sexta-feira, 29 de julho de 2011

Belo Monte: Desobediência Civil, Violência e Religião

Por Rosalvo Salgueiro, coordenador do Serviço Paz e Justiça SERPAJ-Brasil

Todo governo, por mais poderoso e avassalador que seja só se sustenta se tiver a aquiescência e a colaboração dos governados, por outro lado, a legitimidade e autoridade de um governo não residem exclusivamente em sua legalidade, mas também e principalmente na justiça de suas práticas e busca verdadeira do bem comum das suas decisões.
O cidadão antes de ser súdito é ser humano e como tal tem a orientar sua vida e seu proceder não apenas as leis e as ordens escritas emanadas pelos poderes e constituídos. Deve ele em primeiro lugar obediência à própria consciência que se funda em leis morais, éticas e religiosas, e porque não dizer, culturais. Assim, antes de obedecer cegamente uma lei ou uma ordem está o ser humano obrigado a se perguntar pela justiça e a moralidade do ditame a ser obedecido.
Há quem sustente que a desobediência civil seja um ato egoísta e um golpe mortal na democracia, e um desrespeito ao governo da maioria. Não se pode olvidar que a democracia não é apenas o governo da maioria. É isto sim, o governo da maioria, mas respeitando e defendendo o direito da minoria. Destarte, não apenas os governos manifestamente tiranos e ditatoriais podem ser legitimamente desobedecidos, mas todo governo ou autoridade que profira leis ou ordens injustas e que violentem a consciência das pessoas ou os direitos naturais.
Ao longo da história da humanidade, muitas foram as ocasiões em que se praticou desobediência civil, em todos os casos os acontecimentos futuros legitimaram essa prática.
Comumente se reconhece como precursores e expoentes da desobediência civil, o ativista americano do século 19, Hanry David Thoreau, que é tido como o sistematizador dessa prática, também são lembradas e aplaudidas as ações do líder indiano e profeta da Não-Violência Mahatma Gandhi, e do pacifista negro americano Martin Luter King.
Na maioria das culturas podem ser encontrados esses momentos. Na Bíblia, entre tantas, temos a história das parteiras Fua e Séfora que desobedeceram ao Faraó que lhes ordenara que matassem os filhos varões das mulheres hebréias. (Ex. 1, 15-22),
Desobediência Civil é diferente de manifestações populares e a pressão legítima que se exerce contra determinado ato do poder constituído para que atenda determinada reivindicação. Para haver a desobediência é necessária existência de uma autoridade, uma ordem ou uma lei injusta a ser afrontada, à qual, pelo menos em tese se deveria obedecer.
O dever de obediência reside na justiça e não a legalidade! Todo governo injusto e imoral que não oriente suas leis e ações na busca do bem comum e não se mostre sensível às reclamações, reivindicações e à participação democrática, deve ser desobedecido, ter a legitimidade contestada e a cooperação negada. A desobediência deve ser pública e de forma não-violenta.
Na America Latina mesmo depois da redemocratização e da eleição de governos chamados de “esquerda” há muitos casos em que não resta à população outra alternativa que não seja a prática efetiva da desobediência civil.
Na Nicarágua, o estilo autoritário do presidente Daniel Ortega, assim como sua prática de perseguir adversários políticos, está levando antigos companheiros de Revolução Sandinista a apoiar e praticar a Desobediência Civil, como é o caso do padre Ernesto Cardenal, do ex-comandante Sérgio Ramires, da defensora dos Direitos Humanos Vilma Nuñes, do cantor e compositor Carlos Mejia Godoy e tantos outros.
Na Argentina, o Prêmio Nobel da Paz e presidente internacional do SERPAJ-AL, Serviço Paz e Justiça na América Latina, Adolfo Pérez Esquivel juntamente com outros intelectuais lideram lutas contras a mineração de ouro a céu aberto e outras agressões ao meio ambiente. Adolfo Esquivel diz:“... não apenas somos a favor da desobediência civil como a temos praticado, não apenas contra as mineradoras, mas também contra a destruição dos bosques e a violação dos Direitos Humanos na Argentina e por toda a America Latina...”
No Brasil, o governo Lula retomou um projeto da época da Ditadura Militar de construir na Amazônia uma série de mega usinas hidrelétricas, sendo a primeira delas, a Barragem de Belo Monte, no Rio Xingu, no Estado do Pará. Esta será a terceira maior hidrelétrica do mundo, ficando atrás apenas das Três Gargantas na China e da Itaipu Binacional, Brasil/Paraguay. Para uma produção de 11.223 Mw, que devido ao regime de chuvas local, será alcança somente durante quatro meses por ano, no mais terá uma produção sustentada, não superior a 4.700 MW, essa barragem vai criar um lago de 516 km² cobrindo a floresta, além da construção de dois canais de 500 metros de largura por 35 km de comprimento cada um, maior que o canal do Panamá, em plena selva amazônica. Esses canais desviarão o rio do seu curso natural convertendo-o num filete d’água em uns trechos e completamente seco noutros, numa alça mais de 100 quilômetros do Xingu conhecida como Volta Gr ande.
