quarta-feira, 23 de abril de 2025

A CANOA, UM POVO

 

                                                                                                       

Lindomar Dias Padilha[1]                                                                                                      

I.             Introdução

A proposta deste trabalho é inicialmente apresentar ao leitor parte do tema sobre o qual me propus a discorrer em minha tese de doutorado que versará sobre a relação entre as conquistas territoriais do povo Apolima-Arara e a importância de suas manifestações míticas e espirituais neste processo. Para isso entendo, e este é o centro do atual trabalho, ser necessário narrar um pouco de como se deu o primeiro contato meu com este povo. Procurarei descrever o principal fato, o encontro, a partir da canoa e, em seguida, a vida vivida naqueles primeiros anos onde a escassez era a regra e os conflitos eram intensos, mas a história se fazia. A partir da visualização da canoa, posteriormente, pudemos visualizar o povo. Essa passagem da canoa ao povo é muito importante para que possamos compreender como isso resultou no, digamos, reencontro de um povo com seu território na busca por direitos. O trabalho está dividido em três momentos que se entrelaçam na construção do evento como todo. A canoa, que nos permitiu acessar o povo, quem são os Apolima-Arara e finalmente, a reconquista do território, sendo esta terceira parte um fechar como considerações. Pelo certo, dado que farei uma recuperação histórica, devo considerar que segundo BOAS (1896, p. 37) investigação histórica deve ser o teste crítico demandado pela ciência antes que ela admita os fatos como evidências, tomarei por base histórica as próprias pesquisas e conclusões apresentadas no relatório de identificação e delimitação do território.

Além de dados históricos, por certo farei uso de minhas próprias observações sempre considerando o que diz MALINOWSK (1978, p. 22) que um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos permitir distinguir claramente de um lado, os resultados da observação direta e das declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor. Pelo fato de eu me fazer presente no processo desde o primeiro contato com o Povo Apolima-Arara, se torna impossível não recorrer às minhas memórias e outros registros pessoais.

Considero a escrita deste trabalho um revisitar os anos compreendidos entre 1998 e 2023, ano em que a terra dos Apolima-Arara foi finalmente homologada, mesmo que por lá ainda estejam algumas famílias de nawá, não indígena na língua Apolima-Arara. Porém, farei um recorte temporal menor, de 1999 a 2009 por ser o tempo em que ocorreram os principais acontecimentos. Tomarei por base os princípios da observação participativa nos termos de Malinowsk

Os princípios metodológicos podem ser agrupados em três unidades: em primeiro lugar. é lógico, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna. Em segundo lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o que significa, basicamente, viver mesmo catre os nativos, sem depender de outros brancos. Finalmente, deve ele aplicar certos métodos especiais de coleta, manipulação e registro da evidência. (MALINOWSK, 1978, p.24).

Na atualidade, apresentarei apenas entrevistas realizadas com o cacique, via rede social, quando este se encontrava na cidade. Saliento que, como tratarei de fatos pretéritos, há uma dificuldade adicional que é aplicar e relacionar teoria sobre fados dados. Mas, aqui trago uma outra perspectiva: “o lugar da militância”. O lugar de minha formação militante foi que me possibilitou realizar tais observações e construir essas narrativas, sobretudo porque a base teórica só a estou podendo vislumbrar agora. Ao final retornarei a esta ideia.

 

II         A canoa

 

            O ano era 1999. No dia 09 de setembro daquele ano, iniciamos a histórica viagem e expedição rumo ao Alto Rio Juruá e seus afluentes, a partir da cidade de Cruzeiro do sul, estado do Acre até a fronteira com o Peru. Digo que foi histórica porque foi nesta viagem que encontramos o povo Apolima-Arara. Nossa modesta expedição contava comigo, Rose, Rosildo que era indígena pertencente ao povo Jaminawa Arara e Sr. Raimundo, barqueiro e comandante do batelão[2] de nome ajurí[3] de posse da equipe do Cimi. Também levávamos uma pequena canoa para ser utilizada nos igarapés onde o batelão não conseguisse entrar.

            A viagem, em seus primeiros dias principalmente, apresentou inúmeras dificuldade decorrentes sobretudo de nosso desconhecimento da região e, como arigós[4] que éramos, não imaginávamos encontrar tais obstáculos. O pior deles, porém, foi a severa seca do Rio Juruá naquele mês de setembro.

            Era 23 de setembro, uma quinta feira. Após quatorze dias de viagem, nos encontrávamos já próximo à sede do município de Marechal Thaumaturgo, cerca de oito praias, quando Rose avistou uma canoa que lhe pareceu diferenciar das que os ribeirinhos normalmente utilizam e me convidou para também observar a tal canoa. Fiz sinal para que o comandante parasse o batelão e retornasse para o local onde tínhamos avistado a canoa, o que ele fez de pronto. Ancoramos o batelão no barranco próximo à canoa e constatamos que de fato era muito diferente das demais que conhecíamos na região.

