- Historicamente, segmentos progressitas e de esquerda sempre defenderam a solidariedade entre os povos como um valor da mais alta relevância. Da mesma forma, muitas lutas sociais ganharam mais vigor com o apoio recebido de "fora". Vide o recente caso dos(as) bolivianos(as) na sua luta contra a construção da rodovia que iria atravessar o Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), cujo apoio internacional e de diferentes setores da Bolívia foram importantes para que o governo suspendesse a obra diante de tanta pressão interna e externa. A mesma coisa podemos dizer sobre a resistência a Belo Monte, no Pará. Agora, imagine se de repente todos(as) nós pudéssemos emitir opinião, questionar, denunciar, se solidarizar ou propor apenas sobre o que dissesse respeito ao local onde vivêssemos? O que seria da ciência? O que seria da Filosofia? O que seria do pensar? O que seria da luta social? Uma coisa é certa: seria a morte da política e de valores nobres como a solidariedade. Essa visão obscurantista deve ser combatida com todas as forças sob risco de termos de abrir mão de conquistas obtidas com muitos sacrifícios. Por incrível que pareça algumas pessoas advogam atualmente a tese de que não "fale nada do meu lugar se você não mora aqui" para repelir o contraditório e a crítica - mesmo que embasada em fatos, números, relatos ou denúncias.
- Esse forma de pensar é, em sua essência, autoritária, pois ela advoga para si o poder de determinar - a priori - quem é responsável e irresponsável na defesa de determinados pontos de vista, ou sobre quem perdeu ou não "o bonde da história", mesmo que estejamos em tempos de "trêm bala". Ora, qualquer posicionamento político, estudo, análise, documento ou carta aberta representará sempre o pensamento de uma parte da sociedade. Se o/a outro(a) não representa a totalidade - o que é simplesmente impossível - significa que o meu posicionamento tem esse poder? Logo se vê que tal argumento não encontra guarida sob qualquer perspectiva que o mesmo seja enfocado.
- Bem, agora além dos inúmeros muros que se levantam - ou se levantaram - no mundo (de Berlim, de Israel em relação aos palestinos, o da fronteira entre o EUA e o México, além das barreiras políticas, ideológicas, econômicas e outras) nos querem impor a barreira geográfica para definir quem pode ou não debater determinados assuntos. Sendo assim ficamos terminantemente proibidos de refletir, questionar, ou quem sabe, elogiar, a execução de políticas públicas, como as do Acre, pelo simples fato de não morarmos lá. Seguindo esta linha de raciocínio não poderei mais continuar meus estudos sobre as repercussões das hidrelétricas do rio Madeira sobre as populações e o ambiente (do Brasil e da Bolívia) porque, infelizmente, resido no Pará.
- Por que é leviano questionar as ações do governo acreano voltado ao fortalecimento da economia verde? Qual é o problema? Se não é verdade porque simplesmente não se apresentam argumentos contrários que desconstruam a crítica, ao invés de buscar desqualificar quem apresentou as mesmas? A questão central é: apostar no mercado de carbono, REDD e outras "alternativas" desse tipo é contribuir de alguma forma para a mercantilização da natureza. Pode-se argumentar contrariamente, mas será preciso lutar contra fatos nada desprezíveis.
- Dentro da própria Universidade Federal do Acre (UFAC), somente para citar um único exemplo, há quem questione as ações do governo estadual em relação às suas políticas de REDD e de fortalecimento do mercado de carbono, alegando que isto não trará benefícios às comunidades locais. Eles também são irresponsàveis? Ou somente eles podem realizar a crítica já que moram no Estado (mesmo que não lhes sejam ouvidos os argumentos)?
- Ningúem em sã consciência, morando ou não no Acre, desconhece os avanços alcançados nesse estado nos últimos anos seja na área social, ou no atendimento de várias demandas da sociedade. Rio Branco é a expressão material de muitos desses avanços.
- Quem porventura tiver acesso aos termos da Carta do Acre verificará que o enfoque são as políticas de REDD. O texto não se propôs em qualquer momento realizar uma crítica ao governo, mas a uma ação precisa da qual discordamos, inclusive várias organizações acreanas. Portanto, não há invencionices, má fé ou um complô de "direita" para colocar o governo estadual em situação delicada.
- Por fim, ressaltar que os termos aqui expostos são de responsabilidade de seu autor na medida em que a mesma não resultou de debate no interior de qualquer coletivo.
Guilherme Carvalho
Doutorando do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA) e integrante da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais