se estabelecer a agenda do Concílio. Envolveu a escuta de todos os bispos, prelados ou prefeitos apostólicos com responsabilidade sobre alguma circunscrição eclesiástica; dos superiores maiores das ordens e congregações religiosas mais importante; das faculdades de teologia e universidades católicas e de todos os organismos da Cúria Romana. É sobre este vastíssimo material, uma vez analisado e sistematizado, que se debruçaram as dez comissões nomeadas por João XXIII no dia 05 de junho de 1960:

Comissão dos Bispos e governo das dioceses;
Comissão para a disciplina do clero e do povo cristão;
Comissão dos Religiosos;
Comissão da disciplina dos Sacramentos;
Comissão da Sagrada Liturgia;
Comissão dos Estudos e dos Seminários;
Comissão da Igreja Oriental;
Comissão das Missões;
Comissão do Apostolado dos leigos, para todas as questões que dizem respeito à ação católica, religiosa e social.

As comissões tinham à frente o Cardeal Prefeito do respectivo dicastério romano encarregado ordinariamente daquela temática. Com isto, conseguiu o Papa que a Cúria se envolvesse com a preparação conciliar. Por outro lado, essa decisão condicionou todo o trabalho preparatório, que ficou quase que por inteiro sob o controle da Cúria Romana. De modo especial, a Comissão Teológica estava em mãos do Santo Ofício e era dirigida pelo todo poderoso e temido Cardeal Alfredo Ottaviani.

Outro problema que afetou as comissões foi a sua composição. Em um primeiro relance, tem-se a impressão de que o desejo de João XXIII de que o conjunto da Igreja — geográfica, cultural e teologicamente, na diversidade de suas escolas e tendências — estivesse envolvido na preparação, fora cumprido. Na realidade, porém, não foi o que aconteceu de todo. Não se pode negar a grande diversidade geográfica e canônica dos 846 integrantes dos organismos preparatórios, divididos entre membros (466) e consultores (380).

Geograficamente, repartindo-se estas pessoas por local de trabalho, o resultado é o seguinte:

Membros e consultores das comissões conciliares preparatórias

REGIÃO NÚMEROS PERCENTUAL
Europa 636 75,09%
Estados Unidos e Canadá 52 + 22 = 74 8,77%
América Latina 52 6,13%
Ásia 52 6,13%
África 21 2,48%
Oceania 11 1,29%
TOTAL 847 100,00%

O quadro não deixa dúvida quanto ao peso excepcional dos europeus no processo de preparação. Ocupam três quartos das posições, ficando os 25% restantes para os demais continentes. Dentro da Europa, a Cidade do Vaticano (319) e a Itália (72) somados (391) perfazem 61% dos integrantes das comissões. Certos países europeus ganharam uma representação importante em relação aos países dos demais continentes: França (62); Alemanha (50); Espanha (33); Bélgica (18); Grã-Bretanha (16), Holanda e Áustria, 11 cada um. É minguada a representação latino-americana e muito mais ainda a africana e a oceânica. A Ásia, com quatro vezes menos o número de católicos em relação à América Latina, igualava a sua representação.

Canonicamente, estavam as pessoas assim distribuídas:

73 cardeais (dez dos quais religiosos);
5 patriarcas (dois dos quais religiosos);
127 arcebispos, 85 como membros e 43 consultores (24 dos quais religiosos);
135 bispos, 80 membros e 55 consultores (31 dos quais religiosos);
212 sacerdotes do clero secular, 102 membros e 110 consultores;
286 religiosos, 114 membros e 172 consultores;
8 leigos, 7 membros e 1 consultor.

Outro elemento que salta à vista é o restritíssimo número de leigos. Entre estes não havia nenhuma mulher! Comenta Komonchak:

Sete leigos serviam no secretariado administrativo, mas em todas as Comissões Preparatórias que elaboraram textos para o Concílio havia apenas um leigo, F. Vito, que servia na ST [Comissão de Estudos e Seminários]. De fato, apesar dos esforços de seu presidente e secretário, nenhum leigo foi nomeado sequer para o Apostolado dos Leigos, a comissão criada para discutir seu apostolado.  Nem é preciso dizer, nenhuma mulher, religiosa ou leiga, prestou serviços em qualquer uma das Comissões Preparatórias.

Neste grande conjunto de 846 pessoas havia apenas dez brasileiros: 4/466 como membros (0,85%) e 6/380 como consultores (1,57%). No conjunto geral, a participação brasileira alcança pouco mais do que 1% (1,18%). Damos abaixo a lista dos membros brasileiros:

Dom Jaime de Barros Câmara, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, RJ, na Comissão Central e, dentro desta, na Subcomissão do Regulamento;
Dom Alfredo Vicente Scherer, arcebispo de Porto Alegre, RS, na Comissão Teológica;
Dom Antônio Maria Alves de Siqueira, arcebispo auxiliar de São Paulo, SP, na Comissão da Disciplina dos Sacramentos;
Mons. Joaquim Nabuco, na Comissão Litúrgica;

Consultores

Dom Helder Pessoa Camara, arcebispo auxiliar do Rio de Janeiro, RJ, na Comissão dos Bispos e do Governo das Dioceses;
Dom Geraldo Fernandes Bijos, bispo de Londrina, PR, na Comissão dos Bispos e do Governo das Dioceses;
Dom Alfonso M. Ungarelli, Prelado Nullius de Pinheiro, MA, na Comissão da Disciplina dos Sacramentos;
Frei Boaventura Kloppenburg OFM, na Comissão Teológica;
Pe. Estevão Bentia,  na Comissão das Igrejas Orientais;
Dom José Vicente Távora, bispo de Aracaju, SE, no Secretariado da Imprensa e do Espetáculo.