A construção já foi contratada no dia 20 de abril último, em Brasília, por 19,6 milhões de reais, por meio de um conturbado processo de licitação que envolveu muito embargos e recursos judiciais, e que culminou com um leilão em que da apresentação, leitura das propostas, suas avaliações, proclamação do resultado e encerramentos levaram tão só sete minutos. Tudo sob intensos protestos de grupos indígenas, ONGs naturalistas e de Defesa dos Direitos Humanos.
Segundo José Ailton de Lima, diretor de energia e construções da CHESF - Companhia Hidroelétrica do São Francisco, empresa que lidera o consórcio ganhador do leilão, os trabalhos começarão em no máximo seis meses, tempo necessário para atender algumas exigências burocráticas. A obra vai atrair para região mais de 100 mil pessoas entre trabalhadores diretos e infra-estrutura de apoio, que certamente demandarão mais áreas da floresta que também serão desmatadas para sua instalação.
Para dar lugar ao lago serão removidas mais de 20 mil famílias que vivem na região, inclusive da zona rural de Altamira. Esta barragem vai modificar profundamente o estilo de vida e atingir pelo menos 15 etnias indígenas, inclusive algumas isoladas, (ainda não contatadas pelo homem branco) que vão perder suas áreas de caça, pesca e cultivo, e serão obrigados a abandonar suas terra e seus lugares sagrados onde vivem em harmonia com a natureza, praticam sua cultura, sua religião, e cultuam seus ancestrais.
A comunidade científica brasileira e internacional têm demonstrado de maneira cabal que o Brasil tem muitas outras e melhores alternativas para gerar energia, inclusive com menor custo, que vão da a re-potenciação das hidrelétricas antigas, a otimização da capacidade já instalada até a utilização do potencial eólico e solar que são abundantes no país.
A Igreja através de Dom Erwin Kräutler, bispo de Altamira a principal cidade da região e presidente do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), e mesmo da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), assim como, as lideranças indígenas e os movimentos ambientalistas têm feito todo esforço para convencer o presidente Lula e seu governo dos enormes prejuízos sociais e danos ambientais que essa barragem trará, alertando para as graves conseqüências não só para a população local, mas que também contribuirá fortemente para o aquecimento global e provocará alteração climática prejudicando todo o planeta.
O diálogo com a comunidade indígena, nesses casos, é uma obrigação prevista na Constituição Federal do Brasil em seu artigo 231 e só teve início por imposição do poder judiciário, e ainda assim aconteceu de “mentirinha”, tudo já estava definido antes das consultas, o que se viu foi uma tremenda manipulação e feroz brutalidade do governo ao impedir que os verdadeiros e reconhecidos líderes indígenas participassem livremente do processo de consultas, essa prática foi amplamente denunciada na ocasião, pelos caciques Raoni Metuktire e Megaron Txucarramãe, assim como pelas organizações não governamentais e a Igreja. Além da constituição de seu país, Lula desrespeita também tratados internacionais como Convenção 69 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que o Brasil assinou se comprometendo a obter o consentimento prévio dos indígenas antes de tomar medidas que os afetem diretamente.
O governo brasileiro, através da Resolução nº 102, de 13 de abril de 2010, do Conselho da Justiça Federal (CJF), criou às pressas a 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da Capital do Estado do Pará, que será especializada em julgar questões agrárias e ambientais retirando assim do juiz de Altamira, que tem reconhecido o direito dos índios e ribeirinhos, a competência para julgar os assuntos relacionados com construção da Barragem de Belo Monte. Casuísmos como este, configuram uma clara manipulação do poder judiciário brasileiro.
Ao se fechar para o diálogo, inclusive violando a Constituição do País, e manipulando o Poder Judiciário, o governo não deixa à sociedade outra alternativa de ação além da desobediência civil.
Nenhum governo pode simplesmente tomar suas decisões e fazer suas obras ao arrepio da lei e da opinião pública, ele precisa sempre se justificar e tentar ganhar os corações e as mentes dos cidadãos, principalmente em tempos de eleição.
Se as pessoas e movimentos sociais e ambientais que se opõem a essa barragem conseguirem mostrar para o conjunto da sociedade, inclusive a nível internacional o desastre que essa obra significa, puxando a opinião pública para o seu lado, que hoje em razão a insignificante cobertura dos meios de comunicação ignora os fatos, há chances efetivas de forçar o governo a voltar atrás ou pelo menos adiar essa tragédia.
