terça-feira, 30 de setembro de 2014

Jaminawa da Aldeia São Paolino voltam a sofrer ameaças

Cacique Francisco Jaminawa
Na segunda-feira, dia 22 de setembro, um grupo de funcionários de fazendeiros entraram armados na Aldeia São Paulino, do povo Jaminawa. Dando tiros a esmo os "capangas" exigiam que os indígenas deixassem de caçar, pescar e até mesmo que pegassem água para beber. Desde então, a aldeia tem sido vigiada por homens armados que a toda hora ameaçam invadir a aldeia, assassinar o cacique, Sr. Francisco Jaminawa (na foto comigo). Ameaçam ainda atear fogo nas casas dos indígenas.

Em um programa de rádio local o locutor anuncia que aqueles que se dizem indígenas são na verdade peruanos interessados em "roubar" terras dos brasileiros e instigam a população a se posicionar contra os indígenas. Há ainda uma carta atribuída ao Padre Polino, segundo a qual, essas pessoas não são merecedoras da terra e que na verdade são indígenas colocados aí e que teriam vindo do Peru. Até o presente momento não tivemos contato com tal carta que o locutor insiste em divulgar. É importante dizer que Pe. Paolino sempre foi amigo dos indígenas e que atualmente já não se encontra em condições físicas para levar a cabo tal discussão. Pe. Paolino já se encontra em idade avançada e tudo nos leva a crer que o nome dele está sendo indevidamente utilizado. O estranho no, entanto, é que ninguém da Igreja local questionou a divulgação da suposta carta.

Enquanto isso, os indígenas seguem aprisionados em sua própria aldeia, em uma pequena faixa de terra. Ontem estive com a representantes da comunidade que manifestaram imensa preocupação com os rumos que o caso pode tomar daqui para frente uma vez que as autoridades parecem desconhecer a gravidade das ameaças. Nunca é tarde lembrar que os índios Jaminawa já sofreram várias agressões e tentativas de assassinato.

Esperamos mais uma vez que medidas sejam tomadas com urgência no sentido de interromper e cessar as ameaças e violência contra o povo Jaminawa. As autoridades tem o nome e o endereço dos principais fazendeiros responsáveis pela contratação de capangas e, consequentemente responsáveis pelas ameaças, tentativas de assassinato e intimidações. E região de Sena Madureira, Estado do Acre, onde se localiza o território Jaminawa da Aldeia São Paolino, não pode se firmar como terra sem lei.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Governo Dilma propõe empresa privada com financiamento privado para saúde indígena

A proposta de Projeto de Lei que autorizaria o Poder Executivo a criar o Serviço Social Autônomo denominado Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), empresa de direito privado, guarda no seu bojo muito mais que o tema “saúde”. Dentre outros absurdos, chama a atenção o fato da possibilidade do Instituto ser financiado com recursos provenientes de “empresas”.
A questão é extremamente grave. Com o INSI, a atenção à saúde indígena poderia receber, por exemplo, financiamento privado de empresas, muitas delas multinacionais, ligadas ao agronegócio (Cargil, Bunge, Singenta, Monsanto, New Holland, Massey Ferguson, BRF, JBS-Friboi...), à mineração (Vale, Alcoa, Alunorte, CBMM, Namisa, Samarco...), empreiteiras (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão, Grupo OAS...), à geração de energia elétrica (Suez, CPFL, General Electric, Eletrobrás, Eletronorte...), à indústria farmacêutica e cosméticos (Avon, Natura, Boehringer Ingelheim, Pfizer, Eli Lilly & Co., Novo Nordisk A/S, Novartis, Teuto, Neoquímica ...), dentre outras.
Cumpre lembrar que a proposição do INSI dá-se num contexto em que é desferido um ataque orquestrado e violento aos direitos dos povos indígenas no Brasil. Os objetivos deste ataque são, fundamentalmente, de impedir novas demarcações de terras e de invadir e explorar as terras já demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas e usufruídas pelos povos.  Como é sabido, os sujeitos político econômicos promotores deste ataque aos povos e seus direitos são, exatamente, indivíduos e empresas ligadas aos interesses financeiros do agronegócio, mineração, empreiteiras, dentre outras.
De acordo com o projeto de lei em questão, o INSI assumiria o monopólio das ações de atenção à saúde dos povos indígenas. Isso significa que praticamente todos os seus funcionários, aproximadamente 7 mil não indígenas, atuariam dentro das terras indígenas, junto às comunidades. O financiamento privado permitiria que os interesses das empresas financiadoras chegassem e fossem promovidos, cotidianamente, junto a milhares de indígenas país afora.
Isso certamente facilitaria e agilizaria a implementação de projetos de interesse dessas empresas e do próprio governo, tais como, arrendamentos de terras, exploração madeireira e minerária, construção de hidroelétricas, acesso e uso do conhecimento tradicional e recursos genéticos, dentre outros. Neste ponto, não custa lembrar do Projeto de Lei também proposto pelo Governo Dilma, que tramita em regime de urgência e tranca a pauta da Câmara Federal, e que propõe facilidades ao acesso e uso, por terceiros, dos conhecimentos tradicionais e recursos genéticos dos povos e terras indígenas no país.
A jogada do governo Dilma é macabra e maquiavélica. Com o INSI, ao mesmo tempo em que se livraria da responsabilidade da atenção à saúde indígena, retirando de seu colo inclusive escândalos de corrupção que virem a acontecer, o governo cria um instrumento perfeito para substituir a destinação orçamentária pública por investimentos privados. É o caminho para a definitiva substituição do direito dos povos à saúde pública por mitigações resultantes da exploração de suas terras. Tudo o que o capital anseia.
Seria este o motivo do governo ter escondido este projeto de lei a sete chaves? Divulgada pelo Cimi no início de agosto, a proposta do INSI foi apresentada pelo governo aos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) apenas por meio de imagens em Power Point. Em meio a denúncias de práticas de restrição ao debate, de ameaças e até tentativas de subornos, um belo exemplo de como não deve ser uma consulta de acordo com o preconizado pela Convenção 169 da OIT, ninguém teve acesso ao Projeto de Lei, muito embora ele estivesse pronto há bastante tempo. Além do escudeiro Antônio Alves, Secretário Especial de Saúde Indígena, até mesmo o ministro da Saúde, Arthur Chioro, se prestou ao serviço de apresentar e defender a aprovação do INSI junto ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) há poucos dias, também sem disponibilizar aos Conselheiros a proposta do Projeto de Lei.
As tentativas de ludibriar membros do CNS, lideranças indígenas e entidades indigenistas continuaram nesta quinta-feira, 25. Por ocasião de oficina promovida pelo CNS para tratar do tema, o projeto de lei foi finalmente desentocado e apresentado. Novamente, porém, somente por meio de imagens. Convidados não tiveram acesso à versão impressa do referido projeto. Mais uma vez também se revelou a restrição e a aversão ao debate sobre o tema. Embora citado e atacado em várias ocasiões por posicionar-se contra a proposta, o Cimi não teve respeitado nem mesmo o direito a esclarecimentos.
Mais do que o aparelhamento do Estado e a privatização da atenção à saúde indígena, vai-se descobrindo que, com o INSI, o Governo Dilma pretende destruir o cerne da resistência dos povos aos ataques que vem sofrendo e escancarar o processo de invasão e exploração de suas terras no Brasil.