O espinhoso problema da fase preparatória só foi superado com a rejeição na primeira congregação geral ordinária da proposta feita pelo Secretário geral de que fossem eleitos para as comissões conciliares, boa parte daqueles que haviam integrado as comissões preparatórias. A proposta foi rejeitada e procedeu-se três dias depois a eleição de 34 listas elaboradas pelos episcopados. Nesse momento, o controle do Concílio deslocou-se da Cúria Romana para a assembleia conciliar. O resultado prático foi de que dos 72 esquemas preparatórios, apenas um, o da Liturgia, sobreviveu. Todos os demais foram rejeitados pela assembleia conciliar como base para os seus trabalhos.

IHU On-Line - Entre os padres conciliares que atuaram nos trabalhos do Concílio, quais foram figuras-chave nos debates, encaminhamentos e tomadas de decisão? Por quê?

José Oscar Beozzo -
Emergiram figuras chave, por conta do seu papel institucional, seja porque ocupavam a secretaria geral, como Mons. Pericle Felici, seja porque faziam parte do Conselho de Presidência, como os cardeais Tisserant, seu presidente, ou os cardeais Achille Lienart de Lille na França, o Cardeal alemão Frings de Colônia ou o Cardeal Alfrink de Utrecht na Holanda. Outros ainda por integrarem, a partir do segundo período conciliar, o quarteto dos moderadores encarregados de presidir rotativamente as congregações gerais: o Cardeal Agagianian dos armênios e membro da Cúria Romana, o cardeal Giacomo Lercaro de Bologna, na Itália, o Cardeal Julius Dopfner de Munique na Alemanha e o Cardeal Leo-Joseph Suenens de Malinas-Bruxelas na Bélgica. Deve ser destacado o Cardeal Suenens, por sua personalidade que se impunha, por contar com um grupo de teólogos de primeira linha vindos da Universidade de Lovaina, por seu fácil acesso ao Papa e por estabelecer, via Dom Hélder Câmara, uma ponte com os episcopados do terceiro mundo e com as conferências episcopais dos diferentes países. 

Outros eram reconhecidos por sua competência ou autoridade moral e intelectual ou por representarem determinadas correntes teológicas ou pastorais. Cabe especial destaque ao Cardeal Agostino Bea, por presidir o Secretariado para a União dos Cristãos e encarnar o propósito ecumênico do Concílio, estar em contato praticamente diário com os observadores das outras igrejas cristãs e por integrar as várias comissões mistas encarregadas de reelaborar esquemas cruciais como os da Dei Verbum, Dignitatis Humanae, Nostra Aetate e Gaudium et Spes. Num sentido oposto encontrava-se o Cardeal Ottaviani que presidia o Santo Ofício, a Comissão Teológica e era visto como o principal representante e guardião da doutrina tradicional e opositor dos novos rumos tomados pelo Concilio. Finalmente, havia figuras representativas de articulações que se formaram ao longo do Concilio. Pela minoria conciliar, impôs-se figura do ex-arcebispo de Dakar no Senegal e ex-superior geral dos padres espiritanos, Marcel Lefebvre, embora quem carregasse o peso do secretariado do Coetus Internationalis Patrum fosse o brasileiro, Dom Geraldo Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina, MG e o que mais intervenções fez em nome do grupo fosse Dom Antonio de Castro Mayer, bispo de Campos e Dom Carli, bispo de Segni na Itália.

Dentre os brasileiros a figura maior foi Dom Hélder Câmara por ocupar até 1964 a secretaria geral da CNBB e a vice-presidência do CELAM, por haver tomado a iniciativa de organizar um encontro semanal dos presidentes ou secretários das conferencias episcopais. Esse grupo converteu-se em referencia para todos os debates e decisões conciliares, tendo sido reconhecido como o que mais influência exerceu sobre a marcha do Concílio. Dom Hélder tornou-se rapidamente uma das figuras mais solicitadas da mídia internacional, tanto pelas rádios e televisões, como pelos jornais e revistas.

No plano latino-americano, o mais influente foi Dom Manuel Larrain, bispo de Talca no Chile, um dos vice-presidentes e depois presidente do CELAM que congregava os mais de 600 bispos da América Latina e do Caribe. Contava com o apoio irrestrito do seu amigo Hélder Câmara e do cardeal de Santiago, Dom Silva Henriquez. 


IHU On-Line - Quais foram os pontos nodais das discussões em torno ao esquema relativo à Igreja? Como se chegou à estruturação da Lumen Gentium como a recebemos no final do Concílio?

José Oscar Beozzo -
Os pontos nodais foram quatro: a definição da Igreja como POVO de DEUS, a afirmação de que esta se encontra a serviço do REINO DE DEUS, a doutrina da COLEGIALIDADE EPISCOPAL e de que junto com Pedro, o colégio episcopal detém o supremo poder sobre a Igreja. Finalmente, o reconhecimento de que há uma única Igreja de Jesus Cristo que subsiste na Igreja católica, mas que se encontra presente nas outras Igrejas. Define-se, portanto, o ecumenismo como tarefa imprescindível para que se restabeleça e fulgure a unidade entre todos os cristãos, como semente da unidade entre todos os seres humanos, que foram parte da única família da qual Deus é o Pai comum.

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