            A canoa era construída de um único tronco tendo suas proa e polpa arredondadas. Medindo cerca de cinco metros de cumprimento e a parte mais larga cerca de 80 centímetros, com madeira claramente cavada como que escupida. No interior da canoa três pequenos paus roliços serviam de banco. Um design inconfundível e uma verdadeira obra de engenharia aeronáutica. Na proa da canoa um cipó cujo nome não me fora dito, voltava-se para o alto do barrando até uma pequena árvore onde se encontrava cuidadosamente amarrado, uma âncora em direção oposta à água. Em relação a madeira utilizada e o processo de confecção daquele modelo de canoa o cacique Francisco me informou por meio de entrevista, via mensagens de áudio em rede social, que:

Outra coisa, seu Lindomar, referente a madeira que o senhor perguntou que a gente faz de um pau só é utilizado, às vezes, o Cumarú. Principalmente o Cumarú que é um pau melhor de abrir no fogo e a Guariúba. Esses dois são os pau melhor que tem para trabalhar aquele tipo de canoa. A gente abre no fogo. Primeiramente a gente cava, né? E aí quando tá cavada a gente abre ela no fogo. Tem dois tipos de fazer ela. Já diretamente cavada, sem ser preciso abrir no fogo e também ela já feita para abrir no fogo. Ela fica mais moldeada, né? Boleada. Mas a madeira mais utilizada mesmo é o Cumarú e a Guariúba. (SIQUEIRA, entrevista concedida em 26/07/24).

            Embora eu já soubesse o nome da madeira usada na fabricação daquele modelo de canoa, e o leitor saberá como eu soube do nome mais ao final, optei por consultar o cacique para maior legitimidade e atualização deste tipo de informação. Nesta entrevista, o cacique Francisco, também conhecido como Chiquinho Arara, explica o tipo de madeira utilizada para a construção daquele modelo de canoa e ainda explica, mesmo que de forma rápida, o processo de confecção da canoa. A entrevista indica ainda que eles continuam fazendo este tipo de canoa, digamos, tradicional e de forma artesanal. Ao final apresentarei uma foto que fiz de uma dessas canoas em 2023.

Decidimos subir o barranco, eu e Rose porque os demais permaneceram no batelão, para ver se encontrávamos o dono da canoa. O barranco estava muito alto porque o nível das águas do rio estava muito baixo em razão da seca já mencionada. Assim que subimos o barranco, nos deparamos com uma pequenina casa de madeira e coberta com palhas, elevada cerca de 1,30 metros do chão, típicas da região. Avistamos um senhor com traços marcadamente indígenas aparentando ter seus 70 anos, mais ou menos, de bermuda e sem camisa que ao nos ver apenas se acocorou em uma espécie de trapiche que avia logo na frente da casa, como se fosse uma pequena varanda sem cobertura. Atrás dele havia uma menina moça aparentando uns 15 anos de idade, que ao nos ver tratou de fugir pelos fundos da casa e esconder-se na mata.

Depois de longos segundos de silêncio total, resolvemos iniciar uma conversa. Iniciamos por nos apresentar. Dissemos quem éramos, para quem trabalhávamos e qual era o nosso interesse naquela região pouco visitada. Diante da dificuldade de estabelecermos um diálogo, perguntei se aquela canoa no rio era dele e aí sim, ele respondeu que sim. Então, indagamos a razão de ser uma canoa tão diferente das demais? Neste momento aparece uma terceira pessoa, também um senhor aparentando ter 70 anos mais ou menos. Este, porém, estava de bermudas, com camisa e ainda um boné de cor acinzentada. Somente com a chegada deste segundo senhor é que a conversa pode fluir melhor, tanto que depois de alguns minutos a menina foi chamada a retornar à casa.

O primeiro senhor finalmente se apresentou e em seguida tratou de apresentar os demais. Ele era Thaumaturgo de Azevedo, a moça chamava-se Celiene e era neta de seu Thaumaturgo. O outro senhor era chamado por Zé do Basílio. Seu Thaumaturgo falava misturando o português com espanhol e outra língua que não era possível identificar, mas foi possível a compreensão. Inicialmente seu Thaumaturgo, com muita desconfiança de nós, procurou desqualificar nosso trabalho associando-nos à Fundação Nacional do Índio – Funai, que hoje se chama Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Ao ler Gluckman pude entender melhor o sentimento do senhor Thaumaturgo.

Contudo, como Fortes já salientou, "os agentes de contato" são "em larga escala, personalidades socialmente estereotipadas, tanto do ponto de vista dos nativos quanto do ponto de vista dos órgãos da civilização europeia, para quem funcionam como instrumentos". (GLUCKMAN, 2010, p. 332).

Os “agentes de contato”, lá como neste caso com os primeiros Apolima-Arara, fomos tratados como representantes do governo e isso criava uma barreira enorme entre nós. Todavia, com o tempo e com algumas intervenções do Sr. Zé do Basílio, seu Thaumaturgo foi se acalmando e pude finalmente perguntar a ele se eu podia tomar nota de algumas coisas sobre sua história e o porquê de estarem ali, ao que hesitante, disse sim, mas não via em nós possibilidade de ajudá-los. Então começamos a fazer anotações em nossos diários de campo lembrando aqui do que dizia Malinowsk:

devemos não só anotar os acontecimentos e detalhes ditados pela tradição como pertencentes à própria essência do ato, mas também registrar as atitudes de atores e espectadores, umas após as outras. (MALINOWSK, 1978, p. 35).