Brasília, DF, 25 de setembro de 2014.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

INVASÃO À SEDE REGIONAL DO CIMI AMAZÔNIA OCIDENTAL

Computador da contabilidade - Foto Rosenilda Padilha
A sede Regional do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, foi invadida na madrugada de segunda-feira. Os bandidos arrancaram grades e forros do teto para terem acesso ao que queriam De todos os equipamentos existentes na sede nenhum foi levado, exceto um HD externo no qual realizamos o bekup da contabilidade.

Grade do Banheiro
Os bandidos sabiam o que queria porque, segundo a própria perícia realizada no local, todos utilizavam luvas e foram direto às sala da contabilidade e da coordenação. Reviraram arquivos, cortaram os fios de conexão dos computadores e espalharam objetos. 

O que procuravam tinha um imenso valor para eles, pois, para conseguirem seu intento tiveram que arrombar duas grades e ainda o forro do teto, além de terem que vasculhar tudo atrás do HD além de, provavelmente terem que checar os dois PC, o da coordenação e o da contabilidade. Se repararem na imagem da grade do banheiro, uma das que foram arrombadas, verão que se trata na verdade de duas grades. Uma interna e outra externa, o que demonstra  que a intenção de pegar o que buscavam era realmente grande, questão de vida ou morte para os bandidos.

Grade da janela da Cozinha - Foto Rosenilda Padilha
Nós do Conselho Indigenista Missionário - CIMI, regional Amazônia Ocidental, entendemos que nosso trabalho mexe com interesses poderosos capazes de tudo para continuarem a espoliação dos territórios e subjugando povos e comunidades. Entretanto, denunciamos e repudiamos toda e qualquer forma de violência, seja contra os povos indígenas e trabalhadoras e trabalhadores das comunidades, seja seus apoiadores e aliados, como é o caso do CIMI.

Todo o sistema de comunicação  danificado
Denunciamos ainda que por diversas vezes nossos agentes sofreram e vem sofrendo ameaças e intimidações. Lembramos também os diversos arrombamentos ocorridos na sede da Comissão Pastoral da Terra e que ainda permanecem sem a devida explicação ou punição de um único responsável que seja. A continuar dessa forma seguiremos assistindo o assassinato de líderes indígenas, trabalhadoras e trabalhadores rurais, como se não houvesse qualquer vestígio de autoridade e lei. A pergunta é: até quando?

Continuaremos exigindo das autoridades medidas de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras, povos e comunidades e aos agentes apoiadores e solidários às causas desses povos e dessa gente sofrida e historicamente roubada, saqueada e espoliada.

De nossa parte a ordem é não recuar e, caso ocorra, que seja apenas para pegar impulso.

Comentário do meu amigo e produtor de vídeos Gerson Neto: "O CIMI do Acre é um dos grupos com quem tive mais alegria ao trabalhar. Gente que realmente dedica sua vida a servir com lealdade os povos indígenas. E isso contraria muita gente poderosa, que quer as terras e as riquezas para eles. Deus ilumine com coragem e força aos missionários do CIMI."

MUITA SOLIDARIEDADE PARA CONOSCO:

"Lindomar,,

Obrigada pela partilha da informação. Profecias incomodam! Muito claro isso nesta ação. Nossa solidariedade e apoio."

Abs

Romi - CONIC

"Lindomar, guerreiros e guerreiras do CIMI AO

Sabemos bem o que é isso! A CPT Acre se solidariza com vcs e vem dizer que conte conosco. Não podemos recuar! Temos que cobrar do estado uma investigação séria e punição desses criminosos.
Enfim, estamos a disposição e contem conosco.
Paz irmãos! Paz irmãs!
Darlene"

pela CPT AC

Aos companheir@s do CIMI AO

Toda nossa solidariedade e muito Axé neste momento de perseguição. Ao mesmo tempo o nosso repúdio e indignação a mais este ato de intimidação e covardia. 

Para responder a esta tentativa de amedrontamento nada melhor que ampliar e fortalecer a nossa ação junto as comunidades indígenas tão esbulhadas de seus direitos e dizer a eles: DIGA AO POVO QUE AVANCE!

Direto daqui da Bahia, onde o povo Tupinambá se prepara para a sua caminhada dos Mártires que acontece domingo (28/08) celebrando a Resistência dos Povos Indígenas. 

Haroldo - Cimi Leste

Olá Lindomar, 

Gostaria aqui de prestar minha solidariedade para com o CIMI AO, e principalmente com você e em especial Rose, pois para ela foi um susto muito grande. O que pedir nesse momento aos Deuses e Deusas? Que todos vcs tenham ainda mais força, pois sei o quanto são guerreiros. 
Abraços Fraternos, 
 Guarnecendo sempre na luta!

 Ana Patrícia Ferreira

Linguista do COMIN-Assessoria Acre Sul do Amazonas

Obrigado a todas e todos pelas manifestações de solidariedade. Não as publiquei todas aqui, mas seguem guardadas em nossos corações.



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Nota do Cimi sobre a Atenção à Saúde Indígena

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma vez mais, manifesta-se publicamente contra a pretensão do governo federal de criar uma estrutura paraestatal para executar as ações e serviços no âmbito da saúde indígena. O argumento usado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) nas reuniões dos conselhos distritais de saúde indígena (Condisi), sobre o novo modelo proposto pelo órgão para a Atenção à Saúde Indígena, e que se resume na criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), é de que não existem propostas alternativas, e que o Cimi está simplesmente fazendo a crítica pela crítica sem apresentar soluções. Esta afirmação demonstra um profundo desconhecimento e injustiça contra os povos indígenas, ignorando completamente suas lutas e o conteúdo político-transformador contido na formulação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), propostos pelas Conferências Nacionais de Saúde Indígena, desde o ano de 1986.No intuito de fazer justiça à histórica luta dos povos, apresentamos, em caráter propositivo, uma breve memória das conquistas e propostas do movimento indígena na área da saúde.
A construção do modelo de atenção à saúde indígena

A construção do modelo de atenção diferenciada à Saúde Indígena é uma das propostas mais inovadoras nas políticas públicas no país, e considerada por muitos o embrião para a reorientação da política indigenista com base em critérios geográficos e culturais adequados à realidade dos povos indígenas. Este direito vem sendo conquistado através de uma luta incessante protagonizada pelo movimento indígena, desde a aprovação da Lei Arouca que instituiu os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), em 1999, e da Política Nacional de Atenção a Saúde das Populações Indígenas (PNASPI), em 2002.
A criação da SESAI
A SESAI também é fruto da mobilização do movimento indígena, que ao longo dos anos foi construindo o entendimento de que seria necessária a criação de uma instância que gozasse de maior autonomia política e financeira para assumir a gestão da saúde indígena. Desde a sua criação em 2010, a SESAI teve seu orçamento incrementado significativamente, enquanto em proporção inversa se observava a piora acentuada dos indicadores de saúde e da qualidade da assistência em todos os Distritos Sanitários Indígenas do país. A atual gestão da SESAI poderia ter realizado o Concurso Público para provimento dos cargos da área administrativa dos distritos desde o primeiro ano de sua criação, conforme compromisso assumido com o movimento indígena. Preferiu, no entanto, manter o modelo da terceirização, possibilitando a continuidade dos escândalos de corrupção, como no caso do aluguel de veículos e aeronaves e na compra de medicamentos, devido às ingerências políticas e a relação promíscua com fornecedores dos serviços.
Para efetivar a autonomia administrativa e financeira dos DSEIs é preciso apenas dispor dos recursos humanos adequados e de uma gestão eficiente, o que garantirá realizar as licitações e os demais procedimentos administrativos necessários à correta e transparente utilização dos recursos públicos. A alegação da SESAI de que estes procedimentos inviabilizam a saúde indígena não tem nenhum fundamento, pois as licitações são utilizadas por todos os órgãos públicos do país, e existem mecanismos legais para garantir a excepcionalidade da saúde indígena. A verdade é que não existe vontade política de resolver o problema, pois boa parte dos cargos de chefia da SESAI em âmbito nacional e distrital são preenchidos a partir de critérios partidários e fisiológicos.
A defesa do concurso público específico e diferenciado
Após o concurso público destinado a preencher as vagas de servidores no Distrito Sanitário Yanomami, em 1996, realizado pela FUNASA de forma indiferenciada e sem respeito aos parâmetros culturais dos povos indígenas, o Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena de Roraima (NISI-RR) apresentou a proposta de realização de outro Concurso Público Específico e Diferenciado, com requisitos como regionalização, participação indígena e critérios de adequação cultural. Estas propostas foram aprovadas em diversas conferências e estão contempladas nos critérios propostos pelo Ministério Público Federal no Termo de Conciliação Judicial (TCJ) que procura resolver a precarização das formas de contratação dos recursos humanos adotadas hoje pela SESAI. 
A necessidade da autonomia administrativa e financeira dos DSEIs
A autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) é um dos princípios fundamentais do modelo proposto nas conferências e na Política Nacional de Saúde Indígena, promovendo a execução de programas e ações adequados às realidades locais e regionais, adaptando as questões logísticas e administrativas às especificidades geográficas, epidemiológicas e culturais de cada distrito. A efetivação desta autonomia precisa ser construída em médio e longo prazo, inclusive com a mudança dos marcos legais que limitam o reconhecimento da especificidade cultural de cada povo. Este processo fica totalmente inviabilizado com a criação do INSI, de abrangência nacional.  
A formação dos agentes indígenas de saúde
O Programa de Formação Profissional para Agentes Indígenas de Saúde implementado de 2000 a 2004 em todos os distritos do país foi construído de forma participativa, envolvendo lideranças indígenas e diferentes instituições, coordenado pela professora Ena Galvão, de reconhecida competência no Ministério da Saúde, com base na pedagogia construtivista e comunicação intercultural. Este programa foi concluído de forma pioneira pelo Distrito Sanitário Indígena do Leste de Roraima, depois de sete anos de cursos modulares realizados nas próprias comunidades com uma carga horária total de mais de 1.200 horas, tendo certificado um grupo de 374 alunos provenientes de todas as etnias e pólos-base do DSEI, em uma parceria que envolveu o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e a Escola Técnica de Saúde do SUS (ETSUS).
De todos os aspectos da atenção à saúde dos povos indígenas, sem dúvida o mais importante é a Medicina Tradicional Indígena, usada há milênios pelos povos indígenas através de seus pajés, xamãs, curadores e parteiras tradicionais, assim como no conhecimento disseminado em todas as comunidades sobre o uso das plantas medicinais, regimes alimentares e rituais de cura. Este trabalho pode ser significativamente potencializado através da formação e integração da medicina tradicional com os profissionais de saúde indígenas, através de uma política de formação e regularização profissional a ser implementada nos níveis básico, técnico e superior, como prevê a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena, mas que até hoje tem sido totalmente negligenciado pela SESAI.
O sistemático boicote à consolidação do subsistema
Desde o início da implantação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI-SUS), houve forte resistência por parte dos grupos políticos que tradicionalmente controlam os órgãos públicos, alegando que seria impossível aprovar uma legislação diferenciada em relação aos povos indígenas, por representar uma proporção ínfima da população e sem expressão político-partidária. Esta é a mesma alegação utilizada hoje pelos tecnocratas da SESAI ao argumentar pela inviabilidade de um Concurso Público Específico e Diferenciado para os recursos humanos da Saúde Indígena no país, a partir de bases legais a serem estabelecidas com a participação do Ministério Público Federal e do Congresso Nacional.
O artifício usado pela atual coordenação da SESAI para esconder a sua incapacidade na gestão da saúde indígena é propor uma alternativa que desconsidera todo o acúmulo construído ao longo das últimas décadas pelo movimento indígena, apresentando a privatização do subsistema como solução mágica para todos os problemas vividos pelas comunidades. Para isto, procura difundir entre os conselheiros e lideranças indígenas a idéia de que não existem alternativas possíveis, e de que a autonomia administrativa e financeira dos distritos, a contratação de profissionais indígenas por meio de Processo Seletivo Diferenciado, e o provimento de profissionais para os distritos através de um Concurso Público Específico e Diferenciado são inviáveis, o que já foi desmentido pelo Ministério Público Federal.
A 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF) reconheceu em documento recente que a proposta de criação do INSI e a forma como a SESAI tentou impor a sua aprovação junto aos povos indígenas, fere os princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e o direito à consulta prévia, livre e informada assegurado pela Convenção 169 da OIT. Anteriormente, muitas organizações indígenas do país já haviam se manifestado de forma contundente contra esta proposta, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) e Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), entre outras.
O Cimi alerta para a discrepância que o INSI provocará na política de saúde pública do país, gestada e executada a partir de regras constitucionais e da lei 8080/1990, que consolidaram o Sistema Único de Saúde (SUS). Também o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, quando criado pela Lei Arouca, foi vinculado ao SUS, devendo a política de saúde indígena ser também gestada e executada pela União e não por organizações ou empresas privadas.