A região aonde vai ser criado o lago abriga uma extra-ordinária biodiversidade cujas espécies se contam às centenas, sendo que algumas estão ameaçadas de extinção e outras são endêmicas (só ocorrem ali) existem também muitas espécies que ainda nem foram catalogadas e que se perderão para sempre.
O EIA (Estudo de Impactos Ambientais) feito pelo próprio governo dá conta de que ali já foram encontrados e catalogados: 174 espécies de peixes, 387 de répteis, 440 de aves e 259 de mamíferos, sem se falar dos insetos, fungos e todas as espécies de vegetais.
Cobrir com água a floresta é mais grave que simplesmente queimá-la, pois a decomposição de corpos orgânicos submersos tira o oxigênio da água e emite gás metano (CH4), para a atmosfera e provoca o aquecimento global, e é extraordinariamente mais prejudicial que o dióxido de carbono (CO²), que é o gás emitido na queima de materiais orgânicos e combustíveis fósseis.
Existe um embate midiático a ser travado, quem levar a melhor nessa área vencerá esse confronto. Cabe aos movimentos planejar eventos e criar fatos que sejam notícias, e que os meios de comunicação de massa não possam ignorá-los ou esconde-los, ainda que o queiram.
A causa é nobre e tem conseguido mobilizar personalidades importantes de todos os setores sejam da política, das artes, e das religiões, como é o caso do senador Pedro Simon entre outros, do cineasta e diretor da mega produção e mega sucesso hollyoodiana Avatar, James Cameron e o cantor de rock o inglês Sting, do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, assim como de expressivos teólogos da libertação como os brasileiros Frei Betto e Leonardo Boff, além de cientistas mundialmente conhecidos como Célio Bermann e Paulo Buckup, e muitos outros, ainda falta, entretanto, ganhar mais espaço nos meios de comunicação, que na verdade é quem faz a opinião pública.
Numa relação de injustiça a solidariedade vem sempre em favor do injustiçado, assim o movimento precisa ter o cuidado de não sair desse pólo da ação, deixando-o livre para ser assumido pelo governo, coisa que o presidente Lula sabe fazer muito bem.
Muitas são as ações concretas que os movimentos podem lançar mão, é importante que sejam fortes e impactantes e que possam facilmente ser compreendidas e aceitas pela população para que então, responda de forma solidária.
Como a primeira ação concreta de desobediência civil nessa luta, após a conclusão do processo de licitação, que foi o leilão realizado pelo governo do dia 20 de abril último, liderados pelo cacique kayapó Megaron Txucarramãe indígenas do Parque Nacional do Xingu paralisaram o serviço de travessia da balsa no Rio Xingu.
Os líderes indígenas encaminharam um comunicado ao comando da Polícia Militar de São José do Xingu explicando a ação. “A gente quer fazer um movimento pacífico e por isso pedimos ajuda para que a polícia não deixe os carros descerem para usar a balsa.”
Na correspondência eles informaram que o fechamento da travessia do Rio Xingu é por tempo indeterminado e deixam claro que o motivo do protesto é devido ao leilão realizado de Belo Monte (hidrelétrica do Rio Xingu) da qual não se aceita que o governo mantenha a construção.
A carta aberta do cacique Megaron ao presidente Lula deixa claro os objetivos e a disposição dos índios: Nós não somos bandidos, nós não somos traficantes para sermos tratados assim, o que nós queremos é a não construção da barragem de Belo Monte. Aqui nós não temos armas para enfrentar a força, se Lula fizer isso ele quer acabar com nós como vem demonstrando, mas o mundo inteiro vai poder saber que nós podemos morrer, mas lutando pelo nosso direito.”
Muitas outras ações podem ser realizadas, tais como a recusa decidida e consciente das pessoas em deixar suas terras para dar lugar ao lago, ou mesmo a ocupação dos canteiros e escritórios das empresas impedindo assim o avanço das obras. Cada ação deve ser analisada e assumida no momento, e da forma que se considere estratégicos para a sua prática.
Aqui estão presentes todos os elementos que justificam a desobediência civil, estão presentes: a causa justa, a autoridade arrogante, a lei e a ordem injusta que deve ser desobedecida, o povo consciente organizado e disposto a resistir, a articulação nacional e internacional. Falta ainda melhor articulação com a mídia.
A luta contra essa barragem de Belo Monte tem, pois, todos os ingredientes e as possibilidades de ser a maior experiência de desobediência cível da história na América Latina, com reais possibilidades de ser vencedor e um marco histórico na luta mundial para a salvação do planeta.