Quase lacrimejando, seu Thaumaturgo passou a contar a sua história, a história de dor e desterritorialização de seu povo. Quando terminei de anotar o seu relato perguntei se poderia levar aquelas informações às autoridades e ele disse sim, recobrando o semblante com uma leve expressão de esperança. Tanto que pedi para tirar uma foto deles e ele permitiu, não sem antes trocar umas poucas palavras com o Zé do Basílio e passar as mãos pelo rosto por umas duas vezes. Aquela atitude me fez pensar que ele ainda estava sob sentimentos ambíguos ou dúvidas. Então fiz a foto! Estávamos diante não apenas de três pessoas, mas de um povo que se revelava a nós, ao estado do Acre e ao Brasil. Sublime alegria a minha! E tudo por causa de uma canoa!

 

II.     Os Apolima-Arara

 

Em minha dissertação de mestrado PADILHA (2021, p. 69) destaco que as primeiras referências conhecidas aos Arara (Xawanáwa) do alto Juruá foram feitas no início do século XX, e que segundo PEREIRA NETO (2004, p. 26), é possível que naquele tempo mais de um grupo fosse chamado do mesmo modo ou de forma semelhante, localizando-se alguns deles, inclusive, na região do rio Tarauacá. Importa explicar aqui que o Rio Tarauacá, embora não seja afluente do Rio Juruá, àquela época era considerado um rio pertencente à administração do Alto Juruá.

um relatório da Prefeitura do Alto Juruá mencionava a existência de numerosas malocas indígenas naquele departamento citando na bacia dos rios Tarauacá e Envira as tribos dos aninauás, ararapinas, ararauás, canamaris, capanáuas, caiuquinas, caxinauás, contanauás, curinas, curinas espinhos e bocas pretas, aninauás, marinauás e tuxinauás. (MENDONÇA, 1998, p. 194).

Talvez seja justamente por isso que no povo Apolima-Arara há uma predominância dos ditos “Arara” pois, na verdade há uma miscigenação muito grande entre outros povos, especificamente, segundo COUTINHO (2003, p. 1) os Amawáka, Koníbo, Santa Rosa, Kampa e Kaxinawá. Esta miscigenação se deveu por algumas razões, mas especialmente pelo recrutamento forçado de indígenas para trabalharem no corte da seringa nos seringais por meio de ataques conhecidos como correrias[5] em toda a região.

Tentativas de retornarem ao território de origem foram feitas, mas a Funai, quando fez a demarcação do território para os Ashaninka do Rio Amônia, território contiguo ao hoje território dos Apolima-Arara, não procurou demarcar também a terra dos Apolima-Arara o que resultou em uma nova dispersão do povo que, mais uma vez foi expulso de seu território. Essa foi a segunda explicação mais dolorida que ouvi de própria boca de seu Thaumaturgo

Aparentemente, a FUNAI não se deu conta do que tinha ocorrido no rio Amônia até o ano de 1999. Nessa época, a equipe do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Cruzeiro do Sul, nas pessoas de Lindomar Dias Padilha e Rosenilda Nunes Padilha, dirigiu ao chefe do Posto Indígena da FUNAI naquela cidade, Hudson de Melo Barros, um expediente datado de 18.11.1999 afirmando, entre outros assuntos, que durante uma viagem pelo alto Juruá nos dias 13 e 14 daquele mês haviam constatado a presença de um agrupamento indígena que denominaram 'Apolima'. (PEREIRA NETO, 2003, p. 56).

 

Aquele primeiro encontro com seu Thaumaturgo, Celiene e Zé do Basílio e a visita aos demais membros do povo que ficaram espalhados ao longo do Rio Amônia, afluente da margem esquerda do Rio Juruá, resultou em um relatório com fotos e textos apresentados à Funai que se comprometeu conosco a criar um grupo de trabalho para proceder à identificação do povo. Aqui cabe lembrar GEERTZ (2008, p. 14) quando diz que o etnógrafo "inscreve" o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente. A data apresentada pelo funcionário da Funai, à época chamado de “chefe de posto” em função do cargo, Sr. Hudson de Melo Barros, é bastante incerta.

A partir daquele primeiro encontro e após visitar os demais indígenas do povo espalhados pela região, nos programamos para realizar viagens mais frequentes e com maior permanência entre eles. Em menos de um ano decidiram retornar ao território de origem e passaram a viver em conjunto em uma só aldeia a qual denominaram Novo Destino. Inclusive seu Thaumaturgo que inicialmente estava descrente, voltou e foi morar na nova aldeia. Com o retorno ao território e a formação da aldeia, passamos a permanecer por dias e até meses morando com o povo para aprender melhor a história e a forma de viverem sua cultura. Além do aprendizado de minha parte, a convivência com eles também os ajudava a acreditar e lutar pela reconquista do território que se encontrava totalmente invadido.

 

III.    Considerações:

 

A partir da reconstituição da aldeia, além da esperança, aumentaram os conflitos e, portanto, aumentou muito a necessidade de me fazer presente por mais vezes e permanecer por mais tempo em cada uma dessas idas à aldeia. Aumento também a confiança deles em mim. Os cinco primeiros anos, enquanto me dedicava a escrever a história deles, fui também me apropriando de seu jeito de ser, de pensar de sonhar e pude, nesse processo, participar de diversos rituais. Não consegui refletir muito sobre os rituais porque a demanda para produzir documentos para encaminhar às autoridades e ainda o cuidado com a própria vida me consumia bastante.