No entender do Cimi, o governo federal pretende implantar dentro da atual legislação uma anomalia jurídica para com ela eximir-se de responsabilidades quanto à política de saúde para os povos indígenas, transferindo-a para setores e empresários da saúde como se ela fosse uma espécie de negócio. Além disso, causa preocupação os aspectos orçamentários embutidos nas mudanças pretendidas no âmbito desta política de saúde. Observa-se que os recursos financeiros têm sido ampliados de modo significativo para a saúde indígena nos últimos anos, passando de aproximadamente 350 milhões para mais de 1 bilhão de reais, e com o modelo proposto serão gestados e administrados por empresas que não estarão submetidas aos mecanismos dos órgãos de fiscalização e do controle social, ficando inclusive o Ministério Público Federal desprovido de competência para atuar com a temática da atenção à saúde indígena caso o INSI seja criado.
Nesse contexto, o Cimi manifesta sua estranheza em relação aos ataques que vem sofrendo por parte de alguns integrantes do Fórum de Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCondisi) - leia aqui. Em nenhum momento a entidade fez qualquer referência à atuação deste fórum, por outro lado, todas as críticas do Cimi direcionadas ao governo federal, de modo particular à SESAI, estão sendo tomadas pelo FPCondisi como se fossem suas e, ao respondê-las, tem assumido a defesa incondicional da SESAI, do governo e da proposta de criação do INSI.
Mais estranho ainda é o fato dos referidos ataques serem extensivos a organizações indígenas, legítimas representantes do movimento indígena brasileiro, como se pode constatar em nota publicada no dia 12 de setembro. Tem-se a impressão que o FPCondisi está exercendo uma espécie de “controle social invertido”, ao invés de controlar as ações do governo, está tentando impedir as organizações indígenas e as entidades indigenistas de exercerem seu papel de informar os povos indígenas sobre os assuntos de seus interesses e externarem suas posições críticas frente às iniciativas governamentais.
Por fim, o Cimi reitera seu posicionamento em defesa de um modelo de atenção à saúde indígena que respeite as propostas historicamente construídas pelo movimento indígena, propostas estas que são totalmente inconciliáveis com a realidade de terceirização hoje existente, feitas por intermédio de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Osip) e Organizações Sociais (OS), frutos da política implantada pelo governo FHC e continuada pelos governos do presidente Lula e da presidente Dilma. Da mesma forma, são também inconciliáveis com a perspectiva privatista representada na proposta de criação do INSI, pelas razões acima expostas.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi

Fonte da notícia: Conselho Indigenista Missionário - Cimi

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

SEM ASSISTÊNCIA CRIANÇAS INDÍGENAS SEGUEM MORRENDO POR DIARREIA NO ACRE

Criança Huni Kui TI Alto Purus. Foto: Lindomar Padilha 
Lideranças indígenas do povo Huni Kui (Kaxinawa) da terra Indígena Alto purus, município de Santa Rosa do Purus, estado do Acre, protocolaram junto ao Ministério Público Federal uma carta denúncia contra a SESAI - Secretaria Especial de Saúde Indígena e SESACRE - Secretaria de Estado de Saúde do Acre, por falta de assistência às comunidades indígenas e que  já levou, só neste último mês, a morte de oito (08) crianças, seis Huni Kui e duas Madjá, somente na terra indígena do Alto Purus.

Das o6 crianças Huni Kui, 04 morreram nas aldeias 01 no hospital em Santa Rosa e 01 no hospital em Rio Branco. Morreram ainda mais duas crianças, uma Madjá e outra também Huni Kui. Ambas em Manoel Urbano.

Segundo a denúncia protocolada no dia 16 de setembro, os indígenas foram informados que se tratava de um surto de "rota virus". Ocorre que todos os anos ocorrem mortes de crianças por diarreia e vômito e nada é feito no sentido de prevenir tais mortes. Ao contrário, os órgãos responsáveis preferem o caminho fácil de dizer que essa é uma realidade "normal" já que ocorre todos os anos, em quantidade maior ou menor, ou ainda que não dispõem de recursos para atuarem na prevenção.

Em 2012 denunciamos a morte de 27 crianças na mesma terra indígena VEJA AQUI. Naquela ocasião uma equipe do CIMI empreendeu viagem até as aldeias e constatou in loco a situação de calamidade e produziu um relatório completo sobre a situação de abandono. A SESAI e a SESACRE, à época, apresentaram um plano emergencial que consistia basicamente na remoção de pacientes graves e na distribuição de 145 filtros adquiridos pelo programa Pró-Acre. 
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Foto: Blog do Padilha
Reparem nesta foto que até as velas dos filtros foram instaladas de forma errada, revelando, no mínimo, uma má vontade e despreparo dos encarregados por executar tal ação.

Na carta denúncia protocolada desta vez os indígenas denunciam que "a situação do atendimento a saúde do nosso povo é caótica e não temos mais tempo para diálogos sem resultados ..."  Diz ainda mais a frente: "Em nota publicada no dia 21 de fevereiro de 2014 pelo Secretário Especial de Saúde Indígena, Dr. Antonio Alves, foi colocada que o problema da falta de transporte para resgate de pacientes foi superada inclusive barcos para a logística da EMISI."

Na realidade, segundo a mesma denúncia dos indígenas, nenhuma das promessas foi cumprida e os tais barcos jamais apareceram. O curioso, e dramaticamente desconfortável, é constatarmos que na página do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP; Secretaria de Orçamento Federal - SOF; SEAGE/CGTEC, constatamos que há, para saneamento básico em aldeias indígenas para prevenção e controle de agravos, para ser executado somente neste ano de 2014, o montante de R$ 48.000.000,00 (48 mlhões de reais) deste montante a SESAI só utilizou R$ 2.029.670,79.  Confira aqui ou no link abaixo.

http://6ccr.pgr.mpf.mp.br/documentos-e-publicacoes/orcamento-tematico/2014/programa-2065/setembro/programa-2065-setembro-2014-1

Esta situação demonstra claramente que há uma falta de planejamento e de interesse em solucionar os problemas. As desconfianças aumentam ainda mais quando a SESAI tenta empurrar a criação do INSI - Instituto Nacional de Saúde Indígena que, segundo a análise de especialistas, é um mecanismo para esconder e escamotear o verdadeiro interesse que é a terceirização da assistência à saúde indígena e que só resolveria os problemas da própria SESAI, como os de contratação de profissionais.

Mais uma vez, nós do CIMI Amazônia Ocidental, unimos nossa voz à voz dos povos indígenas, especialmente daqueles que neste momento assistem a mais uma sequência de mortes de crianças por falta de assistência na Terra Indígena do Alto Purus, para que providências sejam tomadas imediatamente e vidas sejam preservadas. Não podemos mais tolerar tamanho desrespeito para com a vida. 

Que o Ministério Público Federal tome todas as medidas necessárias para que os responsáveis sejam punidos. De nossa parte continuaremos acompanhando, denunciando e fazendo tudo o que estiver em nosso alcance para que vidas sejam preservadas e os direitos dos povos indígenas sejam respeitados.


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Marina e o velho poder colonial

 Elder Andrade de Paula[1]

                                                Fonte: fotografia publicada em :http://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/09/07/nucleo-de-campanha-de-marina-une-pessebistas-e-ex-figuroes-do-pt-e-psdb.htm

Ao deparar-me com essa fotografia em que Marina Silva escuta Fabio Feldman (SP) lembrei-me  imediatamente   do livro de Frantz Fanon intitulado   Pele negra máscaras brancas.  Particularmente da introdução feita por Samir Amin em uma edição de 2009 intitulada Piel negra máscaras blancas (Ediciones Akal, Madrid, España). Ao tratar das relações entre colonialismo interno e externo, Samir Amin afirmava o seguinte: “Os fenômenos de colonialismo interno se produzem pelas combinações particulares da colonização da população, por uma parte, e a lógica da expansão imperialista, por outra” (Amin, 2009; 5).

Considero Marina Silva uma representação de “tipo ideal” desse amalgama de colonialismos interno e externo. O circulo de poder que a envolve opera nessa dupla dimensão. Deve-se considerar que sua formação foi fortemente influenciada pelo ambiente politico e ideológico que permeou a “modernização”  capitalista no estado do Acre nas quatro ultimas décadas. Após a expansão do colonialismo interno capitaneado pela ditadura militar aconteceu a transição para um capitalismo verde que reciclou o colonialismo externo, valendo-se, sobretudo, da instrumentalização dos conceitos de “mudanças climáticas”, “desenvolvimento sustentável” e “governança ambiental” como versículos  da nova catequese da “sociedade civil”. O indevido uso da  imagem de Chico Mendes tem servido para legitimar essa “pregação”.

A trajetória de Marina deve ser entendida nesse contexto. Num primeiro momento, na condição de atingida diretamente pela expansão colonial interna, participa das lutas de resistência como militante da esquerda revolucionária (Partido Revolucionário Comunista-PRC).Naquele período, além desse tema do colonialismo interno não aparecer como relevante em boa parte dessa esquerda, ele acabava sendo reproduzido nas suas práticas politicas. As relações com a “intelligentsia” do Sudeste e Sul do Brasil eram também marcadas por certo sentimento de inferiorizacão. Em síntese: no momento em que teve maior proximidade com o pensamento crítico, Marina não teve a oportunidade de estudar e compreender o colonialismo interno como fenômeno marcante da formação social dos países periféricos em especial os latino americanos. Ou o que pode ser ainda pior: assimilou pela esquerda o que potencializaria posteriormente pela direita.

No momento seguinte, após dois mandatos parlamentares (vereadora de Rio Branco e deputada estadual), aproximou-se do poder oligárquico regional capitaneado por Jorge Viana e chegou ao Senado (1995) onde completou sua adesão ao establishment. Na condição de senadora e em seguida na de ministra do Meio Ambiente transitou com mais intensidade e desenvoltura em redes transnacionais vinculadas aos “negócios ambientais” e ao mundo das finanças, bem como aquelas ligadas à esfera religiosa. A conversão ao Neopentecostalismo parece decisiva na assunção do papel que passou a cumprir na reprodução do velho poder colonial.

No exercício do primeiro mandato de senadora (1995-2002), o seu gabinete teve papel ativo nas estratégias de atuação do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais(PPG7) junto a “sociedade civil” na Amazônia. O seu marido, Fabio Vaz, foi coordenador (1996-99) do Grupo de Trabalho Amazônia (GTA) , ONG criada por iniciativa do Banco Mundial para servir de mediadora,  como representante da  “sociedade civil” nesse Programa gerenciado pelo referido Banco.

Entre outros feitos, o GTA articulado com grandes ONGs ambientalistas internacionais, atuou decisivamente na  cooptação do Conselho Nacional dos Seringueiros e outras centenas de organizações sindicais e não sindicais atuantes na esfera da sociedade civil.  Os resultados dessa política são bastante conhecidos, conforme mostramos em diversas publicações, como a indicada no link a seguir http://revista.fct.unesp.br/index.php/nera/article/viewArticle/1391.

Nos seis anos que ocupou o cargo de ministra do Meio Ambiente, Marina não mediu esforços para institucionalizar a agenda do capitalismo verde.  O Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi transformado em uma “trincheira institucional” por grandes ONGs internacionais, como a WWF e promoveu avanços consideráveis na atualização dos colonialismos interno e externo na Amazônia, como ilustra a arquitetura do Plano Amazônia Sustentável (PAS), acalentado carinhosamente por Marina como “sua criação”.