Ainda o fundamentalismo


Por Leonardo Boff

O ato terrorista perpetrado na Noruega de forma calculada por um extremista norueguês de 32 anos, trouxe novamente à baila a questão do fundamentalismo. Os governos ocidentais e a mídia induziram a opinião pública mundial a associar o fundamentalismo e o terrorismo quase que exclusivamente a setores radicais do Islamismo. Barack Obama dos USA e David Cameron do Reino Unido se apressaram em solidarizar-se com governo da Noruega e reforçaram a idéia de dar batalha mortal ao terrorismo, no pressuposto de que seria um ato da Al Qaeda. Preconceito. Desta vez era um nativo, branco, de olhos azuis, com nivel superior e cristão, embora o The New York Times o apresente “sem qualidades e fácil de se esquecer”.

Além de rejeitar decididamente o terrorismo e o fundamentalismo devemos procurar entender o porquê deste fenômeno. Já abordei algumas vezes nesta coluna tal tema que resultou num livro “Fundamentalismo,Terrorismo, Religião e Paz: desafio do século XXI”(Vozes 2009). Ai refiro, entre outras causas, o tipo de globalização que predominou desde o seu início, uma globalização fundamentalmente da economia, dos mercados e das finanças. Edgar Morin a chama de “idade de ferro da globalização”. Não se seguiu, como a realidade pedia, uma globalização política (uma governança global dos povos), uma globalização ética e educacional. Explico-me: com a globalização inauguramos uma fase nova da história do Planeta vivo e da própria humanidade. Estamos deixando para trás os limites restritos das culturas regionais com suas identidades e a figura do estado-nação para entrarmos cada vez mais no processo de uma história coletiva, da espécie humana, com um destino comum, ligado ao destino da vida e, de certa forma, da própria Terra. Os povos se puseram em movimento, as comunicações colocaram todos em contacto com todos e multidões, por distintas razões, começar a circular pelo mundo.
Esta transição não foi preparada, pois o que vigorava era o confronto entre duas formas de organizar a sociedade: o socialismo estatal da União Soviética e o capitalismo liberal do Ocidente. Todos deviam alinhar-se a uma destas alternativas. Com o desmonte da União Soviética, não surgiu um mundo multipolar mas o predomínio dos EUA como a maior potência econômico-militar que começou a exercer um poder imperial, fazendo que todos se alinhassem a seus interesses globais. Mais que globalização em sentido amplo, ocorreu uma espécie de ocidentalização mundo. Ela funcionou como um rolo compressor, passando por cima de respeitáveis tradições culturais. Isso foi agravado pela típica arrogância do Ocidente de se sentir portador da melhor cultura, da melhor ciência, da melhor religião, da melhor forma de produzir e de governar.

Essa uniformização global gerou forte resistência, amargura e raiva em muitos povos. Assistiam a erosão de sua identidade e de seus costumes. Em situações assim surgem, normalmente, forças identitárias que se aliam a setores conservadores das religiões, guardiães naturais das tradições. Dai se origina o fundamentalismo que se caracteriza por conferir valor absoluto ao seu ponto de vista. Quem afirma de forma absoluta sua identidade, está condenado a ser intolerante para com os diferentes, a desprezá-los e, no limite, a eliminá-los.

Este fenômeno é recorrente em todo o mundo. No Ocidente grupos significativos de viés conservador se sentem ameaçados em sua identidade pela penetração de culturas não-européias, especialmente do Islamismo. Rejeitam o multiculturalismo e cultivam a xenofobia. O terrorista norueguês estava convencido de que a luta democrática contra a ameaça de estrangeiros na Europa estava perdida. Partiu então para uma solução desesperada: colocar um gesto simbólico de eliminação de “traidores” multiculturalistas.

A resposta do Governo e do povo norueguês foi sábia: responderam com flores e com a afirmação de mais democracia, vale dizer, mais convivência com as diferenças, mais tolerância, mais hospitalidade e mais solidariedade. Esse é o caminho que garante uma globalização humana, na qual será mais difícil a repetição de semelhantes tragédias.

Rondônia continua sendo palco de discriminação contra os indígenas


Essa semana, mais uma vez, Rondônia foi palco de episódios de discriminação e desrespeito contra os indígenas. No domingo, 24 de julho, a indígena Lione de Oliveira Barbosa, morreu em decorrência de um acidente de transito. Seu pai, Elias Figueira Barbosa, do povo Migueleno, procurou então, a chefia da Casa de Saúde Indígena (Casai) de Porto Velho para solicitar o auxílio funeral, ao que obteve uma negativa sob o pretexto de que sua filha não teria direito ao auxílio por não possuir a carteira indígena.

Tal alegação para a negativa do auxílio somente comprova que as exigências absurdas, antes impostas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), agora continuam pela Secretaria Especial de Atendimento à Saúde Indígena (Sesai). Essa exigência foi proibida pelo Ministério Público Federal, que comprovou que os indígenas não necessitam desse documento para receber o atendimento diferenciado, como rege a legislação das políticas públicas aplicadas a eles.  

O absurdo cometido contra a indígena do povo Migueleno, confirma ainda a política discriminatória e antiindigena de que são vítimas os indígenas que vivem nos centros urbanos.

Nem mesmo atendimento no serviço social da cidade foi possível, pois era domingo, dia em que o espaço fica fechado.

Fonte Cimi Regional Rondônia

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Questão de fé

 Comentário de Ricardo Noblat

Para não ser acusado de tratar com má vontade todos os governos, deixo de lado, por ora, meu natural ceticismo e sugiro que combinemos assim: apesar de ter sido a mais poderosa e eficiente executiva da história da Casa Civil da presidência da República, Dilma não fazia a mínima ideia da roubalheira perpetrada no ministério dos Transportes.