Para produzir documentos confiáveis tínhamos, eu e os meus narradores, que centrar muito na condução histórica do processo e na formalidade. Não é fácil fazer registros sob forte pressão. Interessante que ao ler Malinowsk pude perceber com maior clareza aquilo que eu vivia e sentia quase que como uma intuição. Mas, ali também estava presente as informações adquiridas a partir da militância, o meu lugar. Me refiro mais especificamente à angústia de ter que fazer história, escrever no campo das leis, do direito e ainda fazer registros etnográficos.

Nas ciências históricas, como já foi dito, ninguém pode ser visto com seriedade se fizer mistério de suas fontes e falar do passado como se o conhecesse por adivinhação. Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas, não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de seres humanos. (MALINOWSK, 1978, p. 23)

            Fazer essa referência a Malinowsk não significa necessariamente confirmar e simplesmente reafirmar o método, mas é unicamente colocar-me diante da experiência. Certa feita, quando eu estava na mata acompanhando um grupo de homens que ao mesmo tempo que caçavam fiscalizavam o território. Pela hora do almoço nos reunimos todos no acampamento. Enquanto comíamos uma carne de veado que que Assis havia matado, o próprio Assis começou a falar sobre uma árvore que ele havia visto ali pelas redondezas. Ele descreveu a árvore com tanta precisão e interesse que eu tive que perguntar o porquê aquela árvore era tão importante para ele? Ele respondeu com uma espécie de devoção à árvore: “aquela árvore é Cumarú. O Cumarú anda na terra e na água, por isso ele é muito importante para nós”. Eu não entendi e resolvi acrescentar mais uma pergunta: como ele anda na água? Como isso é possível? “seu Lindomar, é com o Cumarú que fazemos nossas canoas”.

A única coisa que historiadores e etnógrafos conseguem fazer, e a única coisa que se pode pedir que façam, é expandir uma experiência particular para as dimensões de uma experiência geral ou mais geral, de modo que ela se torne, por essa razão, acessível enquanto experiência a homens de outras terras ou outro tempo. (GEERTZ,2008, P. 32).

Com essa fala de Geertz quero retornar ao ponto onde iniciei para reforçar minha convicção pessoal de que o grande encontro que tive com os Apolima-Arara foi na verdade conduzido inteiramente pelo “espírito do Cumarú”, a canoa!

 

Referências

 

Boas, Franz, 1858-1942. Antropologia cultural / Franz Boas; textos selecionados, apresentação e tradução, Celso Castro. - 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005

 

COUTINHO, Walter JR. Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Arara do Rio Amônia, Fundação Nacional do Índio – FUNAI, Brasília 2003.

 

GEERTZ, Clifford, A interpretação das culturas (1926) 1ª Ed. LTC, Rio de Janeiro, 2008.

 

GLUCKMAN, Max. Análise de uma situação social na Zululândia moderna. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 237-265.

 

MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Os Pensadores).

 

MENDONÇA, Belarmino. Reconhecimento do Rio Juruá (1905). Ed. Italiana e Fundação Cultural do Estado do Acre, coleção Reconquista do Brasil, vol. 152, Acre, 1989.

 

PADILHA, Lindomar Dias. Dissertação de mestrado. Direitos humanos e povos originários na Amazônia Ocidental: Demarcação dos territórios como fundamento para um modelo baseado no Bem Viver O caso Apolima-Arara. UCP,2020

 

PEREIRA NETO, Antônio “Relatório de conclusão da delimitação da terra indígena Arara do rio Amônia, município e Marechal Thaumaturgo-AC, em cumprimento à I.E. no 165/DAF de 04/12/03”. Brasília: FUNAI, 19 de janeiro, 2004.

 

SIQUEIRA, Francisco. Cacique do povo Apolima-Arara: entrevista concedida a Lindomar Padilha em 26 de julho de 2024.



[1] Doutorando em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas (PPGANT/UFPEL), mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Pós-graduado em Desenvolvimento Social no Campo: Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB), Filósofo indigenista.

[2] Nome dado na região embarcações de médio e grande porte, mas que têm o fundo chato e pequeno calado para facilitar a navegação em águas mais rasas, como era o caso no Alto Juruá.

[3] Significa “eu vim ajudar ou simplesmente mutirão. Palavra muito utilizada na Região Amazônica para designar a forma de produção das comunidades.

[4] No acre “arigó” inicialmente se referia aos nordestinos que vinham trabalhar no corte da borracha e, por não conhecerem a região, tinham dificuldade para locomoção entre as estradas de seringa.

[5] As correrias eram perseguições armadas aos povos indígenas que acompanharam a abertura e a instalação dos seringais no Acre, no final do século XIX e início do século XX.  Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kuntanawa#:~:text=%5BAs%20correrias%20eram%20persegui%C3%A7%C3%B5es%20armadas,e%20in%C3%ADcio%20do%20s%C3%A9culo%20XX%5D. Acessado em: 27/07/24.

sexta-feira, 21 de março de 2025

TEMPO DE DESCARTE

 

Meu tempo é liberdade!