Sob a gestão de Marina no MMA, os servidores do IBAMA conheceram de perto sua “nova política”, quando realizaram uma greve contra o desmonte do órgão levado a cabo via Medida Provisória. As intenções com essa medida foram claramente facilitar o licenciamento para os grandes projetos e potencializar as politicas de privatização dos bens comuns.O caso mais emblemático dessa privatização dos bens comuns foi a iniciativa de encaminhar para o Congresso e aprovar em tempo recorde (um ano)a Lei 11284/2006 que instituiu o regime de concessão de florestas públicas para fins de exploração privada. Estamos tratando de algo em torno de 50 milhões de hectares de florestas na Amazônia.

 Além desse presente para as corporações ligadas ao comercio internacional de madeiras tropicais, incentivou-se a exploração madeireira dita “sustentável” com o argumento de que combateria a “exploração ilegal”. Bom para a WWF que, em seis anos, teve o salto da área de exploração certificada com o selo do FSC (vinculado a WWF) de aproximadamente 400 mil para 3 milhões de hectares de florestas (Relatório de Gestão do MMA 2003-2006; p. 54). Na mesma página do referido Relatório informa-se que as “florestas plantadas” (nome pomposo para designar monocultivo de eucalipto) saltaram de 300 mil para 600 mil há/ano. Basta.

O que não foi possível concretizar no MMA avançou bastante no estado do Acre, graças ao empenho das oligarquias aliadas de Marina e também de seu marido Fabio Vaz que participou do “governo da Frente Popular” até agosto do corrente. Nesse estado – apresentado por grandes ONGs ambientalistas internacionais como “modelo de economia verde”– está em curso um processo acelerado de desregulamentação para intensificar a mercantilização e financeirização da natureza. Os resultados preliminares dessa mega espoliação podem ser vistos no Dossiê: O Acre que os mercadores da natureza escondem http://www.cimi.org.br/pub/Rio20/Dossie-ACRE.pdf

Enfim, procuramos mostrar que Marina não é uma incógnita como insistem em repetir os grandes meios de comunicação.  Eles a tratam assim não por “desconhecimento” mas por convencimento de sua eficácia para ocultar os  interesses das grandes corporações capitalistas envolvidas também na sua candidatura. Marina, com essa trajetória, identificada com a matriz do capitalismo verde e com o domínio colonial subjacente,  se for eleita tentará conduzir as políticas de governo de forma mais submissa ao imperialismo comandado pelos Estados Unidos da América e seus aliados. Tudo indica que as repercussões negativas desse fato nas lutas emancipatórias no Brasil e na América Latina seriam muito fortes....



[1] Professor Associado do CFCH/Universidade Federal do Acre.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Governo Dilma: dois projetos de lei anti-indígenas sobre regime de urgência em plena campanha eleitoral?

Por Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi


 
O governo Dilma vai mesmo aproveitar-se do período eleitoral, quando as atenções voltam-se para este tema, para tentar aprovar dois Projetos de Lei com conteúdo flagrantemente anti-indígena junto ao Congresso Nacional? Embora pareça estranha e contraditória, esta é uma questão que está posta na conjuntura político indigenista no Brasil.

Apresentado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, no dia 24 de junho de 2014, para tramitação em regime de urgência, o Projeto de Lei 7735/2014 regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição; os arts. 1, 8, “j”, 10, “c”, 15 e 16, §§ 3 e 4 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético; sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado; sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; e dá outras providências.

Com tramitação acelerada, em 45 dias, o PL 7735/14 já tranca a pauta do Congresso Nacional. Os povos indígenas do Brasil desconhecem por completo o conteúdo do Projeto de Lei que foi elaborado nos gabinetes do Ministério do Meio Ambiente (MMA). No caso, tanto o Poder Executivo, quanto o Legislativo simplesmente ignoraram, até o momento, o direito dos povos à consulta prévia, livre e informada preconizado pela Convenção 169 da OIT e ratificada pelo Estado brasileiro. O abuso é tamanho que nem mesmo uma Comissão interna do MMA que trata sobre povos indígenas e comunidades tradicionais e a própria Fundação Nacional do Índio (Funai), órgãos do próprio Executivo, foram ouvidos sobre o tema.

Feito sob medida para atender interesses econômicos, dentre outros, da indústria farmacêutica e de cosméticos, o PL 7735/14 viabiliza o acesso de forma facilitada ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Dentre tantos outros pontos problemáticos, o referido Projeto de Lei não reconhece aos Povos Indígenas e Comunidade Tradicionais o direito de negar acesso ou tomar decisão sobre o tema, assim como, promove uma mudança de paradigma referente ao tratamento dado às atividades de acesso, não havendo mais separação entre as atividades de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, simplificando todos os processos. A consequência prática da potencial aprovação deste projeto é a vulnerabilização do  patrimônio genético e conhecimento dos povos.

Caso não for retirado o regime de urgência na sua tramitação, o PL 7735/14 voltará a Ordem do dia, no Plenário da Câmara dos Deputados, no início do mês de outubro próximo. Diante disso nos perguntamos: o governo Dilma manterá o pedido de tramitação em regime de urgência de matéria que diz respeito à vida e futuro dos povos indígenas sem que ao menos estes povos saibam do que está sendo tratado no respectivo Projeto de Lei?

O segundo Projeto de Lei antiindígena pode ser enviado, pelo Executivo ao Congresso, também em regime de urgência, nos próximos dias. Trata-se da proposta para a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), uma empresa paraestatal que assumiria a responsabilidade pela atenção à saúde dos povos indígenas em substituição à recém criada Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), esta vinculada ao ministério da Saúde.