Falha dela? Talvez sim, talvez não. Mas como Lula em sua infinita sabedoria observou certa vez, que mãe pode afirmar com segurança que sabe tudo o que seus filhos estão fazendo? Impossível! É fato que uma mãe ou um pai não dispõe dos órgãos de controle e fiscalização postos a serviço do governo, mas...

Esqueçam a frase que arremata o parágrafo anterior, expressão do vezo de quem foi instado durante mais de 40 anos a só acreditar em algo depois de esgotadas todas as dúvidas. Como não existe verdade absoluta e, portanto, jamais as dúvidas se esgotam... Perdão! Esqueçam também todo este parágrafo.

Retomo minha profissão de fé naquilo que as almas mais cândidas batizaram de “faxina ética”. E digo: Dilma não sabia da roubalheira. Ponto.

Se quiserem dizer que isso compromete sua imagem de executiva implacável, que o digam.

E tem mais: Paulo Sérgio Passos, novo ministro dos Transportes, também não sabia.

De fato, ele está no ministério desde 1973. Ocupou a secretaria-executiva, o segundo cargo mais importante, entre 2001 e 2003 e novamente em 2007. E de março do ano passado até dezembro substituiu o ministro Alfredo Nascimento, que deixou o cargo para ser candidato a um segundo mandato de senador pelo PR do Amazonas.

Paulo Sérgio é economista. Filiou-se ao PR só para que o partido pudesse se orgulhar de dispor de todos os cargos importantes do ministério. “Porteira fechada” – sabe como é?

O ministério era de Nascimento, do deputado Valdemar Costa Neto (SP), réu no processo do mensalão do PT, e de outras figurinhas carimbadas do PR. E estamos conversados.

Paulo Sérgio não era ouvido nem cheirado por essa gente sobre fraudes em licitações, absurdos aditivos em contratos milionários, superfaturamento e cobrança de comissões generosas para abarrotar os cofres do PR ou os bolsos dos seus caciques. Escondiam tudo do coitado. Não era da turma.

Talvez fosse por isso que Lula tanto gostasse dele. E Dilma também. Era um puro.

Outra coisa que precisa ficar clara: na condição de céptico em recesso, repilo a insinuação de que Dilma só decidiu promover uma “faxina ética” no ministério dos Transportes porque pegaria mal não fazê-lo depois de o lamaçal vir à tona.

Verdade que ela não pensou em faxina quando concluiu que o ministério estava “fora de controle”.

Esbravejou, espancou a mesa de reuniões da sala vizinha ao seu gabinete no Palácio do Planalto e concluiu que o ministério carecia de babás. Ofereceu-se para ser uma delas. As outras seriam as ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann.
A ficha de Dilma só caiu ao saber que a Polícia Federal acumulara provas dos trambiques e se preparava para prender alguns suspeitos. Aí veio a imprensa e começou a disparar denúncias.

Ok, mas e daí? Dilma correu atrás do prejuízo e cortou cabeças – 17 até o último fim de semana. É isso o que importa. Lula jamais procedeu assim.

Os demitidos serão punidos um dia? Difícil prever. Não é tarefa de Dilma. É da Justiça, lenta, lerda e cega.
A faxina se estenderá a outros ministérios? Dependerá do que a imprensa descobrir. Ou do que vazarem para ela.

Sarney ensinou a seus sucessores que o primeiro compromisso de um presidente deve ser com sua própria sobrevivência.

Há corrupção em quase todas as instâncias do governo. Os partidos brigam por cargos não para ajudar o governo, mas para desviar o máximo de dinheiro possível. A “governabilidade” depende do apoio que eles ofereçam ao governo. E esse apoio vale mais do que os milhões de votos obtidos por Dilma.

Querem o quê? Que Dilma se suicide?

Menos!

sábado, 23 de julho de 2011

Precisamos resgatar a cidadania dos acreanos e acreanas

Recentemente vivi uma experiência absurda no trecho entre Rio Branco e Manoel Urbano, cidade do interior do Estado do Acre. Primeiramente procurei na rodoviária por um ônibus que pudesse me levar até manoel Urbano, onde visitaria um amigo. Não havia e não há ônibus para aquela localidade. Imediatamente me vi cercado por um grupo de pelo menos cinco homens se oferecendo para me levar por meio de um sistema de "táxi" tipo lotação, mas primeiro eu deveria encontrar mais quatro pessoas para 'completar'. Isso era por volta das 08:00 horas.

Lá pelas 11:00, finalmente! a lotação estava completa. Ainda passamos por três bairros diferentes para pegar passageiros. Quando finalmente conseguimos deixar a cidade de Rio Branco já passava de meio dia e a fome insistia em se fazer presente mesmo sem ter sido convidada. Mas não era tudo!

Durante todo o percurso, todo mesmo, o motorista, um senhor com cara de mau e uma ligeira cicatriz no lado direito da face (percebi ainda antes de entrarmos no carro), cujo nome me lembrava o de uma fruta muito comum na região sudeste do Brasil, e isso me incomodava bastante, nos obrigava a ouvir músicas protestantes (evangélicas). Todas com letras do tipo: Sonda-me; Usa-me; Abraça-me... Some se a isso o calor absurdo que fazia e a poeira que nos segava e congestionava as vias respiratórias.

A uma certa altura finalmente o homem "fruta" com cicatriz parou e disparou: "na paz do Senhor podemos almoçar! Ao que imediatamente respondi: Graças a Deus!

Que sorte a minha! no local onde paramos, uma quitanda do tipo "tem mas tá em falta", não havia nada que se assemelhasse a um almoço. Havia apenas biscoitos do tipo Militos e suco "natural" de diversas cores. Não me contive e perguntei: porque não paramos naquele restaurante que vi logo alí atrás? O dono de lá não congrega e preferímos aqui no estabelecimento do irmão fulano. Acreditem, também alí estavam ouvindo uma tal de "Sonda-me".

O desespero começou a tomar conta de mim e passei a odiar o meu amigo. Porque diabos ele fora morar naquela cidade para onde eu estava indo? Todos por lá seriam iguais aos que comigo estavam no carro, principalmente iguais ao homem fruta? Não poderia imaginar ter que ouvir meu amigo ao me abraçar dizer: "abraça-me e usa-me". Meu Deus, isso seria o fim! Não! definitivamente não. Meu amigo não poderia ter mudado tanto! Por um momento fiquei pensando mas logo a realidade voltou a me chamar. Era hora de retornarmos à estrada.

Sonda-me, Abraça-me... e lá fomos nós. Nunca me senti tão desrespeitado em toda a minha vida e nunca fui tão agredido por um "taxista" que transformou o seu carro em uma ceita ambulante recheada de intolerãncia e baseada unicamente na recompensa pessoal. Entendi, depois daquele prenúncio do inferno, porque essa gente, como o homem fruta, precisa nos fazer acreditar que o inferno é aqui. Para que possamos realmente crer que o inferno é aqui, imagino, é que conseguem transformar uma viagem de passeio em um grande pesadelo.

Foi por essa experiência que decidi entrar na campanha "Diga Não ao Comércio da Fé"! Já estou anunciando que vou batalhar para que os taxistas sejam obrigados a respeitarem os seus passageiros e não transformem seus veículos em pequenos templos onde impera o desrespeito e a intolerância. Não podemos continuar assistindo (no caso seria mais correto ouvindo) calados. Nosso Estado é leigo e não pode estar a serviço de um projeto do tipo: "o Acre para Jesus" e, nem nossas autoridades como o Ministério Público Estadual podem permitir que supostos profissionais do volante atuem em nome de igrejas e desrrespeitem os direitos do consumidor.


Só restou o medo, Envergonhadas, índias relatam terem sofrido abuso sexual

O sentimento é de medo, vergonha e discriminação. É o que relatam à Folha quatro jovens índias da etnia mura, que dizem ter sido vítimas de abuso sexual praticado por turistas norte-americanos em excursões de pesca esportiva em rios da Amazônia.

A reportagem é de Kátia Brasil e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-07-2011.

Segundo elas, os estupros aconteceram há, no mínimo, seis anos. As vítimas afirmam que nunca conseguiram esquecer. Os turistas eram brancos, tinham mais de 40 anos, bebiam e tiravam fotos pornográficas.

Envergonhadas e com medo de serem discriminadas, as quatro deixaram a aldeia, na zona rural de Autazes, cidade ribeirinha a 118 km de Manaus. No local, o tema abuso sexual é tabu.

O caso veio à tona após a publicação de uma reportagem do jornal "The New York Times", no último dia 9. 

Segundo o jornal, a empresa de turismo norte-americana Wet-A-Line Tours é investigada pela Justiça do Estado da Geórgia (EUA) sob suspeita de explorar o turismo sexual no Brasil.

As jovens aceitaram falar sob a condição de manterem o anonimato. "Minha família não sabe que aconteceu isso comigo. Por isso saí da aldeia e vim morar aqui na cidade. Eles não sabem de uma coisa dessa, não permitem", disse E. Na época, ela tinha 16 anos. Hoje, está com 22.

Elas vivem em extrema pobreza, em palafitas na periferia da cidade. Sobrevivem graças a programas sociais.

"As pessoas da cidade nos olham incomodadas com a situação. Até para conseguir trabalho é difícil. Não saio de casa por isso", disse U., hoje com 28 anos.

O principal investigado nos EUA é o norte-americano Richard Schair, dono da agência Wet-A-Line Tours.

No Brasil, ele e mais cinco brasileiros são processados na Justiça Federal no Amazonas sob a acusação de dez crimes, entre eles, estupro, favorecimento a prostituição infantil e formação de quadrilha. Em depoimento à polícia, eles negaram.

Segundo a Polícia Federal, mais de 15 meninas de aldeias de Autazes foram aliciadas com a promessa de trabalho e salário em dólar. A maioria delas tinha menos de 18 anos na época.