(Sobre a Rose)

Há tempo para o tempo

O viver como passatempo

O não cronos, a arte

Não pode haver tempo de descarte

 

Há o tempo da Vida

Não pode haver o da cida

O tempo é o todo, não uma parte

O tempo da vida, não do descarte

 

Tempo ontem no ritual

No tempo presente, atual

Tempo linear... desastre

Tempo da mentira... descarte

 

Não me dói o tempo da dor

Poderia, porém, ser do amor

Dói o crime do bacamarte

Dói o crime do descarte

 

Mas, viverei no meu tempo!

Sempre!

quinta-feira, 13 de março de 2025

PEGUE A PORANGA QUE MADIJÁ ABRIU OS OLHOS!

Primeira assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre.

 

Lindomar Dias Padilha[1]

Com o tema TERRITÓRIO PROTEGIDO: Soberania Alimentar e Espaço de Políticas Públicas foi realizada a I Assembleia do povo Madijá do Rio Envira, no município de Feijó, no estado do Acre nos dias 30 de abril a 02 maio. Todas as aldeias das três terras indígenas localizadas no Médio e Alto Rio Envira: T.I Jaminawa/Envira, que acolheu os representantes delegados, T.I Igarapé do Pau e T.I Kulina[2] do Rio Envira além de outras três lideranças da Aldeia Macapá, município do Envira, AM. Ao todo 150 lideranças se juntaram à comunidade da aldeia “Jaminawa” para discutir seus problemas, compartilhar experiências, encontrar caminhos, exigir direitos e respeito. Abrir os olhos!

A assembleia Madjá do Rio Envira, faz parte de um conjunto de assembleias regionais e locais que o povo Madijá vem realizando com apoio do Cimi Regional Amazônia Ocidental no intuito de refletir sobre a dramática situação de violências, assassinatos, suicídios e quase que total abandono do poder público, vivida por este povo que é um grande povo com sua história escrita com suas próprias “tintas” na história dos povos indígenas da Amazônia Ocidental e mesmo na história do Brasil. Já foram realizadas quatro assembleias locais (por terras e aldeias mais próximas) restando ainda mais duas a serem realizadas. Uma na Aldeia Macapá, município de Envira, AM e outra no Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, AC. Ao final de todas essas assembleias, será realizada uma assembleia mais ampla e que reunirá todos os encaminhamentos, propostas e decisões tiradas nas assembleias locais.

Entretanto todos os documentos, encaminhamentos, propostas e decisões tomadas já durante a assembleia Madijá do Rio Envira, foram encaminhadas às autoridades e as reivindicações e demandas serão acompanhadas e seu cumprimento exigido. Os Madijá decidiram retomar a sua história em suas mãos e exigem respeito!

 

Caminhos e encontros:

 

Caudalosos e sinuosos são os rios que acolhem e transportam as histórias e a vida do povo Madijá e os Madijá, acolhidos, acolhem os rios e a partir deles seguem escrevendo e vivendo suas histórias. Histórias de rios, presente e graça de Tamaco e Quira, criadores do povo que é gente em si, nos rios e em tudo que a natureza, com seu sopro refrescante os presenteia e eles mesmos, como se fosse gesto de gratidão, nos presenteiam com sua singular existência. A dádiva que os criou nos é entregue por eles para que sejamos melhores e gratos.

Foi entendendo ser este navegar preciso que o povo Madijá se pós a caminho e no mesmo entendimento de navegar em solidariedade foi que o Cimi Regional Amazônia Ocidental se juntou neste navegar pelas calhas dos Rios Juruá, Envira Purus e dezenas de paranás e igarapés, revisitando “parentes” e contribuindo na construção de barcos, canoas e remos capazes de trazer de volta a dignidade e o respeito devido a este grande povo, o que também chamamos de liberdade! 

Madijá e Cimi iniciaram a navegação rumo ao município de Eirunepé, no Amazonas, descendo até o médio Juruá onde ancoraram na Terra Indígena Madijá do Médio Juruá, aldeia Eirú, no Rio Eirú. Diferente das caravelas dos invasores, os barcos Madijá traziam esperança e muita força e disposição para lutar e celebrar com os parentes. Foi a primeira assembleia local de retomada da história nas mãos. A esta se seguiram mais duas: Na Aldeia Piau, Município de Ipixuna, AM e Aruanã, no município de Envira, AM.  Todas no mesmo espírito, considerando alquimias e rituais até que...

Numa manhã chuvosa de final de inverno amazônico, uma terça feira, 25 do mês dedicado aos povos indígenas, vimos as cordas que prendiam o nosso batelão (barco feito em madeira) serem desamarradas libertando-nos para um navegar rio acima, rumo ao território do povo Madijá da Terra Indígena Jaminawa/Envira, Aldeia Jaminawa. O batelão seguiu nos conduzindo por quatro dias. Quatro dias pode parecer um tempo longo, mas nada se comparado à ansiedade por rever amigos e encontrar a verdadeira história, prestes a ser desvendada diante de nossos olhos que também precisavam ser abertos e desnuviados para enxergarmos os caminhos. Tal qual o seringueiro que “na estrada de seringa parte sempre do ponto de chegada”, assim nós, partíamos rumo ao nosso próprio encontro.

Como disse Euclides da Cunha em suas andanças por estas bandas: “Quando nos vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos, encantados, que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os iluminados”. Tanto mais agora que rumamos ao paraíso Madijá feito inferno pelo colonizador.