Gestada por técnicos dos Ministérios do Planejamento e da Saúde, o INSI tem sido “apresentado” aos povos em reuniões que, segundo uma liderança indígena, parece “os tempos dos coronéis”. Na contramão do que preconiza a Convenção 169 da OIT, agentes do governo Dilma, gestores da Sesai, com apoio de diretores e funcionários de organizações terceirizadas que atuam no setor, realizam um verdadeiro arrastão país afora buscando a adesão dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) ao INSI. Como denunciado pelos próprios povos, os agentes do governo estão fazendo isso de forma atropelada e usando o expediente da pressão político-econômica e psicológica desinformada e de má fé, intimidando e amedrontando os conselheiros indígenas, o que, por óbvio, retira toda e qualquer legitimidade, ainda que limitada, que porventura poderia haver nestas “consultas”.

O que poderia justificar uma atitude explicitamente antidemocrática, colonialista e desrespeitosa às lideranças, povos e organizações indígenas por parte do governo Dilma em pleno processo eleitoral? Seria a ânsia por aprovar uma forma de administrar cerca de um bilhão de reais de recurso público de forma “livre” de instrumentos de controle do Estado? Seria a ânsia por aprovar uma forma de gestão que permita o uso de recurso público para a contratação de aproximadamente doze mil pessoas sem as garantias preconizadas pelo concurso público?

Mesmo com informações públicas de que o concurso não abrangeria os Agentes Indígenas de Saúde e os Agentes Indígenas de Saneamento e que as atuais deficiências nos processos licitatórios deve-se à falta de estruturação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas por parte do governo, agentes deste governo continuam fazendo ameaças de que se o INSI não for aceito haverá desabastecimento e demissão em massa dos servidores, inclusive indígenas.

Como sabemos os instrumentos da licitação e do concurso foram criados pelo Estado na perspectiva de evitar atos de corrupção e o clientelismo com uso do recurso público. Diante disso nos perguntamos: porque tantas mentiras sendo usadas recorrentemente no duro ataque a estes dois instrumentos na tentativa de convencer os conselheiros distritais indígenas a aderir ao INSI? Porque tanta insistência do governo nesse processo conturbado que tem alto potencial para gerar divergências e divisões entre povos e lideranças indígenas e organizações aliadas exatamente numa conjuntura de ataque aos direitos destes povos por parte de setores econômicos antiindígenas no país,dentre as quais, os ruralistas?

Por fim, devemos ficar atentos à resposta que será dada pelo Palácio do Planalto à questão que se impõe no momento, a saber: o governo Dilma vai mesmo enviar ao Congresso Nacional o Projeto de Lei para a criação da paraestatal enfrentando, desrespeitando e tentando humilhar as diversas lideranças e organizações indígenas, de âmbitos nacional, regional e local que vem se posicionando contra o INSI?
          
Certamente, os desdobramentos da conjuntura político indigenista no Brasil dependerá sobremaneira das respostas do governo Dilma a estas questões. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Áudio evidencia que CNA elabora parecer da PEC 215

Por Luana Luizy,
Na última semana uma denúncia escancarou a falta de ética e escrúpulos do latifúndio no Brasil. Uma ligação interceptada pelo Ministério Público Federal do Mato Grosso revelou que o líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de R$ 30 mil para o advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que seria o responsável pelo relatório da (PEC 215) que trata da demarcação de terras indígenas. “Esse trem custa 30 conto, eu dei 5 conto, o Navo vai dar 5, precisa arrumar 20 conto de hoje pra amanhã, que essa semana vai ficar pronta esse trem”, diz Sebastião Prado na ligação.
No áudio, Sebastião Prado, líder da Associação de Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), que inclusive está preso, diz que “o cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215, quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e companheiro nosso”.
Confira aqui o áudio:
O diálogo mostra nitidamente a autoria dos ruralistas na elaboração da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) e evidencia uma série de ações orquestradas pelos ruralistas em todo o Brasil contra os povos indígenas.
O Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram uma operação para desarticular a atuação do grupo que coordenava e aliciava pessoas para resistirem à desocupação do território indígena Marãwatsédé, em Mato Grosso. “Segundo investigação conduzida pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal, a organização criminosa atuava de modo a impedir que a etnia Xavante usufruísse da Terra Indígena Marãiwatsédé, definitivamente delimitada, demarcada e homologada desde 1998”, tal como corrobora nota do MPF-MT.
Mesmo com o reconhecimento da mais alta instância jurídica do país, ruralistas resistiam em desocupar o território tradicional indígena. A história se repete no Maranhão, onde segue em curso a desintrusão de não-índios em território dos Awá-Guajá, local bastante especulado por madeireiros. Em resposta a estas conquistas, os ruralistas, contra o estado democrático de direito, tentam potencializar ações ilegais.
O MPF revelou a influência dos ruralistas em outros estados de conflito na Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná e também a possível participação de parlamentares federais no caso. A investigação segue em curso e os documentos relacionados à possível participação de parlamentares federais no caso foram remetidos ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Ligação de líder ruralista com Aécio Neves
O áudio também mostra a ligação do líder ruralista que está preso, Sebastião Prado com o candidato à presidência, Aécio Neves-PSDB. Sebastião Prado seria o coordenador da campanha de Aécio no estado do Mato Grosso. “Tive pessoalmente com ele (Aécio). Eu inclusive vou coordenar a campanha dele lá no Mato Grosso”, afirma Sebastião Prado.