Segundo relatos das vítimas, os abusos ocorreram entre 2000 e 2009.

Hoje com 19 anos, a jovem I. conta que tinha 15 anos quando foi chamada para ser ajudante de cozinha em um dos barcos da Santana Turismo Ecológico, do brasileiro José Lauro Rocha da Silva, parceiro de Schair.

"Estava na cozinha quando eles me chamaram para o quarto. Fiquei nervosa, com medo. Voltei quatro vezes para o quarto, cada vez com um homem diferente. Era contra a minha vontade. Meu sentimento foi de nojo."

Uma das jovens afirmou que foi procurada em junho por um homem que disse trabalhar nos barcos de Lauro e Richard. Ele teria oferecido dinheiro caso elas retirassem o depoimento.

Procura era por menores de 16 anos

Meninas menores de idade, preferencialmente abaixo dos 16 anos, era um pedido especial do americano Richard Schair e de seus clientes na agência Wet-A-Line, afirma o processo que corre contra ele nos EUA por suspeita de explorar o turismo sexual no Brasil.

A reportagem é de Luciana Coelho e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 17-07-2011.

No documento, obtido pela Folha, Schair é acusado, entre outras coisas, de estuprar uma menina brasileira de 12 anos e de forçá-la a fazer sexo com seus clientes.

Em curta conversa com o "New York Times", Schair disse ser inocente.

A Folha teve acesso a parte substancial do processo, aberto no mês passado em uma corte distrital do Estado da Geórgia por quatro brasileiras de origem indígena, todas menores de idade na época dos supostos crimes.

Dois brasileiros - Adilson Garcia da Silva e seu irmão Admilson, ambos funcionários de Schair - são citados, mas apenas o americano e sua empresa de turismo, fechada em 2009, são réus.

"Adilson recrutava meninas jovens a pedido e sob orientação deSchair, de seus funcionários mais graduados e de seus clientes, que frequentemente pediam meninas jovens, abaixo da idade de consentimento", diz o texto. 

Na maior parte dos EUA, essa idade é 16 anos.

Um dos episódios descritos no processo é o estupro de uma menina de 12 anos, anonimamente chamada de "C".

"A bordo do barco, um funcionário do réu levou "C" e outras meninas para a cabine onde o réu dormia. Ele acordou e começou a bolinar "C". Quando ela rejeitou suas avançadas, o réu a forçou a fazer sexo com ele."

O escritório de advocacia King & Spalding assumiu o caso sem custos, por meio do grupo de proteção dos direitos da mulher Equality Now. Foi pedida uma indenização e o julgamento com júri.

Schair pediu uma suspensão do processo alegando haver mais investigações em curso, mas o tribunal informou à Folha que a ação prossegue normalmente

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Usina de Belo Monte faz suas primeiras vítimas



Sem ter para onde ir, famílias dos baixões vivem primeiros desesperos causados pela Usina

Ruy Marques Sposati*
De Altamira (PA)



Vão subindo para um dos pontos mais altos da cidade. Trazem no ombro foices, enxadas e facões. E crianças no colo. O sol corta o rio Xingu, ainda gelado.

Vinte de maio, era o princípio de uma ocupação urbana de famílias sem-teto em Altamira, no Pará. Eu estava lá; chegara algumas horas antes e podia ver se aproximarem, de cima, as pessoas, os cachorros, as conversações. Um pouco de barulho matinal.

Esta era a segunda ocupação na cidade nos últimos dias. As duas estão na conta da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Trinta mil famílias alagadas – e nem sinal de indenização. Dizem que em Tucuruí, no processo da construção, ocorreram 37 ocupações – o que significa que, aqui, estamos apenas no começo.

As mulheres iam roçando e dividindo os lotes: 20 por 10 metros. Os homens iam roçando e dividindo os lotes: 20 por 10 metros. As crianças não se divertiam. Fogueiras queimavam cobras e alguma juquira. No cadastro improvisado, 135 famílias. No terreno cabem mais ou menos 200 famílias, guardando o devido espaço para ruas, escola, posto de saúde e centro comunitário.

Segundo dia de ocupação. Vinham mais famílias às bicas; carregavam consigo garrafas térmicas com o café fraco e borrento e potinhos com bolos e cozidos, e mais crianças. Atrás delas, vinha a polícia. Com as armas. Atrás deles, os cachorros.

Um delegado muito sóbrio vinha com um título de propriedade em punho. Ali dizia: terreno da Eletronorte. Achava tratar-se do mandado de reintegração de posse. “Mas, seu guarda, onde tá o mandado e reintegração de posse?”. Com esta pergunta fui levado para a delegacia e indiciado por esbulho possessório e acusado de liderar a tropa. As famílias são despejadas sob cassetetes e spray de pimenta. A polícia leva todas as ferramentas.

Caças e rojões

Duas horas depois, cabisbaixo, saía da DP, quando topo com a frota de bicicleta: era a rapaziada da ocupação que havia me seguido até a delegacia. Com a prisão, fiquei carimbado entre os ocupantes como aliado. Sorriem: “Bora conhecer onde a gente mora. Você come caça?”. Era hora do almoço. Havia uma bicicleta para mim.

Chegamos ao baixão da Aparecida, bairro quente e pobre situado na área que será diretamente alagada pela construção de Belo Monte. Um tecnobrega no carro com alto-falantes no porta-malas; ouviremos isto por todo o almoço.

Corredores estreitos ladeados por pequenos quartinhos. A primeira porta do barraco está trancada com cadeado. “O rapaz daqui fugiu. Era ele e o irmão aí nesse quarto. O cara aumentou, não tiveram dinheiro pra pagar o aluguel e fugiram. A gente cobriu pro dono não pegar, a gente sabe onde eles estão, leva comida”, contam.

Subimos uma escada de ripa apodrecida. “O aluguel lá embaixo começou em 70 [reais] e tá em 200. Aqui em cima agora tá 250. Agora eu divido o quarto com ele”, aponta, com gracejo, para o melhor amigo. “Minha mulher sempre falou que era só o que faltava: eu mudar logo pra casa dele”.
Este é o contexto de 178 famílias – segundo o último levantamento do censo – que ocupam um terreno em desuso há mais de 30 anos na parte alta de Altamira. Estas famílias são parte de um universo de 6.500 famílias de bairros paupérrimos da cidade, conhecidos como baixões, que deverão ser alagados caso a usina seja construída.

Por caça, entenda-se catitu – ou porcão, ou porco-do-mato. Definitivamente, a melhor carne das redondezas, seguida pela de jabuti. Vão preparando o carvão e fazendo a vaquinha da cerveja. São bastante jovens, mas fanáticos por carimbó. Se auto-intitulam “Verequete”, em referência ao rei do carimbó.

Quando o local ia se esvaziando, um “verequete” surge disparando rojões como um aviso para que todos voltassem ao terreno.

Largam os barracos e rumam novamente à ocupação. E adormeceram lá, de um dia para o outro. Uma fileira extensa de redes com muitas cores e muita gente dentro.

Mais uma vez a polícia

Terceiro dia. Ressurge a polícia, novamente sem mandado, mas com um elemento surpresa: balas de borracha e bombas de gás. Despejam, desta vez, ao menos 350 ocupantes. Trinta e duas pessoas foram detidas e levadas à delegacia – entre elas, três menores de idade. Recolhem novamente todas as foices e facões. “A gente compra outros”, diz um dos manifestantes.






Mas a dor das pessoas não sai no jornal. A ação policial foi violenta, mas não apareceu na imprensa local. “Eles chegaram com tudo, apontando arma na nossa cara”, disse um dos despejados. “Aproveitaram a hora do almoço e o fato de não ter nenhum canal de televisão aqui naquela hora”. Enquanto colhíamos estes depoimentos, era possível ouvir o som de mais bombas e tiros na área interna do terreno. Não era permitido à imprensa entrar para acompanhar a ação da PM.



 “Se este terreno é da Eletronorte, por que a empresa não vem aqui dizer onde é que a gente vai ficar?”, questionou I., moradora da Invasão dos Padres, bairro que será atingido por alagamento. “A empresa vai botar o povo debaixo d’água. Se ela tem coragem de mandar expulsar a gente, como não tem coragem de enfrentar o povo, de dizer que a gente vai ficar no fundo? Igualem Tucuruí. Minha casa está até hoje no fundo lá e eu nunca recebi um real”, gritava para a imprensa uma das sem-teto ocupantes. Sua mãe fora detida pela polícia.

Área em disputa


Apesar de ter sido identificada como de posse da Eletronorte pela polícia, a posse da área ocupada pelos sem-teto é disputada por empresários da cidade.

O diretor da rádio e TV Vale do Xingu, grupo ligado ao político Domingos Juvenil (PMDB-PA), Miguel Ceci foi à imprensa local (leia-se, o próprio canal) reivindicar a posse do terreno e pedir que a polícia tomasse providências quanto à desocupação. Ceci ameaçou ostensivamente os sem-teto e agrediu um cinegrafista local com um facão.

Outro elemento, identificado como Ubiratan e que se dizia “amigo do proprietário”, intimidava os ocupantes e a imprensa, e discursava para os presentes responsabilizando o Bispo da Prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário, Dom Erwin Krautler, como o causador dos problemas. “Vocês acham que uma pessoa de Deus teria sido ameaçado de morte? O Bispo é a besta-fera”, bradou para um grupo de homens que olhava a ocupação, próximo à sua caminhonete com placa de Macapá (AP).

No entanto, a versão oficial da posse da área veio com a polícia. O delegado garantiu aos moradores que o documento era legítimo, embora o papel que possuísse em mãos fosse apenas uma cópia gasta pelo tempo, o que não permitia uma análise apurada. Ainda mais se tratando de um documento baseado em coordenadas geográficas latitudinais e longitudinais. Não deu tempo de ligar o GPS.