O batelão deslizava sobre as águas caudalosas e barrentas do velho Rio Envira de “Santa Maria da Liberdade” e tantas santas e mártires, Almas do Bom Futuro! Para trás, ficava o rastro dos motores em forma de maresia que seguiam em ondas até se chocarem com as barrancas do Rio. Barrancas que outrora e ainda hoje emprestam seu nome para titular e condecorar os malfeitores e asquerosos “coronéis de barranco”, algozes ontem e hoje dos Madijá e tantos outros povos. A cidade de Feijó cada vez mais distante, assim como o Estado Brasileiro que nunca chega nesses altos rios! Logo, estávamos indo em direção aos Madijá, mas para chegarmos efetivamente ao Estado brasileiro. È preciso chegar ao ponto de onde partimos!

Que encontro! Histórico encontro com a história! Ao chegarmos à Aldeia Jaminawa começamos a abrir nossos olhos, mas foi Almir Kulina quem disse: “De hoje em diante o povo Madijá está abrindo os olhos” (Almir Kulina, cacique Madjá da Aldeia Igarapé do Anjo, T.I Kulina do Rio Envira). Os Madijá estavam abrindo os nossos olhos, ouvidos, corações e almas e achavam que nós, caboclos de tantas e incertas origens, é que estávamos os ajudando a abrirem os olhos.

Opa! Auto lá! Pegue a poranga e vamos para a estrada (de seringa) que Madijá abriu os olhos!   E todos começamos a enxergar o abandono do Estado brasileiro no território, na saúde, na educação, na soberania alimentar e nas políticas públicas. Os Madijá (e nós ainda arigós)[3] enxergaram, construíram documentos, exigiram respeito e rumaram conosco, após três dias de assembleia, em direção a Feijó, ponto de partida, Estado brasileiro.        

Durante nosso encontro começamos a abrir os olhos e entendemos que estamos sendo o tempo todo vítimas de racismo, preconceito e sofrendo com o descaso das autoridades públicas. Nós, Madijá, estamos abandonados e sofrendo muito com a violência contra nosso povo e por isso decidimos que não vamos mais aceitar que isso continue acontecendo e por isso vamos buscar nossos direitos e exigir que as autoridades e todos os nawás (que não são indígenas) nos respeitem. Vamos exigir que em cada setor nossos direitos sejam respeitados e cumpridos e que o Ministério Público acompanhe e exija junto conosco o cumprimento de todas as ações e exigências nossas porque é nosso direito. (documento final da assembleia Madijá do Rio Envira, 03,05, 2023).

Era como se os Madijá nos dissessem: Agora que vocês vieram e viram, nos ajude para que todos vejam e nossos direitos venham. Se nossos direitos não veem, vamos busca-los como quem sai na madrugada para colher o látex da seringa ou quem toma o remo e a canoa para ir se encontrar com o rio que acolhe, fornece alimento e nos conduz como quem conduz a própria história.

Como sabiamente o dito popular diz que quem conta um conto aumenta um ponto, terminou a Primeira Assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre, mas acrescentou-se mais um ponto na história de travessia do povo Madijá rumo ao alvorecer com cantorias de pássaros entoando hinos e festejando finalmente a liberdade! Quem quiser, pode chamar a este alvorecer de Bem Viver.



[1] Doutorando em antropologia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, mestre em direito pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP, especialização em Desenvolvimento Social no Campo,  Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília – UNB, filósofo e indigenista.

[2] Nome adotado corriqueiramente para se referir ao povo que se autodenomina Madijá.

[3] Nordestinos que vinham trabalhar na extração do látex da seringa, mas que não estavam acostumados a navegar pelos rios da região. Diz-se também dos desconhecedores da realidade local. 

sábado, 4 de janeiro de 2025

CONJUNTURA 2025

Lindomar Dias Padilha

 

            Esta pequena análise da conjuntura para 2025, foi produzida exclusivamente para a reunião das equipes do Cimi Regional Amazônia Ocidental e, portanto, prioriza aspectos ligados à causa indígena e às lutas populares notadamente na Amazônia, em especial no eixo de expansão “agrocriminosa” da Amacro.

            Sem menosprezar os fortes embates atrelados diretamente à conjuntura macroeconômica, devemos considerar o que aponta, por exemplo, o TROPOSLAB (2024) que desde 2020, o Brasil perdeu seis posições no Ranking Global de Competitividade, luta para manter sua posição no Ranking Global de Inovação, enfrenta um aumento da desigualdade social e sofre com polarizações políticas e intolerância, entre outros problemas estruturais. E mais, empresas e consumidores demonstram preocupação com um cenário de juros mais altos e inflação próxima ou acima do teto da meta.

            Como disse, toda essa questão macroeconômica pode, e certamente irá intervir na dinâmica da conjuntura mais político-social. Entretanto, manterei o foco aqui basicamente em três aspectos principais:

1)           Os intensos ataques da direita disruptiva e de setores conservadores e antidemocráticos, que tentarão avançar em retrocessos contra direitos sociais históricos, incluindo sobretudo direito à terra e ao meio ambiente.

2)           Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios através de projetos de falsas soluções ligados ao mercado de carbono e suposta mudança da matriz energética, temas que serão centrais na COP 30.

3)           Consolidação da Amacro como modelo de desenvolvimento para a Amazônia Ocidental no eixo do desmatamento.

Ataques da direita

            Este ponto merece muito a nossa atenção porque este ano de 2025 não será um ano de eleições gerais, mas será um ano de muita movimentação política especialmente no poder legislativo federal. As presidências da Câmara e do Senado serão assumidas por parlamentares de direita, o que significa que este setor (direita) pautará os projetos de leis anti-indígenas e antidemocráticos. Além disso, a negociata em torno das terras indígenas, liderada por Gilmar mendes, seguirá firme e poderá até ser turbinada pela adesão do Ministério dos Povos Indígenas-MPI e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas-Funai.

            Observamos que a tese do Indigenato, mesmo sendo vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, na prática, a vitória foi da tese do marco temporal. Neste ponto específico, ainda bem, parte significativa do movimento indígena alojada na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, já percebeu que tanto a Funai quanto o MPI, são representantes do governo e não dos povos indígenas. A adesão ao governo levou parte do que era o movimento indígena, expresso em algumas lideranças, a aderir justamente às negociações de direitos e isso enfraqueceu o movimento e facilitou o avanço de teses anti-indígenas e abriu caminho para a intensificação dos ataques da direita criminosa (mineração, agro).

Ataques ao usufruto e autonomia dos territórios

            Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios (Indígenas, Quilombolas, RESEX, Ribeirinhos e áreas de preservação) também vão se intensificar. Se os ataques da direita nos preocupam, os ataques ao usufruto e autonomia nos preocupam ainda mais porque são patrocinados não só pela direita, mas por uma dita “esquerda” a serviço do capital financeiro que prega a financeirização da natureza. É vergonhosa a negociação em torno dos territórios para que estes venham a se converter em moeda de troca e mesmo para que sejam dados em hipoteca aos mercadores da natureza. A vergonha se torna ainda maior se considerarmos, por exemplo, que a negociata está no coração do poder e para facilitar e dar um ar de “legalidade” se instituiu o Conselho Nacional para Políticas de REDD- Conaredd, entre outros mecanismos de cooptação e compra de consciências.

            Esses ataques terão seu ápice na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes) - COP, cuja edição de número 30 ocorrerá este ano no Brasil, na cidade de Belém, PA. Paralelo à Conferência das Partes ocorrerá a Cúpula dos Povos, evento que surge a partir da Rio + 20, em 2012 e que se propunha a ser um movimento autônomo da sociedade civil. A ideia inicial era de que a Cúpula dos Povos pudesse, de alguma forma, influenciar as negociações feitas por líderes na COP, mas com o tempo os líderes e os grandes do capital passaram a influenciar a Cúpula, invertendo os papeis.  

            No caso da Cúpula deste ano a situação está muito mais grave, pois, os f promotores da financeirização da natureza vão contar com um apoio gigante: o apoio da máquina do governo federal, incluindo o MPI. O governo brasileiro vai financiar ONGs e movimentos sociais, incluindo povos indígenas, para que estes possam ir à Cúpula dos Povos defender a financeirização da natureza, em especial através do mercado de carbono. Desta forma, teremos na Cúpula dos povos três grupos disputando espaço. Infelizmente, apenas um desses grupos, aliás, o mais fraco, é contrário a Financeirização da natureza, os outros dois atuarão na defesa do mercado. Estarão na defesa do mercado o grupo patrocinado pelo governo brasileiro e o grupo financiado pelas empresas, especialmente as ligadas às petroleiras. Gigantes do petróleo como Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco), Exxon Mobil Corp. (EXXO34), Chevron Corp. (CHVX34), PetroChina Co. Ltd. (PTCH34) e Reliance Industries, juntamente com gigantes da mineração segundo TORO (2024) como BHP Billiton (Austrália), Rio Tinto (Austrália), Glencore (Suíça), Vale (Brasil), Freeport-McMoRan (EUA), Anglo American (Reino Unido), Southern Copper (México), Ma'aden (Arábia Saudita), Fortescue Metals (Austrália) e Zijin Mining (China), Já financiam as COP e agora passaram a financiar ONGs para influenciar na Cúpula dos Povos.

            Outro setor que promete influenciar de forma decisiva é o agro. O Agro brasileiro conseguiu, por exemplo, ficar fora da regularização do mercado de carbono demonstrando grande poder de influência dentro do governo. Em artigo publicado em 04/01, O GLOBO (2025), intitulado “como o agronegócio joga contra a COP 30” fica evidente o poder de barganha do Agro crime. Já na COP 21, que ocorreu em Lima, no Peru, o agro brasileiro tentou se juntar a China para emplacar a ideia de que os produtores rurais (de grãos) deveriam ser compensados pelo sequestro de carbono. Agora os sojicultores retornam com a mesma lógica sob a alegação de que, por ser vegetal, a soja também faz o sequestro de carbono e, logo, contribui para a redução ou descarbonização ambiental. Mais ainda, dizem que se for a soja transgênica melhor porque produz mais e mais rápido tendo inclusive duas safras. A primeira vista a ideia pode parecer ridícula e sem sentido (e de fato o é), mas é bem capaz de emplacar devido ao desconhecimento de boa parte da sociedade sobre o tema e tudo aliado às fraudes que são a marca do mercado de carbono e do Agro.

Consolidação da Amacro

            A Amazônia brasileira está passando por transformações territoriais profundas com a expansão de diversas frentes pioneiras, segundo SARKIS (2023) que apresentam atividades econômicas apoiadas na retirada de madeiras, estabelecimento da pecuária, produção de grãos (especialmente soja) e mineração. A Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) é uma dessas chamadas frentes pioneiras, baseada no modelo da MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e ironicamente chamada de Zona de Desenvolvimento Sustentável.

A Amacro é uma região formada por 7 municípios do estado do Amazonas: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã. 13municípios do Acre: Acrelândia, Assis Brasil, Brasiléia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Manoel Urbano, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Sena Madureira e Xapuri. E 12 municípios de Rondônia: Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Campo Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim, Itapuã do Oeste, Machadinho D’Oeste, Monte Negro, Nova Mamoré, Porto Velho e Rio Crespo. É, portanto, uma imensa área diretamente afetada, sem contarmos as regiões indiretamente afetadas, mas com igual ou similar gravidade. É o caso da região do Vale do Juruá, no Acre, que receberá o impacto da construção da ferrovia e da rodovia ligando o Brasil ao Peru (Pucallpa) como canal para escoar a produção. Destaque ainda maior para a construção do Chamado Chancay (porto de águas profundas) no Peru, para escoar a produção para a Ásia, via oceano Pacífico.

Desde 2015 o tema da área de expansão do agrocrime já tem nos preocupados. A tal ponto que em 2016 propusemos uma articulação entre instituições para fazermos o enfrentamento daquilo que chamávamos à época de AMARONAC. Naquela época eu mesmo PADILHA (2017) em conversa com o amigo e jornalista Alceu Castilho, que mantem o observatório DE OLHO NOS RURALISTAS , por ocasião do II seminário Nacional do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos (CBDDDH), percebemos a necessidade de darmos maior visibilidade a esta região e iniciarmos uma articulação maior com entidades e movimentos que atuam mais diretamente nesta região com o intuito de prevenir e evitar tantas mortes e violências quanto possível.

Naquele mesmo texto, escrevi que para facilitar o processo de articulação e principalmente para divulgação entendemos que seria interessante criarmos uma nomenclatura que expressasse a região da qual estamos falando, por isso estou grafando a região com a sigla AMARONAC.  Sei que a demanda é imensa, mas se não fizermos algo agora, o depois poderá ser tarde demais. (PADILHA 2017).

Infelizmente a ideia de formarmos uma ampla articulação não teve adesão. Nenhuma entidade ou organização aderiu à ideia e a proposta naufragou. De qualquer forma, a Amacro segue sendo motivo de muita preocupação, especialmente pela violência que já tem trazido ao campo e tende a piorar muito neste ano de 2025.

Por fim

            A conjuntura, que nunca foi favorável, tende a piorar muito neste ano de 2025, notadamente para nós da região Amazônica principalmente por causa da COP 30 e da consolidação da Amacro. Mas, é para desesperarmos? Creio que não. Vamos seguir fazendo enfrentamento ao modelo de financeirização da natureza, o que já fazemos desde 2008. Seguiremos denunciando o mercado de carbono e sua farsa e fraude, seja na versão de crédito ou débito de carbono. Seguiremos denunciando as falsas soluções propostas pelo mercado.

            Com relação a Amacro, mais do que nunca temos que nos articular com entidades, ONGs, Igrejas, pastorais, universidades, lideranças indígenas e instituições ligadas à terra em um grupo supra institucional e suprapartidário para fazermos o enfrentamento. Temos que apressar e pressionar muito o poder público para que proceda imediatamente a demarcação das terras indígenas e a dê garantia as que já estão demarcadas, bem como as Reservas Extrativistas e assentamentos.

            Outro ponto que este grupo (que proponho aqui) precisa investir é na denúncia da violência e ameaças ao meio ambiente que a construção de estradas, notadamente a que ligará Cruzeiro do Sul a Pucallpa, e ainda o porto de Boca do Acre.

Resistir é “preciso”!

Referências

O GLOBO, como o agronegócio joga contra a COP 30? Disponível em:  https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/como-o-agronegocio-joga-contra-a-cop30.ghtml

PADILHA, Lindomar Dias. AMARONAC: Sul do Amazonas, Rondônia e Acre, na rota do agronegócio e mineração. 2017. Disponível em: https://lindomarpadilha.blogspot.com/2017/10/amaronac-sul-do-amazonas-rondonia-e.html

SARKIS, Vidal, Bruno; Oliveira Neto, Thiago. Desmatamento e as frentes pioneiras na região da Amacro. Revista Presença Geográfica. vol. 10, núm. 1, 2023.

TORO, Quais são as maiores mineradoras do mundo hoje? Vale a pena investir? Disponível em: https://blog.toroinvestimentos.com.br/bolsa/maiores-mineradoras-do-mundo/#:~:text=As%20maiores%20mineradoras%20do%20mundo%2C%20considerando%20o%20valor%20de%20mercado,e%20Zijin%20Mining%20(China).

TROPOSLAB, Inovação: conjuntura, desafios e perspectivas para 2025. Disponível em: https://troposlab.com/inovacao-conjuntura-desafios-e-perspectivas-para-